terça-feira, janeiro 19, 2021

um cidadão exemplar: Ricardo Baptista Leite

 Eu fui sempre contra a profissionalização na política. Com as excepções do costume, a funcionalização dos indivíduos que fazem da política modo de vida é meio caminho andado para o desgoverno a a corrupção.  Uma das perversões do nosso sistema e a razão porque a qualidade é má, reside aí, nesses indivíduos que estão dependentes dos cargos a que concorrem pois outra actividade não se lhes conhece.

Por isso, quando vejo excepções como a de Ricardo Baptista Leite, alguém com profissão e uma militância política longa, aponto-as com gosto.

Baptista Leite não precisa da política para viver, é alguém fora dela. Médico, o exercício de voluntariado junto de doentes covid no Hospital de Cascais é outro exemplo que muito o dignifica e, por arrastamento, serve para mostrar que a política é serviço para o bem comum, não é -- ou não deveria ser -- carreira. Infelizmente é o que mais se passa nos meandros partidários.

Nota 1. Aproveito para arquivar aqui este documento pungente ,que ontem toda a gente viu, e que é também um documento para a História.

Nota 2. Como sei o que a casa gasta: apesar de sermos ambos de Cascais, não o conheço e não tenho nada que ver com o PSD.

10 comentários:

Jaime Santos disse...

Mesmo o Xicão, com aquele seu ar de puto com vontade de fazer xixi, alistou-se como voluntário civil nas FA (julgo que foi militar) em Março, o que é louvável. E sim, Baptista Leite é o exemplo de um político cordato e dedicado ao serviço público.

Percebo o que diz, mas também não gosto de amadores na política. O traquejo parlamentar, a experiência de gestão política (muito diferente da empresarial, que não exige os consensos), a sensibilidade para um conjunto de valores, não se ganham de um dia para o outro.

Penso que o problema não é tanto o de haver muitos profissionais da política, mas sim da forma como se tornaram em tal coisa, tipicamente guindados a partir dos aparelhos partidários ou desses seus apêndices infectos, as jotas...

A possibilidade de escolhermos o nosso próprio deputado poderia ajudar a alterar este estado de coisas, desde que não sacrifique a proporcionalidade (embirro com o sistema anglo-americano). Até porque quero que o PCP e o CDS (espero) continuem a eleger deputados. Quanto aos grunhos do Chega, pois, é uma das desvantagens dos sistemas proporcionais...

R. disse...

O Ribeiro e Castro apresentou um projecto interessante, mas acho que nem foi discutido.
Mas a grande política (e a pequena tanbém) foi feita por "amadores", desde a monarquia constitucional, professores, médicos, militares, juristas que se entregavam à causa pública. O funcionalismo político não passa disso mesmo, de carreira em que é preciso trepar.

Jaime Santos disse...

Parece-me que falamos cedo demais, o nosso político 'amador' já desenvolveu afinal todas as competências dos profissionais. Naquele dia em que ele esteve de turno no hospital de Cascais, morreram 6 pessoas, 3 das quais de covid, sendo que no turno de doze horas em que ele esteve como voluntário, morreu uma.

É certo que morreu mais gente do que o habitual, mas dizer isso em vez de dizer que nunca tinha visto morrer tanta gente não é a mesma coisa.

Não se espera que Baptista Leite dispa o fato de político quando veste a bata de médico, mas espera-se que tire esta quando tiver que falar como político e sobretudo que o faça sem alarmes, porque a situação já é grave o quanto basta.

O que ele faria bem era suspender o mandato de deputado durante 45 dias e assumir as funções clínicas a tempo inteiro...

R. disse...

Ora bem. Fui ouvir de novo o depoimento, para me certificar de tudo, e sucede que não retiro uma linha.

Constato que uma pessoa como Ana Catarina Mendes, por quem tinha respeito e admiração, mereceu o epíteto de apparatchik que lhe foi atribuída pelo Sarmento. E porquê? Porque enfiou uma carapuça que não era para ela nem para o PS.

Estava a intrigar-me a razão deste desfasamento entre verdade e realidade, o que me levaria a considerar o Baptista Leite um vulgar bandalho, um ventura. Mas não. Se você for ver o vídeo de novo, ele está a exortar a população, ou pelo menos os seus seguidores lá na rede que usa, a tomarem as atitudes devidas numa situação como esta.

Daqui resulta a triste constatação de a política profissional Ana Catarina Mendes estar mais preocupada com a baixa cozinha da politicalha. No fundo foi ela que acabou por usar a gravidade da situação para politicar.

Agora em modo coloquial:

É que, vamos lá ver uma coisa: o Baptista Leite é um médico voluntário que se arriscou (contraiu a covid enquanto voluntário) em prol das vidas do outros. E, portanto, em face de quem faz a dádiva do seu tempo e da saúde em benefício dos outros são credores do respeito e da consideração de todas as catarinas e catarinos que andam por aí espalhados.

Obrigado pelo comentário, mais uma vez; vou aproveitar isto para um post.

Jaime Santos disse...

Você está no direito de não retirar uma linha do que diz e eu também não.

Não comparo Baptista Leite a Ventura e nada do que escrevi permite inferir isso. Que diabo, fazer politiquice não faz de nós populistas, senão a classe política estaria coberta de cruzes gamadas.

Mas não me vou deixar cair aos pés de Baptista Leite só porque ele é voluntário e até arrisca a vida. Dou de barato que o faça com toda a sinceridade e dedicação. Como muitos outros médicos.

Mas a qualidade da intervenção política nada tem que ver com isso. Se assim fosse, ninguém bateria os militares na atividade política, por exemplo. Eu não confio neles (veja o exemplo de Eanes, a integridade e a coragem em pessoa, mas maculado com a história do PRD).

E esse serviço certamente não torna essas pessoas imunes à crítica pela dita intervenção política.

Quando alguém conjuga o exercício da medicina com a atividade política cabe-lhe um particular cuidado com a linguagem. Dizer que nunca viu morrer tanta gente, não é o mesmo que dizer que os números da mortalidade são trágicos, e que temos todos que nos proteger e aos outros.

É dizer que foi testemunha dessas mortes... Não foi.

Ana Catarina Mendes até pode denunciar Baptista Leite por todas as más razões, mas não deixa de ter razão... E quanto à resposta de Sarmento, he would say that, wouldn't he?

R. disse...

Fazer politiquice faz de nós qualquer coisa parecida com aldrabões. E eu não gosto de aldrabões. Nunca gostei do Soares entre outras coisas por isso mesmo, independentemente dos méritos que teve e sempre reconheci.

Vamos clarificar: ele está a falar numa rede social qualquer para os seus seguidores. Vejo ali genuína preocupação, e independentemente de ter morrido apenas um doente, você não pode negar que a situação é dramática. Uns dias antes tinha aparecido uma imagem de um doente a ser assistido no chão nesse hospital.

Quem quiser ver ali alguma farpa política pode fazê-lo. Eu não vejo, porque se visse estaria a interpretar, e não me dedico a isso. E, como digo, se ele se aproveitasse disso para fazer politiquice seria um bandalho. Como gosto de ver o lado bom das coisas e das pessoas, e se estas são altruístas não me custa nada pôr-me aos pés delas, como você diz, e elogiar esse gesto.

Eanes foi só o melhor presidente República que tivemos, a milhas de qualquer cos outros.

E qual é o problema se ele, valendo-se da situação de médico tenha querido assustar as pessoas a ver se ganhavam juízo? A situação não é catastrófica? É. E já era quando ele fez essas declarações?

A intervenção de Ana Catarina Mendes, que vi transcrita por aí, foi infeliz, desajustada e de funcionária política, sem qualquer dúvida, até porque justa e injustamente o governo está a sentir-se acossado. O que posso dizer é que ela influenciou uma carapuça. Bem sei que o Salazar dizia que em política o que parece é, mas como não sou político nem ando nos manejos, não me importo nada com isso.

Jaime Santos disse...

Se Mendes viu ali uma crítica ao Governo (parece-me evidente que viu), isso é um problema dela e não meu. Como não sou avençado do Governo ou do PS, não tenho que me preocupar com isso.

Já ouvi palavras muito duras por parte de pessoas como Ricardo Roncon, aqui do São João, ou de epidemiologistas como Carmo Gomes, pela falta de rumo do Governo (eles queriam, com razão, que o confinamento tivesse tido lugar mais cedo) ainda não ouvi um médico a falar dos mortos que tem visto.

Faço a crítica que faço a Baptista Leite porque considero que um político deve ter especial cuidado com a linguagem num momento como este, em particular alguém que tem responsabilidades como principal porta-voz do PSD para a área da saúde e como médico com experiência no terreno.

A situação é de facto dramática, e justamente por isso é que não se deve deitar lenha na fogueira. E o facto de ele ter feito as declarações numa rede social é irrelevante. Hoje nada fica onde está.

Mas, mais importante do que isso, corresponderam as palavras de Baptista Leite a um facto e um facto com a gravidade daquele que ele testemunhava? Não, não corresponderam.

Trata-se pois de hipérbole, o que é uma irresponsabilidade.

Repito, não caio aos pés dele por uma razão bem simples. Porque quem se dedica ao serviço à comunidade não têm direito a qualquer espécie de salvo-conduto que garanta que é melhor político, gestor, etc. Isso é uma falácia.

Relativamente aliás a Eanes, é a sua opinião. Eu calho de achar que ele foi um mau Presidente porque se lembrou de patrocinar um Partido Político enquanto ainda exercia o cargo, com o claro objectivo de se substituir ao PS (onde pontificava o politiqueiro Soares, como você diz). O resultado foi o que se viu, saiu da política sem glória porque se meteu na politiquice, onde nem sequer tinha o talento de Soares...

R. disse...

Pois, meu caro, mas eu estou a comentar a Mendes e não a sua opinião, que é legítima como todas as opiniões.

Você vê ali principlamente o político, eu vejo a pessoa. Quanto a responsabilidade política, o que tenho visto é responsabilidade da parte dele, mas posso não ter visto tudo.

Sobre responsabilidade e irresponsabilidade na pandemia acho que ninguém pode falar muito, a não ser os médicos e enfermeiros no terreno.

A circunstância de ele ser político não me interessa nada. O que me interessou foi assinalar a sua abnegação. Político e gestor qualquer um é.

Não o Eanes não saiu pela porta baixa. Mesmo a história do PRD tem muito que se lhe diga, a começar pela degradação do PS. Não por acaso Zenha e muitos outros, do melhor no PS estiveram com o Eanes. E isso que você diz não passa de um episódio, aliás necessário politicamente. Eanes foi um extraordinário presidente em dez anos muito difíceis para o país, uma década como nenhuma outra desde então.

Jaime Santos disse...

Não me interessa muito a opinião de Ana Catarina Mendes que teria feito melhor em ficar calada já que é parte interessada e pôs-se a jeito, até porque os pormenores relativos ao que aconteceu naquele dia no Hospital de Cascais foram publicados na Sábado.

Como dizia o Napoleão, não interrompas um inimigo quando está a cometer um erro...

Aliás, nem sei bem o que ela disse...

A questão primeira que aqui se coloca é a do comportamento de Baptista Leite.

Baptista Leite justificou-se dizendo que tinha ouvido os telefonemas de colegas aos familiares de pelo menos cinco mortos.

Va bene, admita-se que exagerou na linguagem e que não era essa a sua intenção.

A questão é que eu separo o serviço público do exercício da actividade política. E repare, não subscrevo aquela que parece ser a sua opinião de que alguém que aja de forma irresponsável seja automaticamente um bandalho. Mesmo pessoas bem intencionadas podem entrar na politiquice.

É o hábito que faz o monge...

Agora, quem tem simultaneamente responsabilidades políticas e médicas pode e deve ter cuidado com o que diz. Se ele falasse no cansaço dos colegas perante os inúmeros casos, o número de mortes crescente, atestado pela própria experiência pessoal, mais não estaria do que a veicular a mensagem das autoridades de saúde e poderia até insistir num confinamento mais duro (eu concordo com ele).

Coabito com pessoas com mais de 70 anos. Não imagina a perturbação que lhes causa o avolumar de notícias sobre a pandemia. Tenho particular admiração por alguém como o responsável do Sta Maria pela área covid, que tem procurado alertar para a necessidade das pessoas se protegeram sem jamais dizer que o sistema está perto do caos, mesmo perante a insistência dos abutres (ler jornalistas).

O que ele diz, isso sim, é que se for preciso adaptar os serviços e fazer das tripas coração faz-se, mas não é possível fazer crescer o número de camas e o trabalho até ao infinito...

R. disse...

Em resumo: eu enalteci o gesto Baptista Leite, e considero de forma benévola as suas imprecisões. Não sei se estou certo ou errado, só ele saberá. A locução da Ana Catarina Mendes, que costumo apreciar, chocou-me por isso mesmo. A contenção de danos...

Sei o que isso é, o meu pai faz 90 este ano. Mas o perigo ronda todas as idades.