terça-feira, dezembro 31, 2019
segunda-feira, dezembro 30, 2019
domingo, dezembro 29, 2019
vozes da biblioteca
«Foi capado que ele morreu, dizia o João Panamana, , e ninguém viu nada, embora estivesse todo o povo naquela zaragata aonde ele pateou.» Ascêncio de Freitas, A Noite dos Caranguejos (2003)
«Ir dias e dias sacudido pelo chouto de um cavalo de aluguel, por esses descampados do Alentejo que não acabam nunca, coberto de um restolho escuro, abafados num sol baço, onde os moscardos zumbem!» Eça de Queirós, O Primo Basílio (1878)
«Reunido o Conselho de Família, verificou-se ( e registou-se em acta) a ausência do meu tio Augusto, que não pôde comparecer, ocupado como estava, a violentar a filha menos vesga do jardineiro.» Nuno Bragança, A Noite e o Riso (1969)
Etiquetas:
Ascêncio de Freitas,
Eça de Queirós,
morceaux choisis,
Nuno Bragança
sábado, dezembro 28, 2019
sexta-feira, dezembro 27, 2019
quinta-feira, dezembro 26, 2019
vozes da biblioteca
«Afrânio era bastante orgulhoso para respeitar a convenção social das apresentações, afirmando que tinha prazer em relacionar-se com um indivíduo que via pela primeira vez, cujo passado ignorava e cujo convívio futuro constituía para ele ainda um enigma.» Ferreira de Castro, A Morte Redimida (1925)
«Digam o que disserem, encontrar consolo na arte é um razoável substituto da religião.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)
«Valia a pena determo-nos para olhar a vida, tingida de névoa azul como certas paisagens sós são belas de longe -- a vida como nunca mais nos será dado vê-la -- mas quem é que nessa idade se detém?» Raul Brandão, A Morte do Palhaço e o Mistério da Árvore (1926)
Etiquetas:
Bruno Vieira Amaral,
Ferreira de Castro,
morceaux choisis,
Raul Brandão
quarta-feira, dezembro 25, 2019
um parágrafo de Raul Brandão
«As palavras saem duma casa incrustada na Sé. Dentro, numa sala, expõem num caixão o cadáver duma mulher magra, de cera, com flores baratas de papel na cabeça e no seio ressequido.? A Farsa (1903)
terça-feira, dezembro 24, 2019
segunda-feira, dezembro 23, 2019
domingo, dezembro 22, 2019
sábado, dezembro 21, 2019
um parágrafo de Jorge Amado
«Quanto a dizer, como alguns diziam, despeitados, ser ele ferrenho adversário do trabalho, ter-lhe santo horror, o que sucede com frequência aos letrados, trata-se de injustiça e má-vontade evidentes. Se de facto durante a primeira juventude o Professor -- assim muitos o tratavam com deferência -- recusara-se com obstinação a misteres pouco condizentes com sua capacidade intelectual, não havia trabalhador mais assíduo e pontual em mesa de póquer ou de qualquer outro jogo de azar. De azar? Para Raduan Murad jogo de azar não existia. Em roda de conversê descontraído era imbatível, e, de quando em quando, por desfastio, redigia em português fluente com sedutor acento oriental artigos de jornal sobre problemas da zona cacaueira. Só não os escrevia com maior frequência por falta de gazetas onde publicá-los e no receio de que o quisessem nomear para o grupo escolar ou para a Intendência. Disposto a conservar a liberdade, amava acima de tudo o direito a dispor de seu tempo, não queria regê-lo pelos ponteiros do relógio.» A Descoberta da América pelos Turcos (1994)
um parágrafo de Ferreira de Castro
«Lá de cima, das grades, alguns presos, lavrados de curiosidade e de comentários sarcásticos, viram-nos principiar a andar -- um atrás do outro. Marchavam com naturalidade, nem depressa, nem devagar, no ritmo dos funcionários que chegam a horas ao seu emprego. Subitamente, porém, Januário deteve-se e ergueu a vista para o edifício que se levantava na sua frente. Os presos estavam lá, as mãos fechadas sobre as barras de ferro, mas ele mal os fixou. Os seus olhos percorreram a fachada clara de janelas e portas emolduradas em cantaria branca, fresca, tudo lembrando construção recente, como se procurassem alguma coisa que se não via com facilidade, alguma coisa que não se encontrava na frontaria do edifício, iluminada pelo sol, mas nas negras profundezas da memória. Ele olhava e cada vez parecia mais perplexo. Por fim, voltou-se para se convencer de que não havia errado no caminho. Lá estava a velha igreja que apadroava o vale de sobre o planalto -- lá estava.» A Experiência (1954)
Etiquetas:
Ferreira de Castro,
morceaux choisis
sexta-feira, dezembro 20, 2019
quinta-feira, dezembro 19, 2019
um parágrafo de Alves Redol
«A terra daquele cemitério era sua, como a aldeia e tudo o que lhe ficava à volta. E ali era ele quem mandava. Já marcara o lugar para o genro -- seria metido num dos jazigos da família, no dos aparentados, ao pé das mulheres, das crianças e dos homens; de certos homens que disso pouco mais tinham do que o corpo. De cova aberta no chão, bem funda, só os que davam à terra o que ela merecia.Tradição herdada do avô, não seria ele quem iria traí-la, porque ali estava, sozinho, podia dizê-lo, desde os quinze anos, de dentes cerrados e corpo jogado para diante na mesma luta sem quartel.» Barranco de Cegos (1961)
quarta-feira, dezembro 18, 2019
terça-feira, dezembro 17, 2019
segunda-feira, dezembro 16, 2019
RTP. conversa fiada e 135 assinaturas
Não antipatizo com Maria Flor Pedroso nem tenho simpatia extrema por Sandra Felgueiras, e também não tenho acompanhado ao pormenor a questão que levou à demissão da primeira do lugar de directora de informação da RTP.
O tipo de jornalismo que faz Pedroso não me interessa nada, é um jornalismo de salão pelos meandros dos estado-maiores partidários, da intriga política. É esse o jornalismo que a caracteriza, fazendo-o porém tanto quanto me é dado perceber com isenção. Já o jornalismo de Felgueiras é muito mais importante, correndo, porém, o risco de cair no sensacionalismo, o que normalmente creio não acontecer.
O jornalismo é afectado por duas pragas que o destroem: dorme demasiadas vezes na cama do poder e prostitui-se ao sensacionalismo, sendo os lenocidas os donos dos órgãos que recorrem a semelhantes práticas. Ora creio que nem uma nem outra podem ser acusadas desses defeitos.
Se a questão do programa sobre o lítio na Serra do Barroso, cuja emissão foi adiada para depois das eleições me causa algumas dúvidas -- se eu fosse director de informação talvez não permitisse que um programa com óbvias interferências na campanha eleitoral fosse para o ar, nas condições miseráveis em que se faz política agora -- até porque o assunto não perderia actualidade por uma semana ou duas, como se vê.
Já o caso relatado que a leva à demissão parece-me ser insustentável e tal decisão só perca por tardia. Pelos vistos a ex-directora de informação disse uma coisa na reunião do conselho de redacção e escreve outra hoje. Se é a versão de hoje que está correcta, a demissão e respectiva justificação não fazem qualquer sentido, o que me leva a concluir que de facto a senhora interveio no decurso de uma reportagem de uma colega (e subordinada) sua. A circunstância de não ter ido à reunião do conselho de redacção marcada para esta tarde, como estava previsto, só vem confirmar essa ideia.
Mas o que mais me chateia nisto, porém, é a conversa da treta dos comunicados que pretendem lançar areia para os olhos do público: se a senhora não fez nada do que foi acusada pela colega, não tem nada de demitir-se nem o conselho de administração da RTP aceitar a sua demissão. Portanto, balelas.
Faz-me também impressão o movimento de 135 jornalistas, entre grandes profissionais e irrelevâncias, a defesa acérrima de uma (estando embora no seu direito de exercer o direito à amizade); no entanto, e isso é que me faz confusão, a defesa de uma é -- ou parece ser -- a implícita condenação de outra, por parte desses mesmos 135 colegas. Ora se a primeira admitiu ter interferido no trabalho da segunda, duma forma assaz contestável, boicotando objectivamente o trabalho da sua equipa, admissão essa confirmada pela sua assinatura em acta -- o que levaria qualquer pessoa com dois dedos de testa a perceber que deixara de ter condições para continuar directora de informação -- parece-me que os 135 amigos, colegas e jornalistas fizeram o papel de 135 idiotas inúteis.
Etiquetas:
do jornalismo,
Maria Flor Pedroso,
Sandra Felgueiras
sábado, dezembro 14, 2019
JornaL
André Vergonha. Ao contrário do que diz Pacheco Pereira, não é policiamento de linguagem, é puxar as orelhas a um senhorito mal-criado, para cuja espertalhice pessoas duma certa idade não têm cu. Na vox pop é conhecido pelo tipo que "diz as verdades", ah ah ah.
Brexit. Que vergonha aquele Corbyn, que nulidade, que idiota! Nem com eleições decorridas há meses percebeu o quer teria de fazer para alcançar o poder. Tem razão ao queixar-se da imprensa negativa, manejada pelas putéfias de turno. Mas não chega para explicar aquela miséria.
Caretos de Podence. Acho maravilhoso, espero que não seja tomado pela indústria do Turismo. Pedro Caldeira Cabral diz que o pior que poderia ter acontecido ao fado foi a sua classificação pela Unesco. É possível, a reflectir. Ah, na notícia ouvida numa tv qualquer nada sobre a mesma classificação da Morna e das festividades do Bumba Meu Boi, do nordeste brasileiro, expressões culturais também com raízes portuguesas. mas nem seria preciso. Então não há a CPLP, os Palops, a Lusofonia e outras semitangas?
Brexit. Que vergonha aquele Corbyn, que nulidade, que idiota! Nem com eleições decorridas há meses percebeu o quer teria de fazer para alcançar o poder. Tem razão ao queixar-se da imprensa negativa, manejada pelas putéfias de turno. Mas não chega para explicar aquela miséria.
Caretos de Podence. Acho maravilhoso, espero que não seja tomado pela indústria do Turismo. Pedro Caldeira Cabral diz que o pior que poderia ter acontecido ao fado foi a sua classificação pela Unesco. É possível, a reflectir. Ah, na notícia ouvida numa tv qualquer nada sobre a mesma classificação da Morna e das festividades do Bumba Meu Boi, do nordeste brasileiro, expressões culturais também com raízes portuguesas. mas nem seria preciso. Então não há a CPLP, os Palops, a Lusofonia e outras semitangas?
Etiquetas:
Jeremy Corbyn,
José Pacheco Pereira,
Pedro Caldeira Cabral,
Reino Unido,
UE
JornaL - novidades: a bandeira portuguesa foi mesmo colonialista, portanto,ó Telmo, não digas asneiras
Já tem dias, mas não quero deixar passar. Sou um fã de Telmo Correia, acho que é um estrénuo comentador do SLB e oiço sempre com prazer, no carro, no programa «Grandes Adeptos», da Antena 1, muito melhor e mais divertido que os estendais televisivos da grunhice. E até costuma fazer-me sorrir, pela forma como pica os tipos do FCP e do Sportém. Não é pois o Telmo Correia adepto do Glorioso, mas o político (está a ficar-lhe tão bem, o Chega, é ver o sorrisinho alvar do quarentenado das traseiras).
A Joacine Katar Moreira chega para três telmos, não precisa de defesa. Mas o incidente que o nosso adepto quis levantar com velhacaria foi a tal história de a bandeira portuguesa ter sido colonialista. Pois o Telmo deveria saber que até ao 25 de Abril não foi ela outra coisa. Colonialista, representando tudo o que de asqueroso o colonialismo encerra. -- desde que podemos começar a falar de colonialismo, sem anacronismos analfabetos ou ideologicamente contaminados, claro. A História não é para amadores.
Por outro lado, há aqui uns herdeiros do Estado Novo que me fatigam. Então Portugal não era do Minho a Timor? Não eram os fulas os os macondes tão portugueses quanto os transmontanos e os algarvios? Decidam-se, pá; façam movimentos para salvar os nossos compatriotas à beira-Limpopo da opressão de serem governados por si próprios, caramba!
Por outro lado, há aqui uns herdeiros do Estado Novo que me fatigam. Então Portugal não era do Minho a Timor? Não eram os fulas os os macondes tão portugueses quanto os transmontanos e os algarvios? Decidam-se, pá; façam movimentos para salvar os nossos compatriotas à beira-Limpopo da opressão de serem governados por si próprios, caramba!
Etiquetas:
da impaciência,
da pólis,
Joacine Katar Moreira,
Telmo Correia
sexta-feira, dezembro 13, 2019
quinta-feira, dezembro 12, 2019
quem mais poderia ser?
miúda admirável, na inversa medida da ralé ignara e (in)útil que se permite avaliá-la com sobranceria
quarta-feira, dezembro 11, 2019
um parágrafo de Ferreira de Castro
«Uma voz, longínqua, débil, como se saísse do centro de uma montanha e chegasse até Soriano filtrada pela terra, discordava, vagamente, do que a irmã e o filho lhe diziam. Mas ele transigia, em obediência a uma preguiça espiritual que, outrora, não tinha. E a sua discordância parecia vir mais de um "eu" antigo, que jazia dentro dele, apagado como um resíduo de carvão, do que do seu "eu" presente, daquele que nesse momento vivia.» A Curva da Estrada (1950)
Etiquetas:
Ferreira de Castro,
morceaux choisis
terça-feira, dezembro 10, 2019
um parágrafo de José Eduardo Agualusa
«Fisicamente, Caninguili devia poucas graças ao Criador. Ezequiel gostava de se referir a ele chamando-o de "o nosso sapinho capenga"; e assim resumia a feiura do designado, o seu escasso metro e sessenta e o facto de mancar da perna esquerda. Quando falava, porém, com aquele seu jeito manso de acariciar as palavras, operava-se em Caninguili uma transformação sensível e tudo seria nessa altura menos certamente um sapo. Capenga! Razão por que, gatigado já da velha pilhéria, Alfredo Trony repreendera certa vez Ezequiel observando-lhe que sempre houvera no mundo príncipes disfraçados de sapos e sapos disfarçados de príncipes:» A Conjura (1998)
Etiquetas:
José Eduardo Agualusa,
morceaux choisis
segunda-feira, dezembro 09, 2019
um parágrafo de Abel Botelho
«Dali o barão, um pouco à vontade, mais fora do alcance de encontros inoportunos, continuava a perscrutar com exclusivismo ardente as imediações do Circo fronteiro. Ao descortinar na sombra dos extremos da rua qualquer escorço vago de adolescente que viesse a crescer, aproximando-se, o seu olhar piscante de míope contraía-se numa crispação de expectativa angustiada, e seguia-lhe vorazmente os movimentos, até poder analisá-lo, adivinhá-lo bem na conformação, no tipo, na plástica, no modo de vida provável, nas predilecções sensuais do temperamento, quando o rapaz entrava na zona duramente iluminada pelo renque de bicos de gás tremebrilhando sobre o portal do Circo.» O Barão de Lavos (1891)
domingo, dezembro 08, 2019
um parágrafo de António Lobo Antunes
«Usava um treçolho perpétuo e cheirava não a noite como toda a casa mas já a hora do jantar e a cansaço sob a bata de sarja. Cheirava a depois da sobremesa, quando levantava os pratos, ligava a máquina e desaparecia no seu cubículo, sem se lavar, a espalhar em redor um odor melancólico de cabra. Cheirava ao que cheira hoje em dia, quase dez anos depois, em que me trata por tu, se afoga em colares de pechisbeque, e se instala ao meu lado nos assentos forrados de pele de vitela do carro, segurando a mãos ambas o guiador de verniz da carteira. Mas no tempo de que falo, no tempo deste livro, afastei a compota, recusei a torrada, provei o café a que faltava açúcar. O relógio da cozinha marcava vinte e cinco para as nove. A criada ergueu o braço, para puxar a lata de bolachas de baunilha de uma prateleira alta, e os seus aromas aumentaram: Um biscoito para o caminho, senhor doutor. As árvores da embaixada da Bolívia despiam-se de sombras. Obrigado, disse eu enquanto os cotovelos se retraíam como os leques se fecham, ofendidos: se tiver fome há uma pastelaria mesmo em frente ao consultório, não vale a pena maçar-se.» Auto dos Danados (1985)
Etiquetas:
António Lobo Antunes,
morceaux choisis
sábado, dezembro 07, 2019
sexta-feira, dezembro 06, 2019
um parágrafo de Eça de Queirós
«Cintinho, porém, no seu aferro de sombra, não se quis arredar da Teresinha Velho, de quem se tornara, através de Paris, a muda, tardonha sombra. Como uma sombra, casou; deu mais algumas voltas ao torno; cuspiu um resto de sangue; e passou, como uma sombra.» A Cidade e as Serras (póstumo, 1901)
quinta-feira, dezembro 05, 2019
Greta Thunberg em automotora diesel
Se tivessem feito a merda do tgv, em vez de o usarem em chicana política (a propósito: e o debate ontem do PSD? O deserto e a miséria intelectual do costume*); se já o tivessem construído, escusava a Greta Thunberg de ir de automotora diesel até Madrid, num tempo recorde de 13 horas para lá chegar. Digam lá se este país não dá vontade de rir?... (*Rir, ri-me a valer ontem com a coça que o Rio deu aos dois incríveis).
Etiquetas:
da impaciência,
Greta Thunberg,
Rui Rio
quarta-feira, dezembro 04, 2019
um parágrafo de Mário de Sá-Carneiro
«Ah! foi bem curta -- sobretudo para mim... Esses dez anos esvoaram-se-me como dez meses. É que, em realidade, as horas não podem mais ter acção sobre aqueles que viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as sensações máximas, nada já nos fará oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que os vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou, apenas, os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio.» A Confissão de Lúcio (1916)
Etiquetas:
Mário de Sá-Carneiro,
morceaux choisis
um parágrafo de Joaquim Paço d'Arcos
«Na noite que caía, envolvendo em sombras a figura de mulher que tanta dor exprimira, já mal se distinguiam as feições magoadas por um rictus de sarcasmo e de revolta. A voz embargara-se-lhe, porém, num soluço que não pudera abafar ao proferir as últimas palavras e ao evocar o filho. Interrompeu-a ele nessa altura para tentar acalmá-la:» Ana Paula (1938)
Etiquetas:
Joaquim Paço d'Arcos,
morceaux choisis
terça-feira, dezembro 03, 2019
segunda-feira, dezembro 02, 2019
um parágrafo de Camilo Castelo Branco
«Fernão Botelho, pai do juiz de fora, saiu à frente do préstito para dar a mão à nora, que apeava da liteira, e conduzi-la à de casa. D. Rita, antes de ver a cara de seu sogro, contemplou-lhe a olho armado as fivelas de aço, e a bolsa do rabicho. Dizia ela depois, que os fidalgos de Vila Real eram muito menos limpos que os carvoeiros de Lisboa. Antes de entrar na avoenga liteira de seu marido, perguntou, com a mais refalsada seriedade, se não haveria risco de ir dentro daquela antiguidade. Fernão Botelho asseverou a sua nora que a sua liteira não tinha ainda cem anos, e que os machos não excediam a trinta.» Amor de Perdição (1862)
Etiquetas:
Camilo Castelo Branco,
morceaux choisis
um parágrafo de Augusto Abelaira
«Fazio desviou os olhos do casaco azul, já coçado, do amigo, folheou sem grande atenção um jornal. As notícias do estrangeiro: Chamberlain dirigindo-se a Mussolini no banquete do Palácio de Veneza: "É um prazer observar esta Itália poderosa e progressiva que surgiu sob a direcção e inspiração de Vossa Excelência", as tropas nacionalistas a setenta quilómetros de Barcelona. As notícias do país: Alguns guerrilheiros mortos na Abissínia, a inauguração dum quartel, uma frase: "A igualdade perante a lei é concedida a todos aqueles que ajudem a causa nacional e não recusem a sua colaboração ao Estado". Não estivesse a frase sublinhada por Domenico, e Giovanni não teria dado por ela.» A Cidade das Flores (1959)
Etiquetas:
Augusto Abelaira,
Benito Mussolini,
morceaux choisis,
Neville Chamberlain
domingo, dezembro 01, 2019
um parágrafo de Coelho Neto
«E, aqui na intimidade inviolável deste canhenho, confesso que admirei o homem vigilante que saíra ao meu encontro com tanta afabilidade, oferecendo-se para conduzir-me à casa. Calculei que toda a gente devia estar enfronhada no morno leito, gozando a delícia incomparável do sono, nessa noite fresca e de chuva. Além, nesse eremitério onde repousa o meu umbigo, às dez horas, a não ser em casa de Mariano Gomes, onde se carteia impudentemente o lansquenet, com pequenos intervalos de maledicência e gole, toda a povoação, beatamente ceada e rezada, dorme. De longe em longe, uma luzinha treme, traçando no pó soalheiro dos caminhos uma risca luminosa -- é algum jogador, que se recolhe despojado e trôpego, ou o santíssimo padre Coriolano, que anda a correr o aprisco, a ver se alguma ovelha bale, roída pelo arrependimento do pecado, que é uma chaga terrível que a gente cura com as drogas da filosofia ou com a boa e sadia campónia, que, mais do que os santos, sabe levar os seus eleitos ao Paraíso, por um caminho bem diferente desse que a igreja conspícua e autera manda que se trilhe -- ninguém mais.» A Capital Federal (1893)
sábado, novembro 30, 2019
um parágrafo de Aquilino Ribeiro
«Do pinhão, que um pé-de-vento arrancou ao dormitório da pinha-mãe, e da bolota, que a ave deixou cair no solo, repetido o acto mil vezes, gerou-se a floresta. Acudiram os pássaros, os insectos, os roedores de toda a ordem a povoá-la. No seu solo abrigado e gordo, nasceram as ervas, cuja semente bóia nos céus ou espera à tez dos pousios a vez de germinar. De permeio desabrocharam cardos, que são a flor da amargura, a abrótea, a diabelha, o esfondílio, flores humildes, por isso mesmo troféus de vitória. Vieram os lobos, os javalis, os zagais com os gados, a infinita criação rusticana. Faltava o senhor, meio fidalgo meio patriarca, à moda do tempo.» A Casa Grande de Romarigães (1957)
sexta-feira, novembro 29, 2019
quinta-feira, novembro 28, 2019
acordo de 'cavalheiros' ou as notícias que ficam esquecidas, por estragarem narrativas
Afinal, não houve atraso nenhum de Joacine Katar Moreira e da sua equipa na apresentação da iniciativa sobre a Lei da nacionalidade; simplesmente, havia um acordo de cavalheiros não escrito e que, portanto, não faz parte do 'regimento' da Assembleia da República, quanto a prazos -- acordo que vem da legislatura anterior, e que não havia sido comunicado à deputada do Livre.
Claro que esta notícia só escavando é que se encontra, o que é preciso é continuar a ladrar e alimentar telenovelas. Ainda esta manhã, na TSF, a intriga se renovava, com a notícia da demissão de um fundador do partido, e requentava. Mas quanto àquela notícia -- relevante, para o esclarecimento da informação bombástica de ontem, que era a do Livre ter falhado os prazos numa iniciativa legislativa que era uma sua bandeira --, nem uma palavra. Curiosamente, ainda ontem a criatura que dirige a informação lá do posto, do alto da nulidade analítica que lhe desassiste, concluía, um mês depois da tomada de posse, que a deputada não tinha condições para continuar a exercer o mandato. E é isto um director de informação.
Perante este esta matilha, faço votos nitzscheanos para a fortaleza de Joacine, dentro do Livre e nos carris, sempre em bitola variável, claro está...
Etiquetas:
da impaciência,
do jornalismo,
Joacine Katar Moreira
quarta-feira, novembro 27, 2019
um pouco menos de ruído, se faz favor
Como não há para aí cão, gato ou bicho careta que não fale do Livre, eu que tenho sempre falado, e assinei para a sua formação, direi o seguinte:
1. Votei primeiro no Livre, e depois em Joacine; e assim continuarei, enquanto achar o Livre interessante -- aliás a única coisa que suscita interesse naquele hemiciclo, para além do PCP, por razões meramente históricas (sem menosprezo).
2. Joacine foi para mim uma magnífica surpresa, mesmo com uma visão da História discordante da minha.
3. Joacine enriquece o Livre, portanto faz-lhe falta.
4. Joacine 'precisa' do Livre, pois por muito inteligente, por muito gaga, por muito negra e por muito gira (que o é -- ah, o meu sexismo, impenitente e militante) que seja, é o Livre -- enquanto for o Livre -- que lhe dá brilho. Joacine sem Livre é de menos; Joacine no Berloque, no PC, no PS, seria de menos, e sozinha ainda mais de menos.
5. Ao contrário do que tenho ouvido dizer, o que me interessa no Livre é a forma quase libertária como o partido se estrutura. Apresenta dificuldades? Claro que sim -- é muito mais fácil todos responderem às ordens do dono ou do chefe. O sucesso do Livre prende-se mesmo com esta visão que os comentadores à esquerda criticam; para ser uma réplica dos outros, não me apetece.
6. A piada fácil adeja; deve dar um gozo do caraças gozar com o Rui Tavares e aproveitar para fazer amochar a Joacine, tão saliente, não é verdade? Até o rebotalho dos fedorentos andam a ganhar a vida à conta.
Como votante, e entusiasta do projecto, sugiro mais afinação e menos ruído, senão, não.
Etiquetas:
da pólis,
Joacine Katar Moreira,
Rui Tavares
terça-feira, novembro 26, 2019
«Leitor de BD»
sobre Selva!!!, de Filipe Abranches e
Aventuras de Joana, João e o Macaco Simão -- O Vale das Cobras, de Hergé
segunda-feira, novembro 25, 2019
domingo, novembro 24, 2019
no LEFFest #2
Wes Anderson, The Life Aquatic with Steve Zissou / Um Peixe Fora de Água (EUA, 2004)
Homenagem Willem Dafoe
Etiquetas:
do cinema,
Wes Anderson,
Willem Dafoe
sábado, novembro 23, 2019
polícias: degradações, um gesto e uma pergunta
Degradação 1: o entrincheiramento dos deputados em face de uma manifestação de agentes de segurança e representantes da autoridade do estado democrático, demonstra a má consciência dos partidos do poder: PS, PSD e CDS -- este a mostrar querer competir com o Chega, o que lhe proporcionará um triste fim, e será bem feito, o outro faz muito melhor esse papel. O Telmo Correia que vá comentar o Benfica, que é o que ele faz bem (SLB, SLB, etc...)
Degradação 2: as condições de trabalho e os vencimentos de PSP e GNR mostram bem que se estão a marimbar para eles. É natural que eles se sintam desrespeitados. Curiosamente, o mesmo não se passou com os magistrados do Ministério Público… Ah, esta politicalha.
Degradação 3: a PSP e a GNR cantando o hino de costas para a Assembleia da República, mesmo que esta se tenha posto a jeito (ver 1)
Degradação 4: a infiltração nas polícias dos movimentos populistas e de extrema-direita. Os inocentes deixam-se manipular.
Gesto: vi um sindicalista da polícia puxar as orelhas ao espertalhão do Chega, e a declarar perante as câmara o repúdio por este aproveitamento.
Sabe-se, por acaso, quanto gasta o estado, em todos os níveis da administração, com sinecuras e inutilidades (autopromoções e propaganda em proveito próprio, viagens, motoristas, assessores, cartões de crédito)? Aposto que não…
Degradação 2: as condições de trabalho e os vencimentos de PSP e GNR mostram bem que se estão a marimbar para eles. É natural que eles se sintam desrespeitados. Curiosamente, o mesmo não se passou com os magistrados do Ministério Público… Ah, esta politicalha.
Degradação 3: a PSP e a GNR cantando o hino de costas para a Assembleia da República, mesmo que esta se tenha posto a jeito (ver 1)
Degradação 4: a infiltração nas polícias dos movimentos populistas e de extrema-direita. Os inocentes deixam-se manipular.
Gesto: vi um sindicalista da polícia puxar as orelhas ao espertalhão do Chega, e a declarar perante as câmara o repúdio por este aproveitamento.
Sabe-se, por acaso, quanto gasta o estado, em todos os níveis da administração, com sinecuras e inutilidades (autopromoções e propaganda em proveito próprio, viagens, motoristas, assessores, cartões de crédito)? Aposto que não…
sexta-feira, novembro 22, 2019
quinta-feira, novembro 21, 2019
quarta-feira, novembro 20, 2019
o génio de José Mário Branco: a transgressão na tradição, ou vice-versa
transformar a banalidade em brilho. Sempre foi assim (embora por vezes também fosse um chato, um chato genial, vamos lá). Detestara o fado por más razões. (Então o fado não é o nosso blues?...) Até que se encontrou com ele: 2 fados 2 no Ser Solidário, grandes fados. E depois de o encontrar, faz o Camané, faz isto, com a maravilhosa Katia Guerreiro. E isto é revelador de uma segurança, de um conhecimento profundo, de um amor à música, e neste caso ao fado, que é o que lhe permite a transgressão, ou seja, o avanço, ou seja, o progresso, ou seja, a revolução. Sempre coerente.
Etiquetas:
Camané,
da música,
José Mário Branco,
Katia Guerreiro,
obituário
"hoje já poderiam estar os 'caterpillares' a funcionar no Montijo"
Raras vezes ouvi em público tal brutal desfaçatez da ganância, como na entrevista deste senhor à Antena 1 e ao JE. A dos caterpílares é uma; outra é a lógica de merceeiro, expendida sem pudor: se os turistas não vierem para aqui irão para outro lado. Rebentar com o país por causa do turismo... Tudo isto é nauseante. Continuo a dizer que uma boa maneira de todos os portugueses de bem se manifestarem contra este processo lesivo e muito duvidoso será o da resistência contra este processo feito despudoradamente nas nossas barbas. E nós, mansíssimos, fracos, alienados, deixamos.
No caso de a construção ser aprovada, com a desculpa dos cinquenta anos que levamos para decidir, sem que tenham sido ponderadas e explicadas todas as hipóteses, como é obrigação do governo, tenho esperança de que a malta na casa dos vinte e trinta, que ainda não está conspurcada pelo cacau -- no fundo, é só disto que se trata -- esteja na linha da frente dessa resistência activamente pacífica, cercando, ocupando, inviabilizando qualquer trabalho.
(E ainda não foi hoje que falei das aldeias do lítio).
No caso de a construção ser aprovada, com a desculpa dos cinquenta anos que levamos para decidir, sem que tenham sido ponderadas e explicadas todas as hipóteses, como é obrigação do governo, tenho esperança de que a malta na casa dos vinte e trinta, que ainda não está conspurcada pelo cacau -- no fundo, é só disto que se trata -- esteja na linha da frente dessa resistência activamente pacífica, cercando, ocupando, inviabilizando qualquer trabalho.
(E ainda não foi hoje que falei das aldeias do lítio).
terça-feira, novembro 19, 2019
José Mário Branco, a revolução melodiosa
foto de Rita Carmo |
José Mário Branco era a revolução e o músico excepcional; alguém que começando por não gostar do fado se tornou um nome importantíssimo, nomeadamente no seu trabalho com Camané, e não só. Desde o início, ele andou por aqui, e também
aqui,aqui
e
aqui
Etiquetas:
Camané,
José Mário Branco,
obituário,
Rita Carmo
segunda-feira, novembro 18, 2019
«Leitor de BD»
sobre Conversas com os Putos e com os Professores Deles (Álvaro)
e O José Foi à Escola (Matos Barbosa)
domingo, novembro 17, 2019
sábado, novembro 16, 2019
quinta-feira, novembro 14, 2019
do Amor como categoria política
Ele existe, e a Joacine sabe do que fala; parece que tem costela anarca, tal como o Livre dela se apregoa. Quem não sabe ou não quer saber é Costa, bastante quadrado: «Discordo. A actualização do salário mínimo nada tem a ver com o amor.» Ah ah ah...
Etiquetas:
António Costa,
da pólis,
Joacine Katar Moreira
terça-feira, novembro 12, 2019
«Leitor de BD»
sobre Undertaker - 1. O Devorador de Ouro, de Xavier Dorison e Ralph Meyer,
e O Amor Infinito que Te Tenho, de Paulo Monteiro
Etiquetas:
da bd,
Paulo Monteiro,
Ralph Meyer,
Xavier Dorison
segunda-feira, novembro 11, 2019
do que eu gostei mesmo nas eleições espanholas
foi a ERC-Esquerda Republicana da Catalunha, cujo líder, Oriol Junqueras, está preso com uma condenação a treze anos de cadeia, ter obtido mais três deputados que o partido do patife do Rivera.
Etiquetas:
Alberto Rivera,
Catalunha,
Espanha,
Oriol Junqueras
domingo, novembro 10, 2019
comunismo e nazismo, uma equiparação idiota, ou o Gulag não é Auschwitz
O tema já tem semanas, mas este post de Jorge Carreira Maia, em que faz muito bem o distinguo entre nazismo e comunismo, levou-me a alinhavar o que segue, na esteira do que ali ficou escrito.
Uma cabazada de eurodeputados maioritariamente de países do antigo Pacto de Varsóvia, e que hoje tão válidas lições de democracia e direitos humanos nos dão, esmagadoramente pertencentes aos grupos conservadores, com meia dúzia de liberais e quatro socialistas, entre os quais uma luminária do PS, subscreveram uma moção, aprovada por esmagadora maioria, que o nazismo / fascismo e o comunismo eram equiparáveis. (Está aqui o pastelão, para quem tiver pachorra; eu não tive, fio-me na imprensa.)
Uma cabazada de eurodeputados maioritariamente de países do antigo Pacto de Varsóvia, e que hoje tão válidas lições de democracia e direitos humanos nos dão, esmagadoramente pertencentes aos grupos conservadores, com meia dúzia de liberais e quatro socialistas, entre os quais uma luminária do PS, subscreveram uma moção, aprovada por esmagadora maioria, que o nazismo / fascismo e o comunismo eram equiparáveis. (Está aqui o pastelão, para quem tiver pachorra; eu não tive, fio-me na imprensa.)
Há ali uma compreensível motivação de ajuste de contas com o passado recente e ressentimento por parte dos países que foram ocupados pelos soviéticos, boa parte deles, de resto, aliados da Alemanha nazi, o que não justifica essa ocupação disfarçada, é claro, e muito menos o esmagamento da insurreição húngara de 1956 ou da Primavera de Praga, liderada pelo eslovaco Alexander Dubceck, um dos meus heróis, secretário-geral do PC checoslovaco, e que bem caro pagou a coragem e audácia à mão dos apparatchiks do Partido.
Então, por que razão comparar nazismo e comunismo é duma estupidez crassa? Não matou o comunismo ainda mais gente que o nazismo? Sim, tal não me oferece dúvidas, atendendo ao tempo que se mantiveram no poder, do sátrapa Stálin (nem falo do megalómano Mao, no psicopata do Pol Pot ou na monarquia comunista norte-coreana, pois são realidades um bocado chinesas para nós -- não os percebemos...). Não foram (e são) o comunismo soviético um monstruoso embuste, que caiu de podre como a URSS e satélites? Sim, o comunismo soviético foi uma vergonha e um embaraço para qualquer pessoa intelectualmente honesta.
No entanto, ah, no entanto, aqui vai o diabo do pormenor: as palavras têm peso e correspondem a ideias. Na esteira do que bem escreveu Jorge Carreira Maia, em especial no segundo parágrafo, o factor da irracionalidade do nazismo, faz com que o mal seja assumido sem ambiguidade, na desumanização dos não-(ditos)arianos; enquanto que, o lastro racionalista do marxismo-leninismo, filho do iluminismo, nunca poderá acomodar qualquer espécie de opressão étnica, nem tal pode ser admitido, sob pena de autodesclassificação, mesmo quando episodicamente o tenham feito, no tempo de Stálin, sob pretextos fantasiosos (a chamada "conspiração judaica" e outras paranóias do Zé dos Bigodes).
Que são ambos regimes totalitários, é indesmentível; que um aponta para o Céu e outro para o Inferno (para os sub-homens, não "arianos"), é-o também. Não há que admirar: o marxismo-leninismo, ao tornar os cidadãos funcionários e dependentes do Estado, criou de imediato as condições para que o sistema criasse entropias que estão na base da sua futura desagregação, que só não se deu mais cedo graças à criação dum estado policial e perversamente repressivo -- a negação e repressão da liberdade como instrumento de manutenção do poder. Dessa funcionalização surgiu o que é previsível e surge sempre nestas circunstâncias: os carreiristas, os oportunistas, os desavergonhados e os alienados inofensivos completamente inseridos no sistema, que viviam a sua vida e achavam que era assim e teria de ser assim para todo o sempre. A RDA, no seu desmoronamento de há trinta anos aí está para comprovar isso e o seu contrário: andava o Muro a cair e ainda havia polícias e burocratas a tentar parar o vento com as mãos. No entanto, prometendo sempre o Sol e as bem-aventuranças neste mundo.
(Claro que no comunismo houve e há muita gente de bem; mas a sua adesão a esse ideário é do domínio da fé, não do racional; mas, que diabo!, não há gente a acreditar na existência de "Deus", na imortalidade da alma e coisas assim?...)
Uma subtileza, pois, que não interessa nada, aqui no rectângulo, à direita democrática com reserva mental, saudosa do salazarismo e que à boca pequena execra a abrilada, como carinhosamente chama ao 25 de Abril, nem perdoa a descolonização, além de tudo o que cheira a esquerda (ainda ontem vi um pacóvio a torcer-se todo por causa da libertação do Lula e com vergonha de defender o Bolsonaro, que só sabe contar até 9).
Subtileza que de facto o não é; que entra pelos olhos dentro de qualquer pessoa com informação suficiente e tenha por hábito pensar, a diferença abissal entre comunismo (mesmo que soviético, pois há outros) e nazismo; e que chateia ver o PS embarcar em tão más companhias, por desleixo ou estupidez, não interessa.
Por muito que lhes custe, e, principalmente, por muito que tenha custado ás vítimas, o Gulag não é Auschwitz; há toda uma diferença de escala na maldade e na perversidade, cuja avaliação nunca poderá ser quantitativa. Qualquer pessoa de boa-fé e com dois dedos de testa percebe isso. Quem não percebeu foram as criaturas que votaram a equiparação da pêra rocha com a pirite alentejana. Um mistela intelectual que me lembra uns turistas chineses no restaurante em que costumo almoçar, que misturam azeitonas na mousse de chocolate.
Etiquetas:
Alexander Dubcek,
blogosfera,
da história,
Jair Bolsonaro,
Jorge Carreira Maia,
Lula da Silva,
Mao Tsé Tung,
Pol Pot,
Stálin,
UE
sábado, novembro 09, 2019
a grilheta da escrita
«Vim : -- e a pena, asa sublime do Sonho, transformou-se em instrumento de suplício : e a mesa de trabalho em cadafalso inexorável.» Ferreira de Castro, A Boca da Esfinge (em colaboração com Eduardo Frias), «A Legenda do Pórtico» (1924)
Etiquetas:
Ferreira de Castro,
morceaux choisis
sexta-feira, novembro 08, 2019
lixo
Foi presa a mulher que deitou o filho que acabara de parir, sozinha numa tenda, para dentro de um contentor de lixo. Deve haver por aí muitos alvitres, eu não tenho nenhum. Só me parece que quem se sente e toma por lixo aí deposita o sangue do seu sangue.
Etiquetas:
da humanidade,
da miséria,
do indizível
"a possibilidade vocálica de Deus"
«Talvez a realidade possa ser apreendida na forma estranha da arte, mas eu, fincando em espaços divinos, lembro-me destas palavras: Floresta -- Dália -- Medusa -- Silvalde -- Maresia -- Saudade -- Sonho e cheiro do mar na onda da praia na concha da espuma quando também me lembro do cheiro misterioso em castanhos efeitos a sair da terra molhada. E... vejo o céu na nuvem passeante adormecida na cor sem forma de adeus. O ritmo de palavra é como se pode ver uma expressão musical -- quanto mais afinado está o ritmo harmónico mais sensível aparece o estado de alma dado em pormenor pelo som silábico. Os meus estudos imaginativos têm-me levado a estas novas possibilidades onde a alma consegue definir-se estaticamente, o verbo é a criação e o ritmo é a necessidade de agitação de sonho para o homem -- As palavras são essência da vibração como folhas de árvore são necessidade de vento. Toda a religiosidade da natureza é dada pela interpretação ritmada do verbo -- o verbo divino nada mais é do que a possibilidade vocálica de Deus!» Ruben A., Páginas I (1949)
quinta-feira, novembro 07, 2019
"hoje, o artigo do dia é poesia"
«Curiosamente, hoje, o artigo do dia é poesia. Nos bares da moda, nas portas de teatro, nos lançamentos, livrinhos circulam e se esgotam com rapidez. Alguns são mimeografados, outros, em offset, mostram um trabalho gráfico sabido e diferenciado do que se vê no design industrializado das editoras comerciais. Mesas-redondas e artigos discutem o acontecimento. O assunto começa -- ainda que com alguma resistência -- a ser ventilado nas universidades. Trata-se de um movimento literário ou de mais uma moda? E se for moda, foi a poesia que entrou na moda ou foram os poetas? O fato é que a poesia circula, o número de poetas aumenta dia-a-dia e as segundas edições já não são raras.» Heloisa Buarque de Hollanda, 26 Poetas Hoje (1975)
Etiquetas:
Heloisa Buarque de Hollanda,
morceaux choisis
quarta-feira, novembro 06, 2019
tomem um chá de camomila...
A parvoíce da semana é a conversa fiada da gaguez da deputada Joacine Katar Moreira, enquanto parlamentar.
Sobre o assunto, tenho a dizer: a gaguez é uma deficiência como outra qualquer; e assim como na anterior legislatura o Parlamento teve de adaptar-se à cadeira de rodas do deputado Jorge Falcato, do BE, nomeadamente no que respeita às acessibilidades, aqui vai ter de adaptar-se à gaguez de Joacine. E o melhor, quanto a mim, é estabelecer já um critério, e não deixar ao bom senso ou à boa vontade de quem estiver a presidir à sessão. Os deputados têm um minuto para intervir?; ela terá dois, e certamente saberá acondicionar o discurso ao tempo que lhe está reservado. Aliás, estou convencido que à medida que a actividade parlamentar for deixando de ser uma novidade, a própria deputada ganhará maior à-vontade e maior fluência no discurso.
Quanto ao resto, é conversa comunicacional sem substância, vale zero.
Enquanto não se habituarem, levem um termo com cidreira.
Já agora, a primeira proposta do Livre, apresentada por Joacine, será o da trasladação dos restos mortais de Aristides de Sousa Mendes para o Panteão Nacional. Se há alguém que merece inequivocamente lá estar é ele (eu aristidiano ou aristidiófilo me confesso).
Com uma ressalva: não sei se ele está enterrado com a sua mulher, Angelina, por quem a provação também passou. Se assim for, como provavelmente será, não me parece justo separá-los -- diz-mo o meu incorrigível romantismo; e se fosse descendente, embora satisfeito com a reparação do país, não autorizaria essa separação.
terça-feira, novembro 05, 2019
«Entardecer»
Um poemeto acolhido aqui, com a benevolência de José Pascoal, a quem agradeço.
Etiquetas:
blogosfera,
José Pascoal,
Ricardo António Alves
segunda-feira, novembro 04, 2019
as guerras da água
foto |
Quando, ainda no século passado, se dizia que as guerras deste seriam determinadas pela água, eu imaginava refregas no Médio Oriente e em África e estava longe, na minha ignorância, de suspeitar que o problema se poria com grande acuidade aqui. Claro que não é previsível nenhum conflito grave com Espanha no momento presente, mas esta é uma típica situação de potencial casus belli…
Além da seca, assistimos à predação do património que é de todos, com a óbvia cumplicidade dos sucessivos governos, uma vez que estas barragens são exploradas pelas companhias eléctricas, cuja gestão dos caudais é feita com contabilidade merceeira a benefício dos accionistas (shareholders, em estrangeiro).
Ora aqui está mais uma inadmissibilidade a que urge pôr cobro, independentemente das ameaças e das pressões comunicacionais dos mercenários e putéfias da caneta agenciados, que visam intimidar todos quantos defendem os bens públicos, e de caminho desvirtuar as suas ideias. (E isto também serve para os aeroportos, e para o lítio, de que ainda falarei).
Subscrever:
Mensagens (Atom)