sexta-feira, janeiro 03, 2025
fragmentos
«A tarefa do crítico é facilitada quando não se trata já duma primeira obra. Uma frase resolve tudo: "É pior que a anterior".» José Bacelar, Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana (1936)
«Ibsen diz-nos em Brandt ou Solness, não me recordo bem: "O que és, deves sê-lo em cheio". És um carpinteiro, um negociante, um pianista ou mesmo um trampolineiro? Sê-o em cheio, completamente. O que tem estragado a vida a muita gente, é o não terem sido nada, a valer. Sempre amadores em tudo, na mesquinha preocupação das almas fracas, de quererem equilibrar, contemporizar, contentar D. Quixote e Sancho Pança, nunca se atrevendo a ser um ou outro e a viver plenamente dentro do caminho traçado. Assim deslizam pela vida, ora recuando de Quichote para Sancho, ora avançando deste para aquele, sempre a procurarem-se sem nunca se encontrarem, sempre a procurarem ser e nunca conseguindo senão parecer.» Emílio Costa, «A esmo», Filosofia Caseira (1947)
«Luz e trevas são a mesma coisa, em ambas reside a mesma energia. Quem possui ouro no seu âmago tem de aprender a trabalhar com ele, para que as outras pessoas consigam ver que, por trás da aparente escuridão, existe um ser de luz, um ser luminoso. A luz vem das trevas, pois é aí que nasce a luz.» Rui Chafes, «O perfume das buganvílias», Entre o Céu e a Terra (2012)
4 versos de Carlos Queirós
«Um violino geme / Em um barco, singrando / No meu sonho, tão brando / Como a curva do leme.»
«Barcarola», Desaparecido (1935)
o que está a acontecer
«Ao Revm. padre Ambrósio Coriolano d'Anunciação Lousada, vigário em Tamanduá, como humilde testemunho de gratidão, pelos severos conselhos com que fortaleceu o meu espírito e pelos cascudos com que me abriu a cabeça para que nela entrassem as regras de concordância e os versos de Virgílio, ofereço este livro. // Tamanduá, em Minas -- Janeiro, 93» Coelho Neto, A Capital Federal (1893)
«Dia de calor. Paz à nossa volta. Encontrámo-nos ali sem combinar, um daqueles hábitos que nunca se sabe bem porque começam, talvez por acaso ou pelas razões ocultas que umas vezes nos levam a buscar companhia e doutras nos empurram para a solidão.» J. Rentes de Carvalho, A Amante Holandesa (2003)
quinta-feira, janeiro 02, 2025
1 verso de José Régio
«Ter de mais que dizer... ah, que maçada e que agonia!»
«O papão», As Encruzilhadas de Deus (1936)
"Seja muito bem-vindo Presidente Xi!". disse então Marcelo
Estou perplexo com a mensagem de Ano Novo do Presidente da República, no que respeita à política externa (deposi, confesso que perdia a atenção). Ver o chefe do estado apontar a China como ameaça, assim às claras, fazendo todos os fretes a países estrangeiros e dizendo nada ao interesse nacional, lembrou-me a calorosa recepção há uns anos a Xi Jinping. Interessava, porque estávamos de mão estendida? É para um tipo sentir-se envergonhado.
Para não falar da questão Russa, como se alguém tivesse perguntado alguma coisa ao PR -- e se alguém perguntou, não foram decerto os portugueses. Finalmente, no que respeita ao interesse nacional e às nossas boas relações com os Estados Unidos, que dada a vizinhança atlântica são do nosso interesse, o Presidente deve ter-se esquecido que a presidência mudou, embora não mude o desejo de vassalagem. Se Trump tirar o tapete a Zelensky, o que dirá Marcelo? Não será difícil tentar adivinhar.
Tudo isto é revelador de uma falta de dimensão e de sentido de estado que não nos deve admirar que outros políticos, entretanto guindados a funções internacionais, não passem de anões funcionais.
quarta-feira, janeiro 01, 2025
2 versos de José Pascoal
«Os meus desígnios são insondáveis. / É a minha única parecença com Deus.»
«Imagem e semelhança», Sob Este Título (2017)
começar o ano a ver comer gelados com a testa - a propósito da Geórgia
Chegado a casa, ligo para RTP2, está a falar João Oliveira, no programa "Eurodeputados". João Oliveira, recorde-se, em quem gratamente votei nas últimas Europeias, não sendo do PCP, longe disso -- sou sempre libérrimo para votar como e em quem me apetece.
E que refrescante foi ouvi-lo, não só em resposta às perguntas inquinadas da simpática Fernanda Gabriel, mas nos comentários aos jovens colegas do PS e do PSD, estes munidos de toda a prosápia bebida nas escolas das juventudes partidárias, mas ignorantinhos (não têm idade para ignorantões), a debitar a sebenta com mais ou menos fluência, e a dizer asneiras, quer sobre a pretérita "invasão" russa -- que mais não foi que uma resposta à de facto invasão georgiana, decorria a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Pequim, lembro-me bem --, quer agora sobre as eleições no país, reconhecidas como válidas pela OSCE.
Bom, nada disto é novidade, nem a inexistência neste debate de Catarina Martins, que quer ser muito anti-nato, mas quando é para retirar todas as consequências, dá uma no cravo e outra na ferradura, outra coisa não seria de esperar. Nisto como em muitas coisas o Bloco não serve para nada -- ou então serve para tirar fotografias de grupo com o Chega à ilharga no meio do Santos Silva, que deus tem.
Uma das coisas de que gosto em João Oliveira é que, sem perder nunca a compostura, chama os bois pelos nomes todos, cheio de determinação, o que obriga os contendores a enterrarem-se mais na asneira ou então a proferirem frases vazias de tão lindas, como as de Catarina Martins.
Meu rico voto, tão bem empregue -- até limpa a alma, caralho!...
Vale a pena ver aqui.