segunda-feira, julho 27, 2020

delinquente, celerado e assassino -- o racismo é só mais um pormenor

Ainda não é desta que altero a minha percepção sobre a existência de um problema de racismo na sociedade, que não localizado. Por um motivo fútil -- uma discussão por causa de um cão -- um energúmeno octogenário baleou um cidadão negro, o actor Bruno Candé Marques, 39 anos, pai de três filhos menores.

Quem é esta criatura?  Que é um assassino, está fora de dúvida, pois abateu um homem com vários tiros à queima-roupa;
É também, muito provavelmente, um delinquente: a arma do crime não só era ilegal, como pertencia a um armeiro de uma força policial, dada como roubada. Portanto: notórias ligações ao mundo do crime.
Em terceiro lugar, será um dos milhares que vieram com os miolos rebentados da Guerra Colonial, um dos que, provavelmente se fartou de "matar pretos", conforme se vangloriou.

O quadro descrito revela uma criatura atípica: um criminoso que ontem lançou a última dejecção na sua infeliz passagem por este mundo. Irá apodrecer na cadeia, e justamente.

O que representa então este velho assassino? O lúmpen social, que se manifesta através dos baixos instintos e ressentimentos. Tipifica a sociedade portuguesa? Creio que não, espero que não, acredito que não -- ou este país ainda é pior do que pensava. Pelo contrário: as imagens que vi publicadas no sítio do Jornal de Notícias, mostrar o criminoso manietado pela população, gente de várias cores.


Chateia-me por isso que pessoas como Joacine Katar Moreira (em quem votei para deputada e de cujo voto ainda não me arrependi, pese o episódio com o Livre, do qual não foi a única responsável) ou o activista Mamadou Ba, cujo abaixo-assinado de solidariedade subscrevi e voltaria a subscrever, quando ameaçado por energúmenos do pnr, chateia-me que sejam tão lestos neste agitar de espantalhos, bem identificados e caracterizados; até porque não quero entrar por caminhos em que poderia chegar à conclusão que estes e outros procurem notoriedade fácil, e as vantagens que daí advêm, através de uma militância que, necessária, deve ser também criteriosa.

Por outro lado: ainda estou à espera de ver até quando a retórica xenófoba espertalhona estará para durar, sob a passividade do poder judicial. 

5 comentários:

Jaime Santos disse...

Assino por baixo no que diz respeito às conclusões que tira sobre este crime. Um homem provavelmente meio senil, perturbado pela experiência em África, não é certamente representativo do todo da sociedade portuguesa.

Espero, pelo contrário, que a Justiça leve em conta a sua idade avançada e o perfil psicológico. Não gosto, confesso, da frase 'apodrecer na cadeia', sobretudo se usada a respeito de um velho.

Quanto às palavras de Katar Moreira ou Ba, sou capaz de as atribuir a uma comoção que também tem que ver com o ambiente onde vivemos, onde o racismo larvar que existe na sociedade tem vindo ao de cima com a maior visibilidade do activismo anti-racista.

O que se recomenda neste momento é muita cabeça fria...

M,Franco disse...

Um caso absolutamente revoltante.
Um velho asqueroso.
Também me deu vontade de dizer
qualquer coisa como um desabafo.
Bom fim de tarde.

R. disse...

Caro Jaime, idade não é atenuante para ser-se patife, e o mínimo de reparação que a família e a sociedade devem ter é a aplicação da justiça. Não há atenuantes para quem mata por motivos fúteis (poderia alegar-se legítima defesa ou acidente, mas não é o caso) e deixa sem pai três filhos menores.
Quanto aos políticos, o facto de o serem só os obriga ao tal sangue frio. Algo que podemos compreender quanto à família e amigos já não é justificável em Joacine e Mamadou Ba.

Maria, é verdade, e dizer que se trata de um excremento. As pessoas não são aquilo.

Jaime Santos disse...

Não gosto da ideia, Ricardo, de que alguém possa ser condenado a uma pena de facto perpétua por um crime de delito comum.

E pode a idade e a experiência de vida do assassino justificar uma redução da sua responsabilidade criminal? Julgo que em princípio pode, mas isso é algo que caberá aos especialistas (médicos psiquiatras) determinar...

Seja como for, julgo que na hora da sentença o coletivo de juízes levará certamente em conta os factos que ainda terão que ser apurados, como a motivação do crime, o grau de imputabilidade do assassino já referido, o seu grau (ou a ausência de) arrependimento, e a própria opinião da família da vítima...

R. disse...

Meu caro, pelo que li, ele não tem atenuante. Foi ostensivamente grosseiro, provocador e ameaçador. E tanto o foi que o concretizou. Se se tratasse dum alienado identificado, com um historial,seriam de considerar todas as atenuantes prevista na lei; não o sendo, os seus 76 anos não podem ser levados em consideração, sob pena de infligirmos às suas vítimas uma segunda penalização. Depois de perderem, um a vida, outros o pai e o familiar, estes seriam vítimas de uma concepção de justiça que os juristas e os teóricos do direito saberão caracterizar, e que a mim me parece quase uma denegação de justiça, e isso parece-me intolerável.