«Os outros já desesperavam inquietos. Queriam partir quanto antes, não fossem presos ali mesmo. Já o Tarolho lhe pedira que se fizessem à vela. Logo dois partidos: um que se esperasse mais um pouco, outro, insofrido, que se largasse imediatamente. E tanto praguejaram e berraram, que temeu pela empresa.» Joaquim Lagoeiro, Viúvas de Vivos (1947)
«Entretidos na conversa, não se lhes dava da paisagem nem da vista ampla que dalguns pontos da estrada se enxergava, afeitos já àquele caminho que ela diàriamente trilhava e que ele, se não diàriamente, pelo menos frequentes vezes percorria. Alheios ao mundo em redor, não se transmitiam confidências mas partilhavam da mesma apreensão.» Joaquim Paço d'Arcos, Ana Paula (1938)
«Mas não tardou que argoladas fortes soassem à porta e Jesuíno, em tamancos, as calças presas no abdómen por um negalho, camisa de estopa deixando espreitar pelos bofes a pelúcia de cerdo à mistura com o alcobaça vermelho, cigarro nos beiços, toda a sua pachorra eclesiástica mais rabugenta que cão dormido, foi ver. / Era a Feliciana, e enfadado rosnou: / -- Diabos te carreguem... esqueces sempre a chave!» Aquilino Ribeiro, Andam Faunos pelos Bosques (1926)
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«A meu ver, Luís de Camões foi vítima de todas as convenções organizadas em régie, vítima do arcebispo e do inquisidor, do lente e do teólogo, do fidalgo e do vizo-rei, do monarca e dos seus ministros. Fica-lhes mal que assim seja, e eu compreendo que se esquentem a defender a sua criação, este Camões muito unha com carne dos frades de S. Domingos, secretário dos amantes de D. António de Noronha, glosador de motes de Francisca de Aragão, privado de Constantino de Bragança, sabatineiro de Frey Bertholameu, enlevo das meninas Pires e símbolo de patriotas, santo do altar, em suma, de todos os que nas classes actuais representam os seus algozes ou os espectadores fleumáticos das suas desgraças. A estes, bem entendido, convém que perdure a obra de mistificação.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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