«O vento mia e rabeia no telhado, abala a casa, parece que leva tudo pelos ares, engolfa-se a espaços pela chaminé abaixo, espevita o lume onde a chaleira canta, vai fazer oscilar a chama do candeeiro de petróleo e arranca-lhe um vèuzinho de fumo negro. Algures, uma porta mal engonçada bate no trinco, enfurecida, como se quisesse libertar-se e partir com o vento à grande aventura.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)
«Ramona não se justificou, mas, pelos seus modos, Soriano compreendeu que ela resmungava por dentro. E parecia que o silêncio e a imobilidade de Paco apoiavam e aumentavam a razão de Mercedes. / -- Em Espanha janta-se sempre tarde de mais -- disse Soriano, em tom conciliador, assim que a criada saiu, depois de ter servido o café.» Ferreira de Castro, A Curva da Estrada (1950)
«Na estação havia apenas um passageiro, esperando o comboio: era um mocetão do campo, que não se movia, encostado à parede, com as mãos nos bolsos, os olhos inchados de ter chorado duramente cravados no chão e ao lado sentadas sobre uma arca de pinho nova, estavam duas mulheres, uma velha, e uma rapariga grossa e sardenta, ambas muito desconsoladas, tendo aos pés entre si, um saco de chita e um pequeno farnel de onde saía o gargalo negro duma garrafa.» Eça de Queirós, A Capital! (1877/1925)
1 comentário:
«... E, ainda, como aconteceu que Diogo do Couto, «seu matalote», ao fazer escala por Moçambique o fosse encontrar em tal situação que foi preciso recorrer ao peditório para lhe acudir à miséria? Depois, tendo regressado ao pátrio Tejo, não mendigou uma tença na qualidade de inválido de guerra, não mendigaram por ele, não foi morrer num grabato de hospital, tão abandonado e mesquinho que poucos anos decorridos fartaram-se de andar às apalpadelas para descobrir o coval que lhe recebeu os ossos...?!»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões-Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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