sábado, novembro 30, 2024

quadrinhos


Enrico Marini, Batman e Gotham City

 

sexta-feira, novembro 29, 2024

Banda do Casaco, «Ai se a Luzia»

3 versos de Luísa Dacosta

 «Searas de espuma / invadem, violentas, / as areias.» 

A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

o que está a acontecer

«I. Entre o azul do céu e o verde do mar o navio ruma o verde-amarelo pátrio. Três horas da tarde. Ar parado. Calor. No tombadilho, entre franceses, ingleses, argentinos e ianques está todo o Brasil (Evoé, Carnaval!)» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)

«Tempos depois, já mais crescidito, débil mancha de buço precoce, anunciadora da virilidade futura, encontrar-me-ia a enterrar coroas de espinhos na cabeça dos cães vadios que vinham esperar as crianças à saída do liceu. Inadvertidamente, apliquei esse mau trato à cadela de um professor de latim, bicha de raça, estimada, e fui denunciado, repreendido pelo reitor, castigado em casa, proibido de brincar durante um mês com o comboio eléctrico.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)

«É o fumo desses fogos que vejo espalhar-se na planície, ao sabor do vento fresco e forte. / Também a fogueira que me protege contra o frio se verga ao ímpeto do vento, mas quando olho em frente posso distinguir, no interior do templo, cuja porta está aberta, a chama sagrada ardendo erecta e impassível, sem que um sopro a perturbe. Mais perto de mim, ao ar livre, as flores que cobrem a ara dos sacrifícios são varridas para o chão.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)

quinta-feira, novembro 28, 2024

Spirou #4520


 

ucraniana CCLXXII - um bisneto do Tólstoi a propósito da guerra da Ucrânia, com um pensamento melancólico na miséria deputal do Velho Continente

Bem sei que Piotr Tólstoi é vice-presidente da Duma e pertence  ao partido de Putin. É irrelevante para a clareza do seu pensamento, e do que a Rússia quer e é. Como ele próprio diz, a sua preocupação são os interesses da Rússia, não os dos Estados Unidos ou da União Europeia. Isto, para a miséria deputal, seja no Parlamento Europeu seja no nacional, é mesmo em estrangeiro.

3 versos de Alberto de Lacerda

«Olhos profundos e mãos nervosas / tacteando o encantamento preparado / desde a dor antiga da perdida infância.» 

77 Poemas (1955)

quarta-feira, novembro 27, 2024

por aí


 

Spirou #4519


 

2 versos de António Salvado

«o que eu procuro é incorpóreo e vago / sem alfabeto claro que o inscreva,» 

Entre Pedras, o Verde (2004) / Café dos Poetas (2015) 

terça-feira, novembro 26, 2024

ucraniana CCLXXI - os europeus submissos e cabisbaixos

Quando vemos e lemos o à vontade com que se fala e escreve a propósito da III Guerra Mundial, quando há sempre falcões que não passam de falquinhos, como este Rob Bauer, e outros puxa-saco dos palonços dos dirigentes políticos europeus, só podemos fazer figas ou pôr velas a Nossa Senhora.

Não, não se trata de nenhuma política de apaziguamento semelhante à da Europa Ocidental em face de Hitler, como sucedeu em 1938 -- assim o têm dito os pequenitos académicos de meia-tigela de Relações Internacionais e outros que vêm atrás --, mas sim a submissão miserável, cobarde e cega à estratégia norte-americana, que, porque pretende partir a Rússia aos bocados, não hesitou em usar e sacrificar a Ucrânia e os seus povos, como não hesitará em sacrificar o resto da Europa, se tal lhe servir. A Europa não passa de um mero peão da guerra dos Estados Unidos contra a Rússia.

Resta saber o que farão os políticos europeus: se defender os seus países e povos de uma hecatombe, ou se vão, obedientes, lutar pelos interesses dos outros, submissos e cabisbaixos, tal como os judeus enfileiravam para os fornos crematórios dos nazis. A responsabilidade e a diferença entre patriotismo e traição está nas mãos dos eleitos.

Nota (para o caso de o não ter ainda escrito): Não sou pacifista. Sou contra exércitos profissionais: a defesa do país deve ser sempre dever de todos. Defendo o serviço militar (ou cívico) obrigatório para ambos os sexos, em moldes muito diferentes da estupidez que existia antigamente. Um período mais breve, com reciclagem anual até uma certa idade, tal como existe na Suíça. 

Ah, claro, sou contra a subserviência e o espírito de rebanho pastoreado pela Úrsula e os seus rafeiros.

E ah, outra vez: a "ajuda" da União Europeia à Ucrânia tem sido fabulosa, como se vê. Mesmo com as mentiras da manipulação, creio que os ucranianos já devem estar um bocado cansados de tanto auxílio. Só falta a "ajuda" da Nato. 

Porcos.

2 versos de A. M. Pires Cabral

 «O Outono avança cauto, como se / não conhecesse bem o território que pisa.» 

«E uma cotovia», Caderneta de Lembranças (2021)

segunda-feira, novembro 25, 2024

Crosby, Stills, Nash & Young, «Almost Cut My Hair»

5 versos de José Régio

«Ai!, bem quiseram amar-me! / Bem o tentaram. / Mas nunca me perdoaram / O não serem dominados / Nem poderem dominar-me...» 

«Carta de amor», As Encruzilhadas de Deus (1936)

não é bem o 25 de Novembro, mas o 28 de Maio

Antes de mais, não tenho nada contra o 25 de Novembro, e até podia. Tinha onze anos, e no dia seguinte, em 1975, a minha Mãe iria completar os seus 39. Estragaram-nos um bocado a festa, com a família a ter de sair mais cedo, por causa do recolher obrigatório. Lembro-me bem...

Também não tenho nada contra, por muitíssimas razões que não vou explanar aqui, mas apenas dizer que António Ramalho Eanes é o estadista português que mais admiro no pós-25 de Abril. De resto, na condição de simpatizante, andei a espalhar folhetos do PRD pelas caixas de correio do Estoril, nos idos de 1985.

Compreendo que ele compareça à sessão solene que evoca a data da qual ele foi o principal militar operacional -- afinal não ir seria renegar-se; mas também compreendo que os elementos ainda vivos do Grupo dos Nove não queiram lá pôr os pés.

O que acontece é que as forças políticas que querem alegadamente comemorar o 25 de Novembro, na sua maioria detestam o 25 de Abril. São os derrotados do Estado Novo e a sua data de referência é o 28 de Maio de 1926. Isto vai de boa parte do PSD e do seu eleitorado, ao CDS e ao Chega. Calculo que seja diferente com a IL: sendo liberais não podem ser nostálgicos do Portugal da pobreza, do analfabetismo, da mortalidade infantil, da emigração para os bairros de lata dos arredores de Paris, da Guerra Colonial, já para não falar da pide, da legião portuguesa, da Censura. É isto que boa parte da direita portuguesa gostaria de facto comemorar; mas como não pode, agarra-se ao 25 de Novembro, que aceito ter sido um golpe contra-revolucionário, graças a deus. Basta pensar que boa parte dos patetas-palhaços da revolução tinham como referência o Enver Hoxha, o Mao Tsé-Tung e o José Estaline. 

Foda-se, mal por mal dêem-me a puta da sociedade burguesa.

Ainda outra coisa: lembro-me bem de que nos comícios da AD de 1980, onde estavam muitos dos que hoje expelem jaculatórias de homenagem ao General, uma das palavras de ordem era "Eanes para a Sibéria". A direita portuguesa não só é a mais estúpida da Europa, diz-se; continua a ser uma badalhoca.

domingo, novembro 24, 2024

serviço público

 Viriato Soromenho Marques, «O míssil Biden foi lançado sem regresso».

o vale do riff: «Blue 7» (Nils Wogram Trio)

o que está a acontecer

«Finalmente, dá-se conta do passamento de Arantes Braga, jornalista de incendiado verbo, socialista e independentista, o qual abandona esta estória no término do presente capítulo, isto é, a dezassete de Novembro de mil oitocentos e oitenta e cinco (assim o viu a mucama Josephine) em seu próprio caixão.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989)

«Arcóbriga e Meríbriga nasceram sob a protecção divina. Tanto quanto a memória dos homens recorda, as muralhas das duas povoações nunca cederam a um ataque e mesmo quando soou a hora da derrota não houve sofrimento ou ignomínia. Por isso, os antigos habitantes, agora instalados ao longo da ribeira, continuam a trazer oferendas à divindade, pois sabem que lhe devem a vida, o pão e a segurança que lhes permite amanhar a terra, caçar, apascentar o gado e, pela tardinha, acender com toda a tranquilidade os seus fogos para preparar a refeição da noite.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)

«Ao contrário do que propalou pelas vias da coscuvilhice da vizinhança, a gangrena que o vitimou não derivou do ferro ferrugento da cavilha, mas de um panarício anterior ao atentado -- o que não impediu que tanto a acção concreta como a calúnia me marcassem para o resto da vida, com a memória escaldante de uma tragédia.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)

sábado, novembro 23, 2024

sexta-feira, novembro 22, 2024

quadrinhos


Robert Crumb, Fritz o Gato

 

ucraniana CCLXX - Santos Silva, ¿por qué no te callas?

Cito de memória: "Se os Estados Unidos vierem a abandonar a Nato, a Europa não deixará de assumir as suas responsabilidades.» Excerto de uma entrevista na RTP3 que passou num bloco noticioso. Subentenda-se, entrar em guerra com a Rússia por causa da Ucrânia. E em sequência, penso que perguntado se tal era possível sem os EUA (é ir à box confirmar), Santos Silva retorquiu: bem, na I Guerra os EUA só entraram em 1917 e na II em 1942 e a Europa soube resistir -- ou coisa assim. 

Ora bem:

1) Os Estados Unidos são a Nato. Se viessem a "abandoná-la", o que não sucederá, evidentemente, a Nato acabava.

2) A alusão às duas guerras mundiais é de extremo mau gosto, embora toda a gente esteja a pensar nos riscos de poder desencadear-se uma terceira. 

3) Santos Silva, que não é destituído nem enlouqueceu, acha que as pessoas engolem a lengalenga. E a maioria engole, pois claro -- o que se espera dum país sem massa crítica? Mas esses de certeza não estão a assistir a uma entrevista de Santos Silva na RTP3, mas enfronhados lá nos dejectos televisivos que lhes servem.

4) Dissesse lá o Santos Silva por que razão a Europa iria entrar em guerra com a Rússia. Já faltou mais, claro, porque a Europa não passa de um peão dos Estados Unidos. Mas pensando no interesse nacional, por que diabo Portugal iria entrar em guerra com a Rússia? O que tem a Ucrânia que ver com o interesse nacional português? A não ser que se considere que o interesse nacional é ser-se capacho do nosso vizinho atlântico.

5) Mesmo que a historieta criada para os indigentes de que a Rússia atacou a Ucrânia sem motivo fosse verdadeira -- porém é falsa, como Santos Silva, não sendo destituído, sabe --, mesmo que fosse verdade, onde está aí um ataque a um país da aliança atlântica? Há, de facto, países da Nato a atacar a Rússia, mas isso não nos obriga a correr para o matadouro, atrás estratégia final dos Estados Unidos quando tudo falha, como tem falhado, miserável e indecorosamente. 

Em resumo: vendo Santos Silva cheio de confiança, aqui na outra ponta da Europa, muito distante de onde as coisas aquecem e acontecem, o que me apetece é mandá-lo alistar-se. 

quinta-feira, novembro 21, 2024

quarta-feira, novembro 20, 2024

o que está a acontecer

«I. Ainda que este livro não deva ser, de modo algum, uma daquelas autobiografias grotescas em que o autor relata toda a sua história desde a idade das fraldas, não posso deixar de citar a data triste da minha infância em que -- motivado pela circunstância de meu avô dormir de braços abertos -- pretendi crucificá-lo no colchão, chegando a cravar-lhe uma cavilha na mão esquerda.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981) 

PRÓLOGO «(Ano 84 a. C.) Arcóbriga e Meríbriga são cidades mortas desde que os habitantes foram obrigados a descer para o vale. Abandonadas no alto dos seus outeiros, elas dominam ainda a vasta planície ondulada, mas aqui, no santuário, o deus fica-lhes sobranceiro porque este monte, que é a sua morada terrena, ultrapassa em altura todos os morros vizinhos.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)

«Conta-se também da confusa rixa que pelos finais de 1881 teve por pretexto as eleições para a câmara municipal, e dos sucessos que levaram um rico agricultor de Malange a mandar assar uma escrava para a servir aos cães. / / Pelo meio fica a primeira revolta dos Humbes e o início da conferência de Berlim.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989)

Byron Stripling, «Thanks a Million» / «Rockin' Chair» / «Do You Know What It Means»

terça-feira, novembro 19, 2024

correspondências

(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena) .../... «Deixe-me dizer-lhe, hoje, antes de mais nada, que você pensou o que era de pensar de mim -- aceito perfeitamente, sem o menor ressentimento ou conflito, a vossa decisão, e estou convencido que ela foi justa, por muitíssimo ponderada. Sabia já das decisões, e tinha a certeza que hoje ou amanhã chegaria carta sua, pois isso, e só isso, a sua amizade me devia.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena***

(Teixeira de Pascoais a Raul Brandão) «29-Maio-914 / Amarante // Meu muito estimado Amigo: // Acabo de ler o El-Rei Junot. É uma obra admirável, um grande Drama! // Brevemente lhe enviarei, manuscritas ainda, as minhas impressões sobre a sua Obra que sairão na "Águia" de Julho. Não pode ser primeiro. Tenho tido muito que fazer. Desculpe. / Com os maiores agradecimentos, sou sempre fervoroso admirador e amigo. // Teixeira de Pascoaes» Correspondência**

(José da Cunha Brochado a desconhecido) «O respeito que sempre tive e devo ter à pessoa e ao carácter de V. Ex.ª, me levou sempre à veneração de suas altas prendas pelo seguro caminho de uma pura e fiel contemplação, entendendo que, como V. Ex.ª é todo espírito e todo inteligência, mais se pagaria das respeitosas meditações da minha fé, que das intrometidas assistências da minha dignidade.» .../... Cartas*


(3) Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena (ed. António Oliveira, 2015)

(2) Raul Brandão - Teixeira de pascoais, Correspondência (ed. António Mateus Vilhena e Maria Emília Marques Mano, 1994)

(1) José da Cunha Brochado, Cartas (ed. António Álvaro Dória, 1944)

ucraniana CCLXIX-A - correcção do post anterior

 Afinal Trump manifestou-se, e de forma contundente, Ver aqui, a partir dos 9'15''.

Obrigado ao Albino M. por esta informação.


ucraniana CCLXVIII - a casca de banana posta pelos Estados Unidos à Europa, algumas notas

1. Desde o fim-de-semana que aguardo uma declaração de Trump sobre a decisão (aparentemente pífia, mais uma...) de Biden em permitir o uso dos mísseis em solo russo. Não aconteceu até agora, o que confirma a minha suspeita inicial de a decisão ter sido concertada entre os dois.  A circunstância de o filho de Trump ter vindo criticar asperamente o ainda presidente, não quer dizer nada, ou antes, poderá fazer parte da mesma táctica, que, no raciocínio que lhe estará subjacente, tem algum sentido, ou seja: Trump não quer aparecer como o líder que possa ceder em toda a linha a Putin -- já basta o que basta, da retirada vergonhosa do Afeganistão, às humilhações infligidas pelo aliado israelita, culminando na "estratégia" indigente de enfraquecimento da Rússia com a guerra que provocaram na Ucrânia, um falhanço em toda a linha, pelo menos até agora.

2. Trump, aliás, quer ver-se livre daquilo rapidamente, antes de os Estados Unidos sofrerem ainda outra e não menos grave humilhação que será a capitulação da "Ucrânia", ou seja a derrota em toda a linha dos americanos e dos seus satélites europeus. 

3. A casca de banana: um envolvimento maior da Europa combinada (UE e países Nato), depois de os americanos saltarem da carruagem em andamento. Criaturas desprezíveis como Úrsula e Borrell fazem por isso, acolitadas pelo CEO francês, Macron, e o assistente social Starmer. Scholz resiste, principalmente ao belicismo dos futuros ex- companheiros de coligação "Verdes", que, se deus quiser, serão varridos do parlamento; Meloni é uma incógnita, apesar de querer mostrar-se respeitável diante da UE e da Nato -- não só por causa do putinista Salvini, como pelas relações da Direita radical, em que sobressai Orbán. Mas isto é mercearia. O que conta é a vontade de Trump largar o atoleiro que em Biden e os seus bandidos meteram os Estados Unidos. A bandidagem de Trump orienta-se para outras latitudes.

4. Já aborrece escrever a propósito do esgoto informativo, mas a imprensa popular e popularucha, a começar pela cnn, está sedenta de sensação e de sangue. Na cnn-Portugal, talvez veiculando "notícias" da casa-mãe, anunciava-se no último domingo que França e Inglaterra já haviam dado as autorizações de emprego dos seus mísseis em solo russo, para no dia seguinte afirmarem o contrário, como quem bebe um copo de água. E já não falo em alguns comentadores que parecem bem esportulados. Haverá sempre um saco azul algures para pagar a estes mercenários do teclado.

Conclusão: o que os Estados Unidos querem é pôr-se ao fresco, deixando a Europa com o menino nos braços. Que isso possa dar início a uma guerra em larga escala na Europa, é algo que os neocons "à solta" (Carlos Branco) têm por aceitável -- e, quem sabe, até desejável para aquelas cabeças ("Fuck the EU", não é?). Mas como tenho dito, quem acredita que uma guerra entre a Rússia e as potências europeias deixariam de lado os Estados Unidos? Eu não acredito -- nem seria justo que os EUA escapassem ilesos enquanto o Velho Continente passa por mais uma destruição. Isso não vai acontecer.

2 versos de Luísa Dacosta

 «Íntima como o sangue / seja a minha lembrança em ti!»

«Três desejos breves», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

segunda-feira, novembro 18, 2024

vária

«Nesta navegação de cabotagem nomes de mulheres foram, por um motivo ou outro, substituídos pelo nome único de Maria. Nenhum mais belo: Maria cada uma, todas elas, passageiras embarcadas nas escalas, sombras fugidias no cais do porto, de porto em porto, ciranda do velho marinheiro.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)

«Pelo campo, patinando na terra aboborada de água, sucedem-se os regimentos, fazendo exercício, principalmente exercícios de assaltos às trincheiras. As tropas inglesas não descansam nunca. Nas trincheiras, batem-se sempre que é preciso e com uma coragem a que os alemães não sabem resistir.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert»  (29-III-1927), Repórteres e Reportagens de Primeira Página (s.d.)

«Transplantado, não produz flor. Tem uma folhagem pequena, curta, verde retinto, mui recortada nos bordos, e agora, na Primavera, esbracejando sobre as barreiras, tolda os pegos com caramanchéis duma vaporosidade incomparável. A sua flor é o que há de mais mimoso, mais pequenino, mais aéreo: uma joiazinha coquete, que antes diríeis insecto, pela vivacidade e esbelteza da figura.» Fialho de Almeida, «Pelos campos», O País das Uvas (1893) 

Christian Godard (1932-2024), o autor de Martin Milan

Com a morte do parisiense Godard, um autor tão fino quanto colossal, desaparece um dos nomes históricos da banda-desenhada franco-belga. Se alguns dos seus trabalhos publicados entre nós -- Norbert e Kari, A Selva em Festa, O Vagabundo dos Limbos, aqui apenas como argumentista --, já fariam dele um autor relevante, é com o anti-herói Martin Milan, piloto de táxi-aéreo -- avioneta a que pôs o nome "Velho Pelicano" --, personagem melancólica, dura solitária e solidária, mas com uma ironia subtil, que serve ao autor para dar nota de uma inteligente veia humorística (Franquin, Goscinny, Morris), que Godard entra no panteão dos grandes criadores europeus dos quadradinhos (Hergé, Jacobs, Pratt, os atrás citados e ainda alguns mais). Porque Martin Milan será sempre uma das mais inesquecíveis personagens que a 9.ª arte nos deu.


Os obituários de Didier Pasamonik e F. Cleto e Pina, no JN.


6 versos de Rui Knopfli

«escuta o arranhar da vassoura / no passeio, / ouve a blandícia tónica das vozes / que sobem da rua, / atenta na canção que o negro chora / nas cordas da viola e na lonjura.»

«Espreita o inescrutável», O País dos Outros (1959)

domingo, novembro 17, 2024

onde está Tintin?...

Na década de 1930 Tintin suscitava reservas ao conservadorismo: não tinha família, não estudava, era demasiado livre. A revista Coeurs Vaillants propõe assim a Hergé uma série com crianças normais, inseridas numa família tradicional. Nascem então Jo, Zette et JockoJoana, João e o Macaco Simão, em português –, os gémeos da família Legrand, composta pelo pai engenheiro, a mãe doméstica, e um chimpanzé.

O Vale das Cobras em curso de publicação em 1939, foi interrompido e só retomado na década de 1950, pelos Estúdios Hergé, concluído por Jacques Martin (Alix, Lefranc) e Bob de Moor (Barelli, Cori, o Grumete), saindo o álbum em 1957.

Numa estância de neve na Alta Sabóia, Joana, João e Simão cruzam-se com o Marajá de Gopal, rei dum país imaginário nos Himalaias indianos. O marajá merece, por estupidez própria, figurar na galeria das grandes personagens secundárias de Hergé, que o qualificava como um Abdalá (O País do Ouro Negro) adulto. Entra em conflito com os miúdos porque estes ousam ultrapassá-lo no ski, e como se não bastasse ainda apanha com uma bola de neve em cheio na cara. Qualquer contrariedade tinha como punição mínima o açoitamento do infractor, pelo que as coisas não poderiam correr-lhe de feição, quando intervém o pai Legrand. Sanados os hilariantes incidentes, o engenheiro é convidado pelo soberano a construir uma ponte numa região remota do país. O que ambos não sabem é que o seu vizir pretende dar um golpe e ser marajá no lugar do marajá…

Mesmo a seis mãos, trata-se de puro Hergé, dando ideia, ao virar de cada página, de que Tintin vai aparecer por ali...

Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão – O Vale das Cobras

texto e desenhos: Hergé (com Jacques Martin e Bob de Moor)

edição: Difusão Verbo, Lisboa, 1981

(Novembro, 2019)






o que aconteceu

«Depois da acabrunhadora tristeza daquela infindável viagem, daquela soturna chegada, essa alusão mental à morte recente da mãe chocou-a a pontos de sentir que ia chorar. Se a mãe fora viva, não andara ela por aí sozinha, já de noite, assim carregada, exposta a estas pequenas humilhações que todavia abatem uma rapariga tímida -- e endereçada a parentes pelo visto pouco gentis.» José Régio, Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) 

«André apertou na sua uma mão seca, ossuda e brusca. Agora próximo, de novo se abriu o clarão do cigarro. André mais adivinhou que viu um bigode negro e um rosto anguloso e moreno. / Os três vultos desceram o talude junto à via férrea e seguiram por uma azinhaga sombria, enfeixada entre renques de árvores de forma confusa.» Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975) 

«Ele levantara os olhos devagar, num esforço, e fora então que as ancas da mulher, assim sentada, lhe pareceram mais amplas do que quando ele estava em pé. Os seus olhos fugiram imediatamente do diabo que se escondia ali, sob as saias, redondo que nem uma abóbora; mas logo se enredaram no sorriso que a mulher luzia -- um sorriso brando e húmido.» Ferreira de Castro, A Missão (1954)

ucraniana CCLXVIII - por que cilindra os seus oponentes o major-general Agostinho Costa, aliás um homem cordato?

Tem sido uma debandada, entre o grotesco e o hilariante. Não há uma única razão para que tal esteja a acontecer, mas a principal, para este volumoso número de baixas em combate, será a da exposição pública da ignorância espessa e mediocridade crassa de uns quanto académicos & outros comentadores. Tão insuportável que os leva a fugir. 

Ora, uma das razões, talvez a principal, para estes comentadores terem ficado knock-out, é a falta de noção de que nas relações entre estados a Geografia e a História ultrapassa em muito os protagonistas de turno. Nem a Rússia ficaria quieta se fosse outro a liderá-la que não Putin, nem Trump, mesmo com a atenção virada a Oriente, deixará a Nato. Isto é o bê-a-bá que qualquer historiador percebe, se não estiver condicionado por preconceitos (sucede a todos, e a mim também).

Estes medíocres que alegadamente lêem muito mas não percebem nada -- imagino a quantidade de irrelevâncias e lixo académico que não passará debaixo daqueles olhos --, submetem as suas impressões (partindo do princípio que dali saia qualquer pensamento original e sólido) -- a uma ideia peregrina que dá às lideranças um protagonismo determinante. Acontece que sendo importantes, as lideranças nunca dependem apenas da vontade. Nas suas pobres "análises" (vamos classificá-las assim por caridade cristã) é como se se tratasse de peças num xadrez que se movem sem tabuleiro (a Geografia), e que quem as faz mover não estivesse grandemente condicionado pela História, real ou mítica, para o caso tanto faz. E quem não percebe isto -- mesmo que saiba o nome da sogra do governador da Pensilvânia --, não percebe nada. Como se tem visto, com a retirada desordenada dum batalhão de especialistas que no fundo pouco têm de especial.

o vale do riff: «Beale Street Blues» (Beltway Brass Quintet)

sábado, novembro 16, 2024

diários

«1-Fevereiro (sábado). Fiz cinquenta e três anos há dias. Como é óbvio, não acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz cinquenta e três. É aliás uma idade inverosímil, a minha, desde os cinquenta. A "vergonha" da idade (que não tenho) deve vir daí.» Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980)

.../ ... «A esta sensação de plenitude junta-se também uma ideia de plenitude que nos converte, física e mentalmente, nos seres mais felizes da criação. Entra em nós uma espécie de fenómeno cósmico de dissipação generosa, fraternal, que nos põe de bem até com todos os credos políticos e sistemas sociais; perdoando tudo, não odiando nada, desejando sòmente -- ser, sentir, pensar.» António de Cértima, Doce França (1963)

.../... «Benes era, sem dúvida, um homem de excepcional envergadura intelectual e moral. / Quem teve a ventura de ler o seu livro "Democracia de hoje e de amanhã" verificou, sem esforço, que o antigo Presidente da República checoslovaca não conseguiu, sòmente, de maneira superior, interpretar os grandes problemas do nosso tempo. Não se limitou a isso. Foi mais longe.» .../... Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955)

"Celeste dos Cravos"


Deleste Caeiro, vista por Nuno Saraiva

 

Abbey Lincoln, «How High the Moon»

sexta-feira, novembro 15, 2024

quadrinhos


Ernie Bushmiller

 

o que está a acontecer

«I. Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera, subiam dois viandantes a encosta de um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«IntroduçãoFolheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: / Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante da Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco, estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.»  Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

quinta-feira, novembro 14, 2024

jornalixo

O termo não é meu -- ao contrário do me(r)dia --, mas ainda é melhor. Não tenho nada a favor do Trump, excepto ele preparar-se para retirar os Estados Unidos da Ucrânia, espera-se, e largar à sua sorte as marionetas de Kiev e da União Europeia.*

Mas ainda tenho menos a favor deste jornalixo com acne retardado, que não se contenta em ser analfabeto, mas é também activista de causas e engraçadista, como deduzo pela inclusão de uma foto apalhaçada do presidente eleito dos americanos.

Talvez fosse aceitável se ilustrasse uma das alarvidades do homem; mas não, trata-se de um banalíssimo tema (resultados eleitorais), embora importante.

* Mas tenho imensamente imenso a favor de Tulsi Gabbard, antiga apoiante de Bernie Sanders no Partido Democrata, do qual fugiu após a chapelada interna para beneficiar a Hillary e de o partido democrata -- de resto, apoiado recentemente pelo insigne Dick Cheney --, tomado por  neocons e wokes, passar a constituir-se em perigo sério.

o que está a acontecer - homens atrapalhados

«I.Tinham dado onze horas no "cuco" da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luiz Figuier que estivera folheando devagar, estirado na velha voltaire de marroquim escuro, espreguiçou-se, bocejou e disse: / - Tu não te vais vestir, Luísa? / - Logo.» Eça de QueirósO Primo Basílio (1878)

«Na Primavera de 1859, comprei na estação de Santa Apolónia, um bilhete da via-férrea para a Ponte da Asseca. Saudades do campo, ânsias de sorver do seio da natureza um hausto de ar puro; e, acima disto, o meu dorido amor a quantos sítios guardavam para a minha memória do coração vestígios da infância, que tão depressa passara com as flores outra mais formosa Primavera... A que vem isto?!... É a saudade, leitor! Se a sente, se a já sentiu, recorde-se, e perdoe-me.» Camilo Castelo Branco, O Romance dum Homem Rico (1861)

quadrinhos


Robert Crumb

 

quarta-feira, novembro 13, 2024

Banda do Casaco, «Natação Obrigatória»

o que está a acontecer - escrita armada

«Um dia, numa floresta, ao entardecer, quando por sobre as frondes ressoavam as buzinas dos porqueiros, e lentamente na copa alta dos carvalhos se calavam as gralhas, um lenhador, um servo, de surrão de estamenha, que rijamente trabalhara no souto desde o cantar da calhandra, prendeu a machada ao cinto de couro, e, com a sua égua carregada de lenha, recolheu pelos caminhos da aldeia, ao castelo do seu Senhor.» Eça de Queirós, S. Cristóvão (C. 1891/1912)

em que se parecem o sionismo expansionista e o proselitismo 'woke'?

...Na profunda desonestidade intelectual e no exercício de amalgamar alhos e bugalhos, lançando a confusão nos incautos,

O sionismo expansionista racista no poder em Israel procura confundir com antissemitismo as críticas à brutalidade, selvajaria e prática de crimes contra a Humanidade perpetrados pela tropa israelita contra todos os palestinos da Faixa de Gaza. Estes agentes do massacre, da limpeza étnica -- e porque não dizê-lo, mesmo se juridicamente possa ser controverso? -- do genocídio, são os primeiros a desonrar os seus compatriotas e antepassados exterminados pela perversão nazi, maligna, patológica e cobarde -- basta ver a ignomínia da utilização da estrela de David à lapela pelo embaixador israelita na ONU. Para eles, o sagrado, a honra, a memória não existe, ou é cinicamente instrumental, intimidando os críticos com espúrias conexões entre quem os critica e presumíveis tendências ou cumplicidades neonazis. Um embuste que colhe entre os ingénuos e os burros do costume.

O proselitismo woke sempre que é criticado ou atacado na sua insanidade evangelizadora (v.g. a chamada "linguagem inclusiva"), que além de incrivelmente tonta é formalmente, ou seja, gramaticalmente errada (todes, presidenta, etc), procura proteger as suas orientações de manicómio com manobras de confusão, sempre para os mesmos ingénuos, ou apenas burros, com vénia para o quadrúpede, recorrendo a várias formas de desarmar os opositores, entre a mistificação e a intimidação, a saber:

a) misturar causas nobres, como o antirracismo, com as suas aberrações: ao associar um combate nunca terminado à discriminação racial com a promoção de idiotices como a chamada "identidade de género", procura limitar os críticos, pois ninguém bem formado quer ver-se associado a mínima tolerância para com a desigualdade em função do género, etnia, religião ou orientação sexual -- que é outra coisa, dando desta forma cobertura a obscenidades como a que sucedeu numa prova de boxe nos últimos Jogos Olímpicos , em que um homem apresentado como mulher massacrou a atleta que se lhe opunha, com justificada revolta desta, a contemporização cobarde dos dirigentes olímpicos e federativos, e o furor censório-inquisitorial dos evangelistas do costume;

b) diminuir os opositores com a classificação dos críticos como pertencentes à extrema-direita -- como há dias fez uma das irmãs Mortágua, já não me lembro qual. Truque velho que funciona com os medrosos e os videirinhos do costume, que nunca se comprometem.

c) a defesa do relativismo cultural, até onde eles próprios tiverem coragem de o fazer. Não conheço wokes que defendam a burka (talvez exceptuando uma espécie de fato de banho que deu que falar há uns anos) ou a excisão genital feminina. A tal eles não se atrevem, mas pouco escapa, em nome de um falso respeito pela identidade cultural desta ou daquela etnia, marimbando-se para o facto de em várias circunstâncias essa pseudo-assunção identitária ser uma imposição brutal, machista e aqui sim, patriarcal. Por exemplo, a obrigatoriedade do uso do véu islâmico, que todas as verdadeiras feministas contestam (aí está a corajosa e brava Narges Mohamadi), para vergonha destes activistas de pacotilha. E nunca me esquecerei, a propósito, de, num momento de grande infelicidade, numa entrevista ou programa da Antena 1, Miguel Portas referir-se a como o chador realçava a sensualidade da mulher muçulmana... deve ser por essa razão que as mulheres iranianas -- das mais belas que a Humanidade criou --, quando se apanham fora do jugo dos aiatolas mandam às malvas essa pretensa sensualidade...  

Como dizia o velho Jorge Amado, a ideologia falsifica (posso dar a referência bibliográfica, com indicação do número de página, onde este romancista e verdeiro activista anti-racista sustentou o que acaba de ser referido).

4 versos de Camões

«Por estes vos darei um Nuno fero, / Que fez ao rei e ao Reino tal serviço; / Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero / A cítara para eles cobiço;» 

Os Lusíadas I-12 (1572)

ucraniana CCLXVII - com a Ucrânia à beira da capitulação, os amigos do Zelensky já têm chiliques em directo

Parei excepcionalmente na sic-notícias, falava o general Pinto Ramalho, a quem já ouvira abordagens sérias a respeito desta guerra. Era raro vê-lo, especialmente porque tinha em frente ou ao lado uma diversificada cópia de comentadores, entre o oportunista, o ignorante e o asno. Hoje, diante de um alucinado que já só faltava ele próprio envergar o uniforme e ir de armas na mão combater os russos na Ucrânia -- está-se mesmo a ver --, o pobre do general, certamente confuso pela insânia ao vivo -- diz que é para a defesa do mundo livre, claro que foi isso mesmo que os americanos andaram a fazer o belo trabalho dos últimos anos, a trabalhar pelo mundo livre, como é seu timbre... --, diante de tanto espasmo bélico, apoiado em camadas grossas de mistificação ou ignorância de académico marrão -- resolveu pôr fim à função, recusando-se continuar a debater.

E a débâcle ucraniana só agora se começa a ver, pese a desinformação continuar abundante. Grotesco de se assistir, mas vamos ter espectáculos destes nos próximos tempos.

terça-feira, novembro 12, 2024

o que está a acontecer - os campos das sombras

«Sobre a montada, subindo devagar a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)

2 versos de José Pascoal

«Os dias andam devagar, / Ao ritmo da minha pressa.» 

«Não há-de ser nada», Sob Este Título (2017)

os 8 bateristas de Phil Collins

Todos quantos já não o podíamos ouvir  com tanta música para hit, os que sabíamos do magnífico baterista, nunca deixámos que o grande músico se esvaísse das nossas cabeças. Afinal, não devíamos tanto aos Genesis, entre 1970 e, vamos lá, 1978?...

Os oito colegas favoritos: Ringo Starr (The Beatles), Keith Moon (The Who), John Bonham (Led Zeppelin), o bopper Buddy Rich, Charlie Watts (The Rolling Stones), Nick Collins (o filho), Chester Thompson (músico de Zappa, o homem que pegou nas baquetas para Collins ir para a frente do placo, em concerto) e Steve Gadd, músico de estúdio com um leque vasto de colaborações. Um vídeo com muito bom e bem informado texto, aqui.

segunda-feira, novembro 11, 2024

o que está a acontecer - ciclos do Inferno

«13 de Novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... / Uma vila encardida -- ruas desertas -- pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva -- o castelo -- restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures.» Raul Brandão, Húmus (1917).

Crosby, Stills, Nash & Young, «Carry On»

4 versos de José Régio

«Como olhar-me, se eu grito que não creio / Nos próprios gritos com que chamo Deus? / Todavia, Deus sabe que em meu seio / Uma flecha de fogo aponta os céus...» 

«Poema de amor sem fé nem esperança», 

As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, novembro 10, 2024

o que está a acontecer - os que partem

 1.ª parte «Sarita» I. «Novembro, 3 / Trago ainda na memória a lembrança daqueles choros, ontem, no cais, na hora da partida. Aquela mulher que gritava: ai o meu Manel, que não o torno a ver! -- E os soluços dos filhos e o desespero da velha, que só dizia: coragem, rapariga! -- e chorava cada vez mais. / E o meu Manel, com um ar idiota, a olhar para o rancho da mulher, da mãe e dos filhos e sem saber o que lhes dizer.»» Joaquim Paço d'Arcos, Diário dum Emigrante (1936)

«Automaticamente os seus dedos nodosos iam enrolando novo cigarro, enquanto o ombro esquerdo procurava suporte no tronco rugoso dum sobreiro. / A casa tinha, agora, um penacho de fumo, fumo da tarde, do jantar -- algodão-em-rama que se desfazia, flutuante, translúcido, quase azul.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

serviço público, em que, sem querer, vou parar com o Eça ao Panteão Nacional, uma acaciísse que ele não merecia que lhe fizessem

«A lição de Eça sobre a América», em sintonia com Viriato Soromenho Marques: o Eça crítico do deus-dólar (ver o texto na barra lateral), um texto publicado aos 21 anos na Gazeta de Portugal

Genial Eça de Queirós, que não merecia uma descendência acácica, que após quase deixar os restos mortais do antepassado irem parar à vala comum (ver a imprensa de 1989, principalmente o extinto diário O Europeu), vem agora, parte dela, engalanar-se de Panteão, que será para muita gente, mas não para ele.

Dar Panteão a Eça de Queirós é não ter a mínima noção do seu pensamento, é cair no ridículo, sem, naturalmente, perceber o quão ridículo se está a ser. Além disso, Eça não precisa do Panteão para nada, o país é que precisa dele, e nenhum outro sítio mais apropriado do que a mítica Tormes, longe dos gouvarinhos aparvoiçados de São Bento, criaturas pelas quais ele tinha enooorme consideração e estima.

não melhor, mas outra coisa


Já não me lembro se Todd Phillips esteve contratualmente obrigado a fazer a sequela do «Joker», ou se a fez para que outrem não fizesse um possível pastelão. A verdade é que melhor seria impossível, e por isso ele fez outra coisa -- como já vi escrito, e com o qual concordo em absoluto. É de ver e calar -- e mais não escrevo a não ser para realçar o poderoso tratamento que Hildur Guðnadóttir deu aos standards que vão entrando pelo filme.

sábado, novembro 09, 2024

o que vai acontecer

«Aquelas outras meias de seda, cinzentas, fascinavam-na. Levantou as saias e calçou-as. Olhou-se na água do riacho. Tirou-as com um suspiro. Se tivesse, como aquela porca, um idiota que lhe desse meias destas? / Procurou relembrar a sua vida. As memórias metiam sempre água e sabão.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Nesse ano, o Inverno chegou cedo. Duas semanas de nevão cobriram a serra de branco e queimaram o pastio. E foi então que começou a tragédia dos pastor velho e cansado, pai de um filho doido e dono de sete ovelhas famintas. / Dias e noites a fio baliram os animais com fome. Dias e noites, sem dormir, escutou Melo Bichão o triste balir das ovelhas.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)

«Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia Mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; este, por exemplo, que ele rege agora no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais» Histórias sem Data (1884)

Frank Sinatra, «Mam'selle»

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sexta-feira, novembro 08, 2024

o que está a acontecer - romances sortidos

«-- [...] As pedras são todas da prumitiba, mesmo perto da torreta que leva à casa de defesa ainda se lêem uma ascrições latinas que rezam a sepultura de Dom Martim, morto de adigestão quando duma lampreiada para festejar as vitórias dos primos Barbelas. Tem a Torre trinta e dois metros de altura, é a maór da região e os degraus contam-se em oitenta e nove, com patamares de descanso. A vista lá do alto é grandiosa.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964) 

«Aqui se conta da chegada de Jerónimo Caninguili, moço benguelense, à velha cidade de São Paulo da Assunção de Luanda. E de como, enquanto Caninguili dava os últimos retoques à sua Loja de Barbeiro e Pomadas, dita ainda Fraternidade, a menina Alice soltava os pássaros do falecido pai.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989) 

«Mas o marido gritara qualquer coisa: interrogativa, ela deu meia volta e viu John, que agitava um braço e abria e fechava a boca. Dizendo o quê? E Mary aproximou-se novamente do David, regressando o marido à posição anterior, a máquina preparada. "Talvez o primeiro retrato fique melhor do que o segundo", murmura Giovanni, como se fosse ele o interessado.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

Charlotte mensuel #2


 

quinta-feira, novembro 07, 2024

4 versos de Fernando Jorge Fabião

«Vives prisioneiro / de uma videira, da empa, / dos ofícios em que as mãos / prolongam a terra.» 

Nascente da Sede (2000)

quarta-feira, novembro 06, 2024

Thelonious Monk Trio, «Reflections»

ucraniana CCLXVI - e agora?

A retumbante vitória de Trump não vai deixar apenas Zelensky certamente de malas aviadas e em maus lençóis; deixa-nos também, UE, com uma relação com a Rússia em cacos. Não vale a pena repisar a subserviência e a estupidez das lideranças europeias, que, com honrosas excepções, se esqueceram de que tinham não apenas um vizinho poderoso a Ocidente, mas também a Leste -- que, seguindo a "estratégia" burra dos neocons que mandam em Washington, menorizaram o colosso russo, pobres coitados. Menorizaram a Rússia, hostilizaram-na e lançaram-na nos braços da China. Mais uma vez na história da política externa norte-americana, conseguiram o oposto do que pretendiam.

E agora as von der Leyen, a fulana da Estónia que ficou com a alegada política externa europeia, a chanfrada do Parlamento Europeu e o Costa e as suas pontes vazias e para lado nenhum?... Vamos ter cinco anos com estes tipos ou tratarão rapidamente de virar o bico ao prego, ou, melhor, serão esvaziados do excesso de protagonismo que, principalmente a Ursula se autoatribuiu, no meio dos scholz e outros macrons?

Sim, Trump é imprevisível, mas não é estúpido, e tem instinto, como se vê. E J. D. Vance, que provavelmente lhe sucederá na presidência dos Estados Unidos, tem um pensamento bastante estruturado. É isolacionista e não vai em wokismos anti-Putin. Há uns meses, ainda antes de Kamala, picava: "Queres que o teu filho morra no estrangeiro numa guerra estúpida? Vota em Biden." Eloquente, ainda mais se nos lembrarmos que Vance é um antigo combatente, no Afeganistão. 

Mais ou menos à margem: quem ainda vai atrás de televisões, centrais de propaganda como a cnn central, reproduzindo-a bovinamente? "Empate técnico", não era? Eu sempre tive um feeling de que Trump ganharia, mas nunca desta maneira. Aliás, creio que nem o próprio.

2 versos de José Agostinho Baptista

«OH crepúsculos lentos onde me suicidei no verão enquanto / no mundo aldeias e aldeias eram devoradas pelo fogo yankee...» 

Deste Lado Onde (1976)

(sempre a tempo) Camilo Mortágua (1934-2024)