terça-feira, janeiro 26, 2021

na estante definitiva

 2. Continuar: «Na história da estética portuguesa do século XIX, onde situar com mais evidência as primeiras correspondências a uma "arte útil"?» Cap. I: «Até finais de 1935: motivações e primórdios de um trajectória de inspiração marxista» (pp. 11-22).

A década de 1930 foi apaixonante no que respeita a debates e confrontos de posicionamentos estéticos sobre os méritos e deméritos de uma arte útil ou inútil (para simplificar...). A questão vinha já detrás e de fora, no prefácio de Théophile Gautier ao seu romance Mademoiselle de Maupin (1835), proclamando que toda a arte para o ser não deveria servir outro propósito que não o seu próprio, o célebre prinípio da arte pela arte.
Alvarenga recua à Geração de 70 e a Antero de Quental, que no prefácio às Odes Modernas (1865) afirma: «A poesia que quiser corresponder ao sentir mais fundo do seu tempo, hoje, tem de forçosamente de ser uma poesia revolucionária.» Estranho a ausência de uma referência à conferência de Eça de Queirós do Casino Lisbonense, em 27 de Maio de 1871, «A "Literatura Nova" ou "O Realismo como nova expressão da arte», provavelmente porque o texto se perdeu, sendo reconstituída posteriormente através dos relatos da imprensa. 
Esta ideia de uma arte interventiva ou útil nos moldes proudhonianos terá continuidades e desenvolvimentos na geração da Seara Nova como de A Batalha, que ficarão situados, digamos, a meio caminho entre os presencistas e os neo-realistas, para não falar do curioso caso de O Diabo, fundado em 1934 por um grupo de escritores e jornalistas anarquistas e republicanos, que progressivamente passará par as mãos da geração seguinte, propriamente considerada neo-realista, até ao seu encerramento compulsivo, em 1940, circunstância que não é para já abordada; mas será a partir do Congresso dos Escritores Soviéticos, em 1934, com a defesa de um realismo socialista, que o debate irá aquecer, mas com nuances, fazendo o autor o levantamento de algumas tomadas de posição, com especial destaque para José Régio no campo do que eu chamaria de arte livre -- mas nunca de arte pela arte, no seu caso, e um destaque ainda para do outro lado, mas sem intenção polemizante, um outro nome maior: José Rodrigues Miguéis, enquanto ficcionista, em entrevista ao Diário de Lisboa ou, antes dele, no campo da crítica e do ensaio, Álvaro Salema, com o artigo publicado no jornal Gládio, em Janeiro de 1935, «O antiburguesismo da cultura nova», propondo a ultrapassagem dos conceitos defendidos pela Geração de 70, ou seja, uma abordagem marxista da literatura e da arte em geral.
Nestes debates, aparece como sumamente importante o artigo de Adolfo Casais Monteiro, com o artigo publicado n'O Diabo em 1935, «Sobre o que a Arte é, e sobre algumas coisas que não poderá ser», de onde se retira a famosa frase em prol da independência artística, «a arte é, não serve» -- embora o autor não o refira, é uma reacção ao discurso de Salazar na Sala do Risco, em que elabora sobre o papel dos artistas, mas que acabará por ver-se apontado aos que no pólo oposto queriam essa arte comprometida com as ideias ascendentes da humanidade. Há a contraposição de meio termo de Amorim de Carvalho no artigo «O carácter social da Arte», também n'O Diabo, em Agosto de mesmo ano, interpelação directa a Casais, quando escreve que «A Arte pode servir, sem deixar de ser»; e uma síntese de Julião Quintinha em três artigos no mesmo semanário com o mesmo título, «A Arte e os artistas», posição com proximidade à de Régio, nomeadamente no terceiro, «O artista ante o problema social e político»: «Parece coisa natural que o artista, possuído por determinados sentimentos sociais, muito sinceramente os exteriorize na sua obra. O essencial é que não seja faccioso na afirmação ou negação desses sentimentos, que vá até ao ponto de os transformar em baixo instrumento político, e que acima de tudo, não se esqueça do que deve à Arte.» 
Estudo sobre arte, Fernando Alvarenga dá-nos exemplos de outras intenções, com Roberto Nobre e A Cega Sanha do Povo (1935) e Companheiros, de António Lopes (s.d.), que reproduzo em baixo, fechando com uma apreciação de Heliodoro Caldeira, no inevitável O Diabo, a propósito de dois reconhecidos muralistas mexicanos: Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros e dos chamados Frescos de Cuernavaca, apresentando-os como exemplo duma arte a fazer-se, em que estivessem patentes, como ali, a «linguagem simples e reveladora das grandes verdades».

Roberto Nobre, A Cega Sanha do Povo (1935) - Museu de Faro

António Lopes, Companheiros



Diego Rivera, História de Cuernavaca e Morelos.
 Plantação de Açúcar



Fernando Alvarenga, Afluentes Teórico-Estéticos do Neo-Realismo Visual Português, Porto, Edições Afrontamento, 1989.

2 comentários:

Maria Eu disse...

Admiro a arte muralista. Os grandes aqui enunciados e os pequenos wue proliferavam n o pós 25 de Abril. Pena é que, dos últimos, não tenham salvaguardado a arte.

Boa noite! :)

R. disse...

Sim, Maria é verdade, uma pena.
Boa noite para si também