sexta-feira, maio 10, 2024

Tango: entre Bernard Prince e XIII

A aventura, o mistério, o exótico, o erótico, a violência – tudo isto faz parte da BD, tal como da vida, por certo em doses desproporcionais, Está muito bem a autoficção, o didáctico, o social e politicamente empenhado, nada se exclui – até porque o primeiro grande autoficcionista dos quadradinhos, Will Einer, foi também ele autor de criaturas sensacionais, como The Spirit; mas a vida confortável e modestamente burguesa que até agora temos tido nas sociedades ocidentais não é compatível com altas cavalarias. Ser voluntário em teatro de guerra ou missionário numa favela de Manaus não é para todos; e a não ser que a guerra nos bata à porta, como parece ser do interesse de alguns, todos precisamos de escapismo, de viagens interiores, para fugir ao tantas vezes estúpido quotidiano.

Tango foi publicado pela primeira vez em 2017 pelas Éditions du Lombard, de Bruxelas, com argumento de Matz (Rouen, 1967) – de quem já falámos a propósito de LeTueur / O Assassino – e Philippe Xavier (Bordéus, 1969), que assina também os desenhos, autor com uma paleta diversificada na BD de género, da Idade Média e do Fantástico à contemporaneidade, incluindo o magnífico XIII, criação de Van Hamme e William Vance. Há em Tango muito deste lastro franco-belga, entre Bernard Prince (de Hermann e Greg) e aquela magnífica personagem em busca de si própria.

Nova série e novo herói em edição portuguesa, a capa de um primeiro álbum é um cartão de visita importante, tanto mais que já não estamos no tempo em que as histórias se estreavam primeiro nas revistas, só depois, saíam em livro, já com nome feito. E o que vê é promissor: um solo desértico gretado, dum branco sujo ou anilado que reflecte a chapada de azul do omnipresente e opressivo céu do deserto. Em primeiro plano, o herói, Tango, de pistola na mão esquerda, encostado a um velho chaço que parece ter claudicado; e no tejadilho, um pré-adolescente pensativo.

Perto de um lugarejo perdido da cordilheira dos Andes, um gringo ainda relativamente jovem vive há uns anos sozinho, socializando, no entanto, com os autóctones, ajudando, pagando rodadas, contando anedotas. Por actividade conhecida, a recolecção de vestígios arqueológicos ameríndios, nada de particularmente estranho para os indígenas. O convívio estende-se também a Agustina, dona do bar local e gostosíssima viúva que torna menos melancólicos os dias de Tango. Este, por vezes, tem nas prospecções a companhia de um rapaz, filho de um vizinho, também ele vivendo isolado nas imediações da vilória.

Nada é o que parece, todos têm algo a esconder: o protagonista, o vizinho, e mesmo Agustina. Tudo se complica quando Tango vê carros desconhecidos parados junto da casa do jovem companheiro de pesquisas; e ainda se emaranha mais quando uma mulher, acompanhada de sicários, começa a fazer perguntas sobre o gringo no estabelecimento de Agustina. Uma série a acompanhar. (Maio de 2022)


Tango – 1. Um Oceano de Pedra

Texto: Matz e Philippe Xavier.

Desenhos: Philippe Xavier.

Edição: Gradiva, Lisboa, 2021.







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