«Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Ireneia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade em Oliveira, todos conheciam pelo "Fidalgo da Torre") trabalhava numa novela história, "A Torre de D. Ramires", destinada ao primeiro número dos "Anais de Literatura e de História", revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)
«O Sr. Silva, inquieto e resfolegando como um hipopótamo, passeava no seu escritório. O seu traje era muito simples: andava de cuecas e alpercatas de estopa com sola de cortiça. Este vestido, conquanto singelíssimo, e o primeiro talvez que se seguiu ao que trajou Adão no Paraíso, dava-lhe ares dum sátiro voluptuosamente gordo.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)
«A torre da Sé deformou-se: o granito aliado à névoa, a névoa de mistura com a noite, abriram arcarias, alongaram as portas, e fizeram dos restos da muralha antiga um tropel caótico. É um amálgama de realidade e pesadelo, trapos de nuvens e palácios desmedidos.» Raul Brandão, A Farsa (1903)
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«Neste investimento de todo especioso, deu-se um facto desastrado: o pouco que havia de positivo e manifesto confundir-se com o adventício e tomar na indumentária lantejoulada o seu aspecto ludibriante. Mas que importava lá isso?! Pior ainda foi esquecerem-se os hermeneutas de que a actividade poética na época era condicionada por factores de que hoje não resta mais que a vaga memória. Resultou a biografia de Luís de Camões converter-se num romance mal urdido, falso no que respeita à pessoa, e destituído de senso quanto à verdade local.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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