sexta-feira, setembro 01, 2023

antologia improvável #500 - A. M. Pires Cabral


 SILÊNCIO


Há momentos em que tudo o que desejo

é o silêncio e seu bálsamo. Momentos

que a própria música conspurcaria.


Mas há silêncio e silêncio. O que apeteço

não é o silêncio que alguma autoridade

decreta, seja direcção-geral, escola, igreja.

O silêncio que ambiciono há-de ser

sereno como nuvens e ervas bravas

e água em repouso e asas imóveis

de borboleta.


Há-de ser como o doce cansaço

que, depois que o vento tem passado,

fica a cintilar sobre as coisas

que o vento alvoroçou.

Caderneta de Lembranças (2022)


2 comentários:

Manuel M Pinto disse...

Dedicatória do livro "Romance da Raposa"
ao seu filho Aníbal Aquilino Fritz Tiedemann Ribeiro, nascido em 26-02-1914.

«Aníbal:

As aventuras maravilhosas da Salta-Pocinhas -- raposeta pintalegreta, senhora de muita treta -- contei-tas, sentado tu nos meus joelhos. Contando-tas, veio-me ideia de as escrever. Além de inspirador, colaboraste com teus silêncios, perguntas e interrupções na frágil meada. Que mais não fosse, só por este título o livrinho teria de levar o teu nome.
Ao percorrer estas páginas, nos teus olhos em flor não virão brincar fadas e duendes, bons gigantes e princesinhas. Tão-pouco ante eles se erguerão aqueles palácios encantados, que por serem de ouro e pedras finas, concebidos para satisfazerem a todos os desejos, tão diferentes são dos da terra. Que queres, no reino dos bichos não há nada disto, nunca houve. O doce mundo de ilusões, que o homem criou, reservou-o para figurantes, riscados, sim, pela fantasia, mas sempre à sua imagem e semelhança. Os chamados irracionais ali não têm ordem de entrar.
Em harmonia, pois, com as leis da poesia e da ciência natural, não fiz da raposa princesinha. Personagem histórica, para mais, era meu dever não falsificá-la. Representa, tal como vem da fábula, no guinhol com os outros bichos, a todos os quais dei voz, com licença de mestre Esopo. E dei-lhes voz para melhor manifestarem o que são, e nunca para com eles aprendermos a distinguir bem e mal, aparências ou estados, pouco importa, atribuídos exclusivamente ao rei dos animais, como nos jactamos de ser.
Se ao fim de cada jornada bateres as palmas, dar-me-ei por largamente recompensado. Basta que te recreies, como no jardim zoológico, para ambos não perdermos o tempo.
Aí fica, meu homem, no teu sapatinho de Natal esta pequena prenda. Aceita-a com os meus beijos de pai, que ao menino Jesus vou pedir perdão do pecado, pois que a raposa é matreira, embusteira, ratoneira, e ele apenas costumava brincar com pombas brancas e um branco e inocente cordeirinho.».
S.to Amaro de Oeiras.
Natal de 1924.»

R. disse...

Foi um belo presente.