Sou leitor assíduo de Paula Cardoso, apesar de muitas vezes, ou quase sempre, discordar dela. Com isto, já estou a fazer um elogio à sua escrita e à sua profundidade, uma vez que me prezo de ser leitor exigente, sendo poucos os cronistas que não dispenso, concorde ou não com eles, como, para me ater ao DN, Viriato Soromenho Marques e Luís Filipe Castro Mendes, ou, no resto, a brilhantíssima Carmen Garcia, ou Henrique Raposo, José António Saraiva, Miguel Sousa Tavares, pelas mesmas ou outras razões. Como se vê, sou ecléctico. Cresci, como leitor, a ler os melhores: Augusto Abelaira, Eugénio Lisboa, Henrique Barrilaro Ruas, Vasco Pulido Valente ou Vítor Cunha Rego -- nunca perdendo de vista que a crónica é um nobre género jornalístico mas também literário, e que o seu inultrapassado cultor foi (e é) Eça de Queirós.
Leio-a sempre que me aparece, e raramemte concordo, pois parte do pressuposto, para mim errado, de que em Portugal os negros são objecto de racismo por serem negros -- provavelmente sistémico, importação de uma americanice que não se aplica a Portugal, mas aos estados americanos, como Brasil e Estados Unidos, cuja economia se alicerçou em mão-de-obra escrava. Em Portugal há racismo, sim, mas os seu alvo é a comunidade cigana; há xenofobia (aversão, geralmente causada por medo do desconhecido), que talvez possamos considerar uma espécie de racismo, mas as suas vítimas tanto são brasileiros e cabo-verdianos como moldavos ou ucranianos, não tem que ver com a cor da pele. E há, de facto, um racismo classista, que atinge os pobres, que são de todas as cores, mas com especial incidência nos imigrantes, obviamente os mais pobres e desprotegidos. Vivo num bairro de classe média, entre a média-baixa e a média-alta. A realidade que observo desmente-o quotidianamente; mas não quero desvalorizar episódios pontuais de racismo, nem o sofrimento que eles causaram a quantos o sofreram. O meu ponto, empírico, é a de que o racismo em Portugal tem aqueles contornos, e não os que nos vêm sendo impingidos por via anglo-saxónica.
Mas não é essa a questão que motiva este post, antes o característico argumentário woke, ou seja, de distorção da realidade e ocultação de aspectos menos palatáveis do pobre wokismo. A dada passo, a cronista escreve que este passou
Vejamos. Só o tema do alegado progressismo das ideias -- frequentemente associadas a uma prática pública de censura e cancelamento -- daria um ensaio substancial.
Vamos antes aos sofismas e até às mentirolas.
Com que então, defender os direitos humanos tornou-se woke? -- resta saber se todos temos o mesmo entendimento do que sejam direitos humanos, ou melhor, de que forma eles se salvaguardam e aplicam -- e não temos. Há tempos, uma antiga deputada do BE dizia que a questão ponderosa das casas de banho para transnão-sei-o-quê era uma questão de direitos humanos, um problema que afecta 0,000001 dos jovens e que qualquer escola digna desse nome resolve com a maior das facilidades, como a resolveu a escola que os meus filhos frequentaram -- com bom senso, algo que a senhora BEwoke não tinha, até porque o que ela no fundo queria era criar um caso, fazer activismo.
Defender que as vidas negras importam, também se tornou woke? Extraordinário...
Recordar que todas as estatísticas desligam o fenómeno da criminalidade da imigração também? ? Eu devo viver noutro planeta.
Combater ataques contra imigrantes tornou-se “woke” ainda -- delirío, ou intenção de associar o pensamento crítico à extrema-direita? este tipo de associações espúrias parecem ter sempre bom acolhimento. Por exemplo, o governo do Netaniahu fá-lo, e até com sucesso junto dos mais sensíveis e medrosos, quando sustenta que criticar o governo de israelita é uma manifestação de antissemitismo.
Finalmente, de acordo com Paula Cardoso, "denunciar o racismo tornou-se woke". O despropósito (ou vitimização?) anula-se a si próprio.
Os wokes são useiros e vezeiros no distorcer da realidade, de modo a servir o seu "activismo". São inclusivamente manipuladores e censores. O que é woke, é, por exemplo, retirar das bibliotecas as bandas-desenhadas do Astérix e do Lucky Luke, já nem me lembro porquê; censurar os livros da Enid Blyton; querer reescrever os textos de Mark Twain ou Monteiro Lobato, retirar obras de arte de museus e galerias -- isto não é progressismo, é censura e reaccionarismo à solta. O que é woke é ser-se anacrónico em História, com opiniões semianalfabetas sobre os Descobrimentos (historiador-woke é um oxímoro). O que é woke é a criação de palavras e expressões estúpidas como presidenta ou dizer portuguesas e portugueses. -- e um longo etecetera.
Tudo pode e deve ser debatido, mas de boa-fé.
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