sábado, setembro 23, 2023

caderninho - Ferreira de Castro

 «Os insignificantes não prendem o homem, prendem o que há de Grande no homem.» 

Mas... (1921)

3 comentários:

Manuel M Pinto disse...

PARIS/MCMXIV

QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO

«Estou farto de ver rostos macilentos e olhos alucinados e de adivinhar pungentíssimas tragédias por debaixo de fisionomias graves e valorosas. Tenho também, pejo de viver, válido e moço, a meio duma população de velhos, mulheres e crianças, e de arrastar por esta pobre e grande terra, coberta de luto, lavada de sangue e de lágrimas, a insolência da minha neutralidade. Espreitam-me ao passar, com suspeitosa interrogação. O estanqueiro que padece do peito diz-me com voz humilde, receoso de escorregar o freguês:
– "Ah oui, ah oui, vous n’allez pas, vous êtes étranger…"
Sou estrangeiro, mas sinto a guerra como qualquer alma que esteja em espasmo, suspensa aos ruídos que chegam dos campos de batalha, interessado não pelo êxito deste ou daquele beligerante, mas dolorido sobre os infelizes que matam e morrem. Sinto-a e, ao mesmo tempo que tenho náuseas do mundo, toda se confrange em dor inútil e impotente a minha humanidade. Vou-me embora, vou fugir do adorado Paris, de tudo o que esta terra mimosa dava à farta ao gosto que tenho pela vida. Vou para a aldeia, antípoda da capital excelsa, vegetar, dormir, esquecer, pondo apenas a cabeça de fora a saber se já terminou o horrendo ataque de epilepsia universal.»

Aquilino Ribeiro, "É A GUERRA-Diário", (Paris, 1914). Publicado em 1934.

Sintra blogue disse...

muito bons os dois ultimos caderninhos

R. disse...

Ainda nem que gostou, vai continuar.

Aquilino, excelso, excelssíssimo.