quinta-feira, junho 19, 2025

o que está a acontecer

«I-I - Quem, de longe, remire Alfamar, cada renque horizontal das suas casas brancas como a escalar os dois regaços do cerro intonso e altaneiro  que um castelo de traça mourisca ainda hoje simula proteger -- ajuizará sobre o desafogo de vistas dessa vila algarvia, a várzea, que ostenta à ilharga, engalanada com a vegetação das hortas bem cultivadas e sortidas.» Assis Esperança, Pão Incerto (1964)

«1. Empurrados do interior, os povos buscavam o litoral na esperança de uma mandioquinha, de um caldinho de peixe, de um cana para chupar, ou de folhas verdes para mastigar. Qualquer coisa que lhes desse, ao menos, a ilusão de alimento. Mas nas povoações da beira-mar, mesmo nas terras maiores, os haveres tinham sido também arrasados pelos ventos da miséria.» Manuel Ferreira, Hora di Bai (1962)

«A SEARA  - A festa -- 1. O vento arrastou as nuvens, a chuva cessou e sob o céu novamente limpo as crianças começaram a brincar. As aves de criação saíram dos seus refúgios e voltaram a ciscar no capim molhado. Um cheiro de terra, poderoso, invadia, tudo, entrava pelas casas, subia pelo ar.» Jorge Amado, Seara Vermelha (1944)

«Escolhera o mestre do barco aquela noite negra, para que a Lua não assistisse à largada. Também não compareceram as estrelas, com grande contentamento do velho João Frade, posto lhes quisesse muito, mas no alto, em plena derrota, para conversar com elas  sobre coisas noutros tempos acontecidas, já que sem idade para sonhar com vida nova.» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Saiu da conjura generosa de tão altos expoentes um Camões hiperbólico, congestivo de grandeza e avatares. Comparticiparam dela quantos patrioteiros fazem destes casos jogos de supremacia internacional como nos campeonatos da bola, e os parvos, infinita legião que mete por todos os carreiros de Panúrgio e não compreende nem aceita nos autos independência mental, singularidade de visão, self-government do espírito, como se isso redundasse pôr-lhes a geba à mostra.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)