domingo, março 16, 2025

Camilo Castelo Branco, no dia do bicentenário

Rafael Bordalo Pinheiro
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Bairro Alto, Lisboa, 1825 – São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, 1890).

Escritor completo, cultivou todos os géneros literários: é o efabulador romântico de Romance de um Homem Rico (1861) e Amor de Perdição (1862), o escritor realista de A Queda dum Anjo (1866) ou O Retrato de Ricardina (1868), o romancista “histórico” de A Filha do Regicida (1875), o autor ironicamente à la page com o naturalismo em Eusébio Macário (1879) e A Corja (1880); é o poeta de Nas Trevas (1890); o dramaturgo de O Morgado de Fafe em Lisboa (1861); o folhetinista de cordel de Maria! Não me Mates que Sou Tua Mãe (1841); o polemista de O Clero e o Sr. Alexandre Herculano (1850) ou Vaidades Irritadas e Irritantes (1866); o memorialista das Memórias do Cárcere (1862); o crítico de Esboços e Apreciações Literárias (1865); o biógrafo de D. António Alves Martins – Bispo de Viseu (1870); o epistológrafo da Correspondência com Vieira de Castro (1874); o antologiador do Cancioneiro Alegre (1879); o historiador comprometido do Perfil do Marquês de Pombal (1882); o publicista de O Vinho do Porto (1884)…

Entre as convulsões da Guerra Civil e a agonia do Ultimato, o Portugal do século XIX, dos Cabrais à Regeneração, espelha-se na obra de Camilo. Mas, erudito, vem de trás, das crónicas vigiadas de Fernão Lopes aos cartapácios fantasiosos de Frei Bernardo de Brito; prosador exímio e mestre da língua, é herdeiro do Padre António Vieira e está também na génese de Aquilino Ribeiro; instável, sarcástico, violento e ao mesmo tempo lírico, encerra uma verdade envolta em fingimento que não deixa indiferente o leitor do século XXI.  

É um dos génios tutelares da cultura portuguesa. O seu nome próprio, Camilo, tem dimensão idêntica aos de Camões, Vieira, Bocage, Garrett, Antero, Eça, Cesário ou Pessoa. Amor de Perdição emparceira em peso e relevância canónicos com Os Lusíadas, Menina e Moça, Viagens na Minha Terra, Os Maias, O Livro de Cesário Verde, , Clepsidra, Mensagem, Andam Faunos pelos Bosques, A Selva, Mau Tempo no Canal, Sinais de Fogo, Para Sempre – clássicos absolutos. Escritores como Teixeira de Pascoais, Aquilino, Vitorino Nemésio, José Régio, João de Araújo Correia, entre muitos outros de primeira água, sentiram-se interpelados pelo génio do «colosso de Seide», dedicando-lhe estudos de amplitudes várias; também artistas plásticos como Roque Gameiro, Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara, Diogo de Macedo, Tom, João Abel Manta ou Mário Botas não lhe ficaram indiferentes.

O tempo, ele próprio – em boa parte graças aos jornais e às bibliotecas itinerantes, primeiro, ao audiovisual e aos curricula escolares, depois – encarregou-se de tornar o acervo literário de Camilo em elemento identitário dos portugueses, o que se verifica quando a cultura popular se deixa impregnar pela criação erudita, e vice-versa. Esse intercâmbio fecundo é a glória dos criadores: por um lado assegura a perenidade do seu nome e de parte da sua obra; por outro, acrescenta densidade à comunidade nacional em que o autor e os seus livros se fizeram.

O legado artístico camiliano constitui-se como património incomparável. O mesmo se passa com outras manifestações seculares equivalentes em importância: das cantigas de D. Dinis e os autos de Gil Vicente à obra romanesca dos nossos maiores escritores contemporâneos; das gravuras rupestres do Vale do Côa aos projectos de Siza Vieira, passando pelos painéis de Almada Negreiros; das sonatas de Carlos de Seixas às sinfonias de Luís de Freitas Branco e à guitarra de Carlos Paredes; dos retábulos da escola de Nuno Gonçalves às telas de Júlio Pomar, dos retratos de Columbano aos cartoons do seu genial irmão, Rafael Bordalo Pinheiro – a cultura portuguesa não é susceptível de ser apreendida sem estas, e outras, manifestações do espírito. Assim com Camilo Castelo Branco.


Texto inédito, datado de 31-V-2010

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

CAMILO CASTELO BRANCO: Bicentenário do Nascimento (16-03-1825). «O ROMANCE DE CAMILO». 1956. "Biografia e crítica" (3 Tomos).
«O ROMANCE DE CAMILO» de Aquilino Ribeiro.
https://alcancaquemnaocansa.blogs.sapo.pt/camilo-castelo-branco-bicentenario-do-186503