«Poisou em cima duma fraga, ligeiro como um tira-olhos. Mas novo pé-de-vento atirou com ele para a banda, quase de escantilhão, e a aleta, tomando-se de imprevisto fôlego, arrebatou-o para mais longe. Foi cair numa mancheia de terra, removida de fresco pelos roçadores do mato, e ali permaneceu à espera que pancada de água ou calcanhar de homem o mergulhasse no solo, dado que um pombo bravo não o avistasse e engolisse.» Aquilino Ribeiro, A Casa Grande de Romarigães (1957)
segunda-feira, janeiro 06, 2025
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2 comentários:
«Se a noção que temos das figuras, havidas como altos expoentes da ética, estiver eivada de equívocos, contradições, falsidades, tal viciacão não pode deixar de reflectir-se no nosso carácter, na regra dos costumes e, vou mesmo mais longe, na nossa mentalidade. É axiomático. Daí o ser não apenas útil, mas meritório, proceder à rectificação dos valores que informam o índice por que cotamos as nossas virtudes cívicas e graduamos a nossa actividade individual.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões-Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
Prefácio à obra "A Casa Grande de Romarigães" (Crónica romanceada):
«...Todavia quero confessar os meus pecados. Um confrade, académico de Argamasilha ou lente de Coimbra, já não sei bem, a quem li alguns capítulos deste livro, exclamou, mais que judicioso, salomónico de todo:
--Mas afinal o que V. fez foi um romance...
--Um romance...? Deus me livre! A minha ambição foi bem outra. Isto é monografia, história local, história romanceada, se quiser, agora novela, abrenúncio! Mal de mim se escorreguei para tais enredos e labirintos. No romance, o escritor escolhe os episódios; na história, são os episódios que se lhe vêm oferecer. Estão tabelados, não há que lhes fugir. Ora o que eu tentei foi desempoeirar velhos e particularíssimos sucessos que, de resto, pouco pesaram na marcha do mundo. Romance...!? Se me saiu romance, aconteceu-me a mesma coisa que a um triste e tosco carpinteiro dos meus sítios, de quem toda a gente zombava, decerto por milagre desenfadado do Espírito Santo: estava a fazer um gamelo para o cão e saiu-lhe uma viola.»
Lisboa, Primavera de 1957
Aquilino Ribeiro
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