quarta-feira, dezembro 04, 2024

o que está a acontecer

«Quando, em finais dos anos noventa, voltei costas ao Bairro Amélia, com os seus estendais de gente mórbida, a banda sonora incessante das suas misérias, nunca pensei que a vida me devolveria ao ponto de partida. Naquele dia final, enquanto olhava pela janela do carro, senti uma onda de orgulho a alastrar pelo meu peito, uma sensação de triunfo. Dava um belo travelling Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)

«Fazendeiros ricos de volta da Europa, onde correram igrejas e museus. Diplomatas a dar a ideia de manequins de uma casa de modas masculinas... Políticos imbecis e gordos, suas magras e imbecis filhas e seus imbecis filhos doutores.» Jorge Amado, O País do Carnaval (1931)

«A quem imputar, todavia,  as reais responsabilidades de tais actos: ao inocente ou às abomináveis gravuras de um pequeno livrinho de catecismo, estendal de horror, medo e violência, pesadelo da minha meninice? / Essa mórbida tradição religiosa, impregnada de brutalidade ancestral, iniciou-se há cerca de dois mil anos, quando um romano venal e astuto, de nome Pilatos, lavou as suas mãos de uma atitude de transigência ante os clamores da canalha assassina e despejou a água da bacia sobre a cabeça de quem calhou.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Bebemos na estalagem uma água quente oleosa por fartas malgas, que tinham no fundo pintados uns galos, que pareciam escorpiões. Engolimos uns pedaços de galinha, que zombavam do mecanismo da trituração, e entramos na liteira.
Eram dez da manhã.
Aqui principiam as vinte horas.»
Camilo Castelo Branco, "Vinte Horas de Liteira" (1861)