CALAFRIO
Não sei como eles ainda escutam
as cóleras de guizos,
como eles não vêem os coágulos
onde o sangue tingiu os girassóis.
De ciprestes são as áleas
que escoltam a música dos sinos
e o céu desfolha-se
em estrelas apagadas.
Pois sobre o rugido dos coveiros
que se levante a surdez.
A alva, quando nasce,
é calafrio.
Marketing (1969)
2 comentários:
«-- A caça é bárbara, é; mas que outra coisa é a criação senão uma chacina constante e recíproca? O homem é o animal mais feroz da criação, e talvez por isso seja o rei. Para nosso regalo, assassinam-se nos açougues as inocentes vitelinhas, tão enternecedoras que dá vontade de as beijar, e Gertrudes, a boa Gertrudes que ali vês, não se benze para cortar o pescoço a uma dessas galinhas, que despreocupadamente catam os vermes da terra. Que queres? é a nossa condição. Dir-me-ás tu que na caça se dá, muitas vezes, a circunstância cruel de se ferir a peça sem a abater. Não há dúvida que tem esse lado desumano. Mas o bom caçador, que põe brio no atirar, se dispara... virou! Um código de honra está a reger-lhe o dedo quando preme no gatilho. Podes crer, um tiro à aventura, ou sofreado, sinais são de caçarreta, nanja de caçador. Eu podia não fazer cinto, mas pólvora em salvas não queimava!...»
Aquilino Ribeiro, "A Via Sinuosa" (1918)
Estupendo.
Enviar um comentário