continuar: «Naquela manhã Luciano fizera subir a condessinha e os sesu amigos à galeria do trifório, onde demolições recentes tinham posto, a descoberto, sobre a capela Joanes, a galeria românica primitiva.» Manuel Ribeiro, A Catedral, início do cap. X, p. 181 da minha edição.
Um problema recorrente de Manuel Ribeiro neste seu primeiro romance, que é um romance de tese, é o desequilíbrio funcional entre o que tem para dizer, o que deve dizer e a forma como o diz. A exposição das teses, de enfiada, prejudica o equilíbrio do todo, não obstante o brilho e a riqueza estilística com que é exposto. Desse ponto de vista, é um regalo, não para aquele leitor, digamos ingénuo, que anda à cata de história ou historietas, mas antes do que se diz através da escrita; pelo menos o quê ao como. Considerado o capítulo linha à linha, é sempre um prazer ler o Manuel Ribeiro; no entanto, considerando que mais de metade das quinze páginas do capítulo se expende uma prelecção de enfiada sobre o românico, feita por Luciano, suscitada pelo bom do padre Anselmo, que. menosprezando o gótico, contrapondo aos ornamentos "artificiosos" deste, «a beleza natural a transpirar das formas sãs e vigorosas» do românico, acaba por ser excessivo.
Cabe, aliás, ao ascetismo de Anselmo um dos momentos divertidos desta parte, em especial quando compara a Sé e os Jerónimos:
«-- Uma miséria de igrejas esta Lisboa! -- dizia padre Anselmo com ar de lástima. Não temos na capital um lugar onde a gente se refugie, onde se possa orar com recolhimento. Os templos não têm beleza nem tradições e, exceptuando a catedral, são todos modernos e ateatrados. Há os Jerónimos, é verdade. Mas, Deus me perdoe, tresanda a paganismo. Não é igreja, é um galhardo marinheiro das naus da Índia com um barrete de clérigo na cabeça.»
O enleio entre Luciano e Maria Helena, a condessinha, prossegue, sincera mas superficialmente casto, com a sublimação das formas dela nas da catedral.
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