«Em mísulas e sobre os móveis -- uma credência gótica com baldaquino, um contador do século XVI, alguns tamboretes estofados, cadeiras de coiro lavrado e a escrivaninha de pau-santo -- pousavam gessos clássicos, marfins velhos, objectos de culto, cálices, cibórios, sanefas, paramentos, pequenos modelos de relicários e domos, de púlpitos e sarcófagos e, aos montes, desbordando dos móveis e arrastando-se nos tapetes, dispersos por toda a parte, em álbuns, cartões, portafólios, uma aluvião de cópias e reproduções, em todos os processos e formatos, dos quadros célebres dos museus, das obras-primas da arte de todos os tempos.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)
«Também ali perto, por uma tarde fosca de Outubro, chegou um gaio voejando, de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado como é próprio da raça. No saiote desbotado, as duas pinceladas de azul, azul retinto, fulguravam para que se soubesse que um gaio também é gente dos ares.» Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães (1957)
«Não alastro as páginas com dedicatórias: a meu pai, à minha mãe, aos meus parentes e amigos, vivos e finados, para que se não diga de mim o que por aqui se propalou a respeito do Brites, que encheu quatorze folhas da sua tese sobre "cryptococus xantogenico", com oferecimentos, envois e uma reclame a uma certa modista da rua d'Ajuda. / Outros livros virão, meu tio amado. // Afectuoso // Anselmo». Coelho Neto, A Capital Federal (1893)
1 comentário:
«O autor dos 'Lusíadas', de cuja memória nos timbramos todos ser mais devotos uns do que os outros, foi excepcional no estro e comum na vida. Se o segregarmos do comércio das Musas, em tudo se nos revela o homem das três dimensões, mais arroba, menos quintal, como dizia Bertoldo. Era indispensável para a sua panteonizacão que, ardendo em exaltamento patriótico, fizéssemos dele um grande do nobiliário, primeiro nas batalhas, chichisbéu de princesas de sangue e, para remate, monstro de dignidade? Em envoltas assim maravilhosas apenas os Faraós entraram na imortalidade e ainda segundo os livros depositados nos sarcófagos.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões-Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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