«O chantre estimava-o. Chamava-lhe "Frei Hércules". / -- "Hércules" pela força -- explicava sorrindo -- "Frei" pela gula. / No seu enterro ele mesmo lhe foi aspergir a cova; e, como costumava oferecer-lhe todos os dias rapé da sua caixa de ouro, disse aos outros cónegos, baixinho, ao deixar-lhe cair sobre o caixão, segundo o ritual, o primeiro torrão de terra: / -- É a última pitada que lhe dou.» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875/80)
«Acresce que a gente grave achará no livro umas aparências de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará nele o seu romance usual; ei-lo aí fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas colunas máximas de opinião. / Mas eu ainda espero angariar as simpatias da opinião, e o primeiro remédio é fugir a um prólogo explícito e longo.» Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881)
«Arrastava-me até casa, subia às apalpadelas, despia-me rezando fragmentos de velhas orações; e adormecia dum sono que parecia não dever ter fim. Mas outras noites, cansava-me: Depois de ter começado as minhas deambulações onanísticas -- sentia que me seria impossível prosseguir. Resolvia, então, renunciar, e acabar a noite como qualquer outro.» José Régio, Jogo da Cabra Cega (1934)
«Foram pouco a pouco erguendo-se para o céu, avolumando-se, os vultos das duas serras. Eram agora duas ilhas extensas, negras de cor, encosta a pique sobre o mar, o que aparentavam ser. / Mas no mar não há visões definitivas. Atrás de uma logo outra se forma, todas diferentes, variadas. Ilhas de ainda há pouco não sois mais agora do que os baluartes soberbos, altaneiros, da terra que vos destacou para indicar caminho ao mareante.» Joaquim Paço d'Arcos, Herói Derradeiro (1933)
«De quando em quando, o desânimo vencia-o -- o desânimo e as sezões. / Se a terra fosse sua, quantas vezes se deixaria ficar na poisada a refazer o corpo. Mas se não andasse, quem havia de cuidar daquilo?... / Nunca patrão algum lhe atirara remoque por desmazelo no trabalho. Ele pertencia à família dos Milhanos de Marinhais, sempre famosos no Ribatejo como arrozeiros sabidos e safos de mândria.» Alves Redol, Gaibéus (1939)
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«Descendo para o corgo, o Brás chegou à borda dos amieiros e dos salgueiros, que em procissão rompiam dentre charcos espelhentos de água, a enastrar nos quais pedaços de regato traziam à lembrança peças de linho no coradoiro. Marcada por um carvalho revelho, lá estava a regada que comprara por boas trinta moedas ao Pata-Larga, que Deus haja. Mas olha, não apresentava aquela cara estanhada das mais, antes o tom verdete da erva quando a água lima pelas geadas. Se aquela assim andava de molho, mesmo à beirinha do Javardo, não havia que arrecear pela outra. Aquilo o ladrão ficara entre as mantas, com medo de arreganhar. Nem valia a pena ir atolar os sapatos... e, arrepiando caminho, a imagem da Zefa volveu outra vez a tentá-lo.»
Aquilino Ribeiro, "Terras do Demo". Romance. (1919)
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