«Um homem atravessou por ali, e não foi pequeno o seu pasmo. A água, uma avemaria puríssima, descia dos serros por muitos regatinhos, brancos, inocentes e tagarelas, que nem se largassem à compita a ver qual deles era o primeiro a chegar ao vale. O solo era negro e dava mostras de fecundo a julgar pelo mato que crescia balofo, alto e tão denso que lhe era difícil romper e a cada passo lhe saltava dos pés um laparoto gordalhudo. Como andava à caça e muito ajoujado dos apetrechos de monteiro, tinha sede, uma sede ardente a que não era estranha a estafa de Rubiães até ali e o lombo de vinha-de-alhos, gostosinho mas sobre o sal, do seu almoço. E, avidamente, debruçou-se no primeiro lugar a jeito a beber da linfa que o Pe. Carvalho classifica da mais delgada e fria do mundo. Depois, regalado, puxou do lenço, grande como o guião do Santíssimo, e esponjou-se do suor. Relanceando olhos enlevados à roda, deu conta da balsa, que as águas, ao confluir, ali faziam, e surpreendeu, fulgurando suas escamas lantejoiladas, duas boas trutas palmeiras. Libélulas cruzavam-se por cima numa contradança versicolor, mas ele não prestou atenção a tais bugiarias da natureza. Filho de camponeses, porém, foi reparando na pujança que mostrava a erva do prado, embora se metessem de gorra a comer do húmus farto a margaça, a leituga, a beldroega, a azeda, mais sôfregas do que vacas com fome.»
A Casa Grande de Romarigães (1957)
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