sexta-feira, março 18, 2022

tempo de canalhas: os casos de Daniil Medvedev e Gregory Gergiev (ucranianas XLIX)

Vou agora fingir acreditar nas patranhas que a propaganda pretende inculcar, que o Putin quer reconstituir a União Soviética ou o império czarista -- e esquecer-me de que o presidente russo é um nacionalista impregnado de mentalidade russa, sustentado (e sustentando) pela Igreja Ortodoxa, e aceitar que a expansão da NATO é apenas uma desculpa para o que se passa na Ucrânia.  Finjo acreditar nisso tudo, sem precisar de me socorrer das hipóteses infantis da doença, física ou psiquiátrica, correndo o risco de ser insultado por este serafim saudade

A decência obrigar-me-ia sempre a denunciar a perseguição que está a ser feita a grandes figuras russas da actualidade, pelo simples facto de serem russos, forçados a declarar-se contra o governo do seu país em estado de guerra. É o que acontece com Daniil Medvedev, o tenista actualmente número 1 do ranking mundial (ele e todos os outros tenistas russos e bielorrusos). A canalhice já nem por delito de opinião, mas delito de amizade, atingiu um dos grandes maestros da actualidade Valery Guerguiev, demitido da direcção da Orquestra de Munique e do Scala de Milão. É culpado de ser amigo de Putin e não ter respondido ao ultimato das duas instituições, que lhe pediam se demarcasse daquele. Foi despedido por ser digno, por não renegar a amizade nem ser troca-tintas. Claro que é Guerguiev que se agiganta diante dos burocratas e comissários políticos.

Das alturas da grande música e do desporto de alta competição, apenas uma nota rasteira: o Biden, um destroço físico, intelectual e moral que se entreteve a chamar assassino e rufia ao Putin, assume a posição de corrécio com a China

É a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, não é? Pois é, pois é...

P.S. A forma como Putin se referiu ontem aos opositores internos -- se é certo que ele tem de lidar com uma quinta-coluna -- foi abjecta, inaceitável e incivil (os mosquitos que nos entram acidentalmente na boca e se cospem). A última vez que vi uma criatura usar esta linguagem foi o patife do Kadafi, que acabou como se sabe.

(Lembrete: como aqui tenho escrito, a guerra da Ucrânia está para lá de Putin -- e a última coisa que alguém me verá fazer aqui é isentar os americanos -- os grandes responsáveis pelo que está a acontecer na Ucrânia, a par  dos seus homens de Kiev. Os comentadores que têm opinado sobre esta guerra endossando acriticamente a versão NATO, ou são megafones da administração americana ou, a maioria, bois a olhar para palácio, não vêem um cu. Não tenho nem quero ter nada que ver com essa fauna.) 

ucranianas

4 comentários:

Lúcio Ferro disse...

Já somos dois, pelo menos, neste tempo de lavagem cerebral nunca vista. Este blogue é dos poucos na nossa dimensão nacional que usa a razão para ler a realidade, ao contrário de tantos outros, que perderam completamente o norte, abdicaram dos seus princípios e que para aí andam a deitar gasolina para a fogueira. É incrível a cegueira e a facilidade com que a propaganda sempre repetida consegue fazer das pessoas joguetes de interesses supostamente livres, democráticos e o raio que os parta. Só espero é que isto não descambe na famosa máxima de Einstein, de acordo com a qual a quarta guerra mundial será travada com paus e pedras.

Sara Fonseca Ferreira disse...

Biden, Putin ou Nikolai Gogol?

https://www.aljazeera.com/opinions/2022/3/11/who-to-believe-on-ukraine-biden-putin-or-nicolai-gogol

R. disse...

Lúcio Ferro, obrigado pelo comentário. Já prometi a mim próprio fazer um balanço ponto por ponto do que escrevi, quando isto chegar ao fim. Espero que não falte muito.

Obrigado, Sara, vou ler. Um terá mais afinidades com o Gogol que o outro...

R. disse...

Muito bom, sábio conselho de um intelectual iraniano (professor em Columbia).
Um abraço