quarta-feira, julho 29, 2020

"as melhores práticas do mercado"

Assim, de repente, ocorre-me: vigarice, tráfico, extorsão, infidelidade, ladroagem, abuso de confiança, rapina, falsidade, um longo etc. …

(Isto para dizer que me falta o cu para conversa fiada à business school, e que é uma pena que não estejamos num prec ainda mais hard que em 1975, para pôr esta malta dos fundos de investimento, das sociedades offshore, estes ceos infernais em campos de reeducação, na apanha da azeitona e do girassol, a aprenderem com os nepaleses como se faz.)

19 comentários:

Jaime Santos disse...

Não consigo deixar de me surpreender no que diz respeito à 'criatividade concupiscente' desta gente. Mas só têm mesmo dinheiro na cabeça? Os esquemas utilizados para extorquir o último centavo ao Fundo de Resolução são de fazer cair o queixo.

E surpreendo-me mais ainda com a ingenuidade (ou se calhar a negligência, ou mesmo a malícia, mas da minha experiência pessoal sei que não é preciso invocar conspirações quando a incompetência e o cansaço chegam para explicar tudo) dos reguladores, a começar pelo Banco de Portugal. Não sabem eles que esta gente se comporta sempre como aves de rapina?

M,Franco disse...

Como sempre muito bem observado! Que nunca lhe faltem as
palavras! Bom fim de semana.

R. disse...

O dinheiro dá-lhes ascendência sobre os demais, dá-lhes poder. E o poder, garantem, é afrodisíaco. Claro que há quem ache mais excitante ser livre.
Caso mais difícil de explicar será o do Juan Carlos. Tédio, talvez?...

Obrigado pelo incentivo, Maria. Como calcula, não ganho grandes amizades com isto, mas divirto-me. também para si.

Jaime Santos disse...

Não tenho grande simpatia pelo Rei Emérito Espanhol, personalidade cujo comportamento pessoal nunca foi exactamente exemplar. Julgo que não percebeu que os tempos mudaram e que já não há ninguém intocável.

Filipe VI, pelo contrário, parece-me uma pessoa muito decente, um monarca do nosso tempo... Espero, claro, que não tenha nada que ver com as negociatas do Pai.

Como republicano, não tenho grande simpatia por uma monarquia que provavelmente já não existiria se o povo espanhol tivesse sido consultado nos anos 70, mas reconheço a essa instituição um papel na estabilização da ordem democrática espanhola e na pacificação da sociedade (e ao próprio Juan Carlos, bem entendido).

Assino por baixo o comentário de um realista espanhol que disse que deveríamos perguntar de que monarquia ou de que república estávamos a falar. A república filandesa é preferível à monarquia saudita e a monarquia holandesa é preferível à república venezuelana...

R. disse...

Eu tinha, atá ao episódio da caçada ao elefante, acumulado com a presidência honorífica do WWF. A partir daí, foi sempre a descer. Quanto ao Felipe VI, politicamente não espero nada dele. Aliás, esteve péssimo na questão catalã -- e é preciso não esquecer que os patriotas catalães que estão presos e no exílio.
Quanto à questão de regime, como já lhe disse, sou agnóstico nessa matéria.

Jaime Santos disse...

Bom, Felipe VI é o símbolo da unidade da Espanha, desta Espanha. Não se espere que morra de amores pelo direito de secessão de uma das suas principais províncias, o que poderia abrir a caixa de Pandora da desagregação do País (seguir-se-iam o País Basco e talvez a Galiza). Isto dito, poderia de facto ter apelado ao diálogo.

Mas politicamente não deve de facto esperar nada dele, tal como não se deve esperar nada de Isabel II. Os monarcas fazem o que os políticos lhes mandam fazer nas monarquias constitucionais.

Como alguém disse, Eduardo VIII era Rei-Imperador e abdicou porque Stanley Baldwin lhe disse que o povo britânico não engoliria o seu casamento com Wallis Simpson... Curiosamente, uma das pessoas que defendeu a causa do Rei foi um ébrio Winston Churchill...

O que se espera de um monarca é que represente o seu País, transmita uma imagem de dignidade e de discrição e viva de forma honorável e mais ou menos modesta, isto é, sem grandes luxos (admiro as monarquias nórdicas por isso e não tenho pachorra para o fausto piroso britânico). Justamente o que Juan Carlos não soube fazer e isso vem de há muito...

Se quer alguém com capacidade de bater o pé a um Governo, está a falar de um chefe de Estado com legitimidade própria, eleito por sufrágio directo e universal, ou quando muito por colégio eleitoral.

E que é uma das razões pelas quais eu não sou agnóstico nestas questões, porventura a principal (não muito longe vem a invisibilidade absoluta nas repúblicas daquela nobreza decadente, nula, arrogante e falida que enche as páginas da imprensa cor-de-rosa :) noutras paragens).

O poder moderador é uma coisa muito bonita mas deve ser exercido nos nossos dias por políticos eleitos, não por monarcas...

Bem entendido, não tenho nenhuma simpatia por sidonismos e outras formas de presidencialismo. Se enveredássemos por essa via, como quer o Ventura, eu apoiaria a Causa Real :) ...

Bem entendido também, como os Espanhóis (ou os Catalães, for that matter) devem ser governados é lá com eles...

R. disse...

Meu caro, sem tempo para explanar, mesmo sendo agnóstico, sempre direi que a nossa monarquia tem uma vantagem sobre quase todas as outras, a da sua continuidade (como sabe as quatro dinastias, na verdade só são uma); e isso não é para deitar fora. E que foi também ela que esteve na linha da frente pela instauração das liberdades. E ainda, ao contrário de boa parte delas, não foram importadas ou impostas de fora.

Jaime Santos disse...

Não sei a que se refere concretamente quando diz que a Monarquia esteve na linha da frente pela instauração das Liberdades, depende do Bragança que escolher, suponho eu, e ainda assim a Carta de 1826 concedia menos Liberdades que a Constituição de 1822, essa sim emanada das Cortes...

Julgo que a questão das dinastias não é distinta do que aconteceu noutros países, vide na transição dos Tudor para os Stuart em Inglaterra... Mas é verdade, não nos aconteceu ter uma dinastia imposta por um vizinho mais forte, como quando um Bourbon se tornou Rei de Espanha.

Felipe II de Espanha, enquanto neto de D. Manuel I, tinha toda a legitimidade para reclamar o trono (claro que se fartou de pagar pela lealdade da nobreza, mas isso era comum nesses tempos).

Ligo pouco ao aspecto simbólico da coisa, devo dizer-lhe. Como para mim o Soberano é o Povo e a continuidade da Nação está assente nos pilares da nossa História (onde estão presentes a Glória, a Tragédia, a Miséria e a Vileza, mas sobretudo estas três últimas, bem entendido, como em toda a parte, suponho eu), e não precisa de Monarcas para se afirmar, considero a existência de um Chefe de Estado Hereditário como um anacronismo que se mantém noutras paragens porque agrada a quem tem um apego maior a essas questões do que eu.

Mas dou de barato que alguns dos Países mais democráticos do Mundo são Monarquias, como a Noruega, a Suécia ou a Dinamarca.

E sei também que a nossa primeira República não foi exatamente um modelo de estabilidade e democracia, muito embora as bases da ruína nacional no sec. XX fossem semeadas pelo endividamento que ocorreu durante a Monarquia Constitucional...

Olhando para diferentes exemplos, como os já referidos, ou para Repúblicas como a Alemanha, a Finlândia, a Islândia, a própria Suíça, ou o belo exemplo passado das Províncias Unidas, que deram guarida aos Pais do Maior Filósofo do Sec. XVII, Bento Espinosa, parece-me que a boa governação não depende de todo da natureza do regime, se é monárquico ou republicano.

O que digo é outra coisa. Se se quer ter um Chefe de Estado com legitimidade para intervir na política, então estamos a falar de uma República nos nossos tempos. E isso limita o regime monárquico a um modelo puramente parlamentar.

O Rei de Espanha está constrangido pela Constituição a quem pode ou não convidar para formar governo e em que ordem deve fazê-lo. O Presidente Português nomeia o Governo depois de ouvidos os Partidos... Claro que na prática, o precedente tem significado constitucional, mas a magistratura de influência de Marcelo, como a de Sampaio (Eanes e Soares intervieram bastante mais e Cavaco optou sempre pela tibieza) é-lhe permitida porque dispõe de legitimidade democrática.

Por isso, não me parece que Felipe VI possa ser criticado pela sua inação. É da natureza do seu cargo, é tudo.

R. disse...

Tem razão: sabe, eu sou um pouco faccioso pró-Braganças, porque o D. Carlos foi vilmente assassinado, e ele era absolutamente um chefe de estado que não merecia esse fim -- ninguém merece, aliás -- nem a mulher, a d. Amélia, mereceu o que lhe fizeram. Poderia discorrer, mas não há tempo nem espaço.

Se disponho de toda a informação, os ingleses foram buscar o Jaime VI da Escócia, tornado Jaime I deles. Não sei muito mais do que isso. No nosso caso não: o D. João I era filho do D. Pedro I; o Felipe II (I nosso) era neto do D. Manuel I e sobrinho do D. João III (a mãe era portuguesa, por isso é que ele -- que cumpriu com tudo o que se comprometeu e parece que gostava disto (a grande fortaleza de Cascais é dele, puxando a brasa à minha sardinha) -- por isso é que ele, referindo-se aqui ao rectângulo, podia jactar-se: "herdei, paguei e conquistei!" (Realmente, sempre fomos uns pândegos...)

Caro, tenho de interromper. Logo que possa, concluo. Um abraço

Jaime Santos disse...

Bom, Jaime VI era descendente directo do avô de Isabel I, logo com legitimidade de acesso ao trono. O nosso D. João I era apenas filho bastardo de D. Pedro e o próprio D. João IV era descendente do primeiro Duque de Bragança, filho bastardo do próprio D. João I.

Quer D. Beatriz, filha de D. Fernando I, quer os Filipes tinham naturalmente mais legitimidade formal que os futuros Reis, mas aqui as Cortes e a força militar impuseram a manutenção da independência nacional ou a sua restauração. O poder de facto tem muita força...

Concordo inteiramente que D. Carlos (e o Príncipe Real Luís Filipe) foram vítimas de um atentado vil e completamente injustificado, o Rei não era nenhum tirano (a 'ditadura' de João Franco estava longe na prática de o ser e depois, se bem me lembro, nenhum Governo da Monarquia saiu de eleições, primeiro El-Rei nomeava-o e depois as eleições confirmavam-no :) )...

E o próprio D. Manuel I foi um patriota que recusou sempre a reinstauração da Monarquia por via violenta, defendendo antes o plebiscito...

Muito embora a reputação de uma Monarquia dependa do bom comportamento do seu Monarca ou do Pretendente, seguramente a Monarquia Espanhola já viu melhores dias, depois de expostas as escapadelas e as negociatas de Juan Carlos (as atitudes de Trump fazem igualmente perigar a democracia nos EUA), não me parece que o debate se deva fazer sobretudo por aí e sim com base naquilo que esperamos da acção de um Chefe de Estado.

Se ele ou ela devem ser meros corta-fitas, uma Monarquia é perfeitamente aceitável. Se devem dispor de poderes de fiscalização da acção dos Governos ou de veto de legislação ou mesmo da capacidade de dirigir mensagens ao Parlamento, aí a única forma de Governo aceitável é a República.

Note que não uso o termo 'corta-fitas' com um sentido pejorativo, foi esse o termo que o Rei da Holanda (pessoa muito estimável) usou quando uma reforma constitucional lhe retirou o poder de nomear o Governo e o transferiu para o Speaker do Parlamento.

Se o meu caro defender um sistema constitucional em que uma espécie de órgão colegial eleito, ou o Presidente do Parlamento, acumula os poderes do nosso PR de modo a defender uma reinstauração da Monarquia, eu seria perfeitamente capaz de aceitar tal sistema.

Mas seria uma República Coroada, tão somente... E tais instituições nunca teriam a legitimidade de um PR directamente eleito...

Quanto a Espanha, como disse, provavelmente os Espanhóis preferiam a República em 1978. Mas o regresso dos Bourbons permitiu que a Direita Espanhola aceitasse a nova Constituição e tem garantido alguma estabilidade, algo que nós devemos também desejar, afinal é o único vizinho e principal parceiro comercial, ninguém sabe o que uma desagregação da Espanha traria, nada indica que o sector franquista ainda forte se rendesse sem luta...

Quem pensa que essa desagregação poria um ponto final nas pretensões de conquista de Portugal pelo dito sector franquista (ou que serviria como uma espécie de vingança histórica) é melhor que tenha cuidado com o que deseja...

Peço desculpa, mas tenho alguma simpatia pelo nosso velho adversário. Pelo menos sabemos ao que vem. Se olharmos por outro lado para o comportamento do velho aliado, chegamos à conclusão que passou grande parte do séc. XIX a tratar Portugal como sua colónia. Com amigos destes...

R. disse...

Por acaso estava a pensa nos Hannover, que também por aí tinham ligação aos Stuarts. Em relação ao Jaime VI, não tinha essa informação, mas não é de estranhar, dada a política de alianças.

Eu ligo ao aspecto simbólico -- o símbolo, o nada que é tudo, como dizia o Outro -- principalmente quando nos movemos num quadro utilitário, em que tudo se compare e vende; pelo que um rei bandeira, mera figura da continuidade da nação, não me aflige nada, talvez pelo contrário. Claro que estou a falar em termos meramente abstractos. Mas obviamente, nunca quererei mais que um rei corta-fitas.

Eu não tenho absolutamente nada contra a Espanha. O seu chefe de estado, rei ou presidente, é que terá sempre um problema em mãos, o de ser ilegítimo enquanto os povos que o compõem não se autodeterminarem, seja pela saída seja pela permanência. E quanto a isto não há volta a dar-lhe.

Francamente, quanto às pretensões franquistas sobre Portugal são tão para levar a sério quanto a moeda cunhada com a efígie dele sobre a legenda generalíssimo pela graça de Deus, ou lá o que era. O que ele queria, sabemo-lo nós, mas faltava-lhe arcaboiço, legítimo e simbólico. Só teve a força por ele, e essa esvaiu-se.

O soberano é o povo, claro,mas este esteve sempre ligado à coroa, no melhor e no pior. Aliás foi a coroa quem criou o povo e o povo foi sustentando a coroa.

Gosto da assunção da História por inteiro; detesto glorificações serôdias mas detesto ainda mais falseamentos e falta de noção. A glória que temos reside nos Descobrimentos e na Expansão, não porque tirássemos nenhum génio da lâmpada, mas porque éramos a comunidade certa no lugar certo, na hora própria. É isso que nos inscreve na história da humanidade enquanto povo e mais nada. E o facto de durarmos há 900 anos, na periferia do velho continente, de tal forma que temos as fronteiras mais antigas.

O poder, claro. D. António foi aclamado nas cortes de Santarém e Felipe nas de Tomar. Aquele resistiu pelas armas quanto pôde. D. João I foi confirmado em cortes e o IV também. O marido da D. Beatriz tinha o grave defeitos de ser rei de Castelo, pelo que só pela força, que não conseguiu.

Jaime Santos disse...

O meu caro saiu-me um bom monárquico envergonhado :). É uma posição perfeitamente respeitável, saia do armário (estou a brincar, claro).

Mas não é a minha. O Reis criaram o Povo (porque criaram a Nação), mas este alforriou-se há muito, e não precisamos seguramente desse símbolo para nos mantermos. Depois, como disse, vejo vantagens para a eficácia do processo democrático na existência de um PR directamente eleito e com alguma capacidade interventiva (mas rejeito o presidencialismo).

Quanto à nossa História, distingue-se porque fomos pioneiros na expansão marítima, mas a razão por detrás dela é, meu caro, a velha cobiça e convinha lembrá-lo, porque não há disciplina científica onde haja maior tentação de aproveitamento político do que a História. A leitura da História faz-se sempre no contexto do Presente...

A filosofa Susan Neimann, americana residente em Berlim e autora de um livro notável, 'O mal no pensamento moderno', que se foca em dois acontecimentos centrais da Modernidade, o terramoto de 1755 e a Shoah, como exemplos do mal físico e moral (o primeiro mais inescrutável que o segundo), dizia recentemente que enquanto a Alemanha usa a sua História para pensar um futuro incerto, o Reino Unido a usa como consolo de um Presente menos glorioso que o Passado.

Penso que sofremos do mesmo mal...

O Outro também achava, como Churchill, que os Impérios do Futuro são os do Espírito. Julgo que deveríamos passar menos tempo a lamentar a perda das glórias passadas, até pelo que elas implicavam de sofrimento alheio (e porque essas glórias nunca conduziram a uma estratégia de desenvolvimento sustentado do País e sim sempre a um endividamento à tripa-forra, excepto talvez sob a batuta de Pombal) e nos deveríamos preocupar mais com o Futuro... E se o queremos fazer, a leitura que fazemos da História só pode ser uma leitura dolorosa...

Quanto à Espanha, sem dúvida, o último resquício do Império Castelhano só deixará de o ser quando permitir aos diferentes Povos pronunciarem-se sobre como querem ser governados. Isto dito, como sabe, eu prefiro que se proceda com a máxima das cautelas olhando para a tendência que eles têm para saltarem à goela uns dos outros... Os últimos 40 anos têm sido um hiato de serenidade e desenvolvimento na História dos Povos da Península (da deles e da nossa)...

R. disse...

Ora, bem, descobriu-me a careca!...
Não, não é verdade: o meu agnosticismo é equitativo. O que me interessa é civismo. Um chefe de estado (uma vez que não está em horizonte próximo a desaparição do estado) que sirva. Como o D. Carlos serviu, como o Teixeira-Gomes serviu, antes, durante e depois de ter mandado o país à merda; como o Eanes serviu. E por falar neste, se virmos os presidentes eleitos depois do 25 de Abril, penso que só Eanes e Sampaio, apesar dos erros (são humanos...) prestigiaram a função presidencial. O Soares achava que o lugar lhe pertencia por direito divino mesmo que andasse o primeiro mandato aos améns ao Cavaco para mo segundo passar a vida a torpedeá-lo -- uma vergonha. O Cavaco foi o pesadelo que se sabe; o Marcelo tem a mania de fazer de nós todos parvos, e nós nem nos importamos -- pudera, depois do Cavaco até a minha cadela se tornou presidenciável.

A História é o que é, e nunca se deve confundir historiografia com comemorativismo, que serve vários propósitos. Ao historiador requere-se probidade e espírito crítico, portanto não sectário. É sempre uma distinção que deve ser feita; até porque o anacronismo é sempre um erro de palmatória par qaulquer historiador.
(Obrigado pela referência, tenho de ver isso) Isso que diz, é importantíssimo, mas a pobre História não é culpada; talvez o seu desconhecimento, e em toda a sua extensão (claridades e sombras) facilite isso. Os nossos males são muito outros.

Quanto às Espanhas, meu caro, de acordo quanto às cautelas. Mas seria preciso coragem e sageza, algo que tem faltado por lá.

Jaime Santos disse...

Eanes acabou por sujar o seu legado quando se lembrou (ele e outros) de inventar o PRD. Mas é um homem impoluto.

Soares é o mais importante político da modernidade portuguesa, como dizia Vasco Pulido Valente, mas tinha dos cargos que ocupou uma visão monárquica (absolutista). Não foi um bom Primeiro Ministro e se o primeiro mandato presidencial não foi mau, o segundo foi fraquinho, e a tentativa de torpedear Cavaco nem serviu para nada, porque Guterres sabia pensar pela sua cabeça...

Sampaio foi de facto um bom Presidente, à altura do cargo, um verdadeiro republicano.

Cavaco foi para esquecer, em vez de ter feito com Sócrates em bom tempo o que Sampaio por bastante menos fez com Santana, procurou minar o então PM com manobras de faca na liga incompreensíveis, como aquela das escutas em cima das eleições.

Mas acho que é injusto com Marcelo. O seu principal defeito é que ainda não percebeu que deixou de ser o comentador da TVI e que os silêncios presidenciais servem para não trivializar o uso da palavra, o recurso mais importante, talvez porque o menos consequente, das atribuições e poderes presidenciais.

Esteve bem quando não tentou minar a Geringonça, esteve bem na questão dos incêndios (quando Costa não percebeu que o chão lhe tinha fugido debaixo dos pés) e esteve bem na declaração do Estado de Emergência quando percebeu, de novo antes do PM, que o Governo precisava dos poderes em questão. E repare que nem votei nele...

E concordo inteiramente na questão do civismo. Por isso é que digo que Felipe VI serve a Espanha melhor do que o Pai, porque se não faltou coragem a Juan Carlos no dealbar da Democracia Espanhola, foi justamente a falta de civismo que o fez perder-se no ocaso dos seus dias. O pior que um Chefe de Estado pode fazer é cair no ridículo de ser denunciado como hipócrita, um Rei em particular, porque é sempre visto como reserva moral da Nação.

O livro de Neiman é muito bom, tem talvez uns 20 anos, editou a Gradiva em Português. O artigo recente do Guardian é este:
https://www.theguardian.com/commentisfree/2020/jun/13/germany-confronted-racist-legacy-britain-us

As antigas potências imperiais têm tido dificuldade em ajustar-se à sua condição de pequenos e médios Países Europeus, sobretudo porque, tirando a Alemanha, deixaram igualmente se ser potentados industriais por via da globalização (o que foi uma escolha dos seus próprios Governos, o Brexit tem muito que ver com a crise do neoliberalismo, que se seguiu à rejeição por Thatcher do nacionalismo económico, o único que conta, o resto serve para enganar o povo).

Portugal, como nunca teve uma indústria digna desse nome, recebeu e recebe os fundos estruturais de braços abertos e festeja por isso (continuamos os tais pândegos de que falava atrás), mas periodicamente debate-se com o peso da sua História, suspeito que tal se deve sobretudo ao facto de que não gostamos do tamanho que temos e quando assim é apelamos aos egrégios avós, que mandavam em metade do Mundo, o que é apesar de tudo menos piroso do que falar de Spitfires e da melhor hora de um Império que já não existe (Isabel II ainda confere condecorações com o título da Ordem do Império Britânico :) !).

Olhe, eu gosto muito do nosso rectângulo com o tamanho que tem, o que não quer dizer que esteja satisfeito, como é óbvio (o pior do País são mesmo os Portugueses ;) )...

A batalha pelo Futuro é por um desenvolvimento sustentado que preserve o meio ambiente, o nosso maior tesouro e por uma juventude esclarecida e livre. Olhando para o que se faz na área da Ciência, onde trabalho, não nos temos saído muito mal...

Mas nada se fará sem a preservação das Humanidades, onde a História ocupa um lugar central...

Quanto a Espanha, sem dúvida, falta coragem e sageza, uma, a outra e às vezes as duas. Mas isso não é só por lá, infelizmente...

R. disse...

Caro,
"sujar" talvez seja uma palavra forte; e é preciso ver o estado em que estava o PS -- o melhor do partido contra o Soares.
Quanto a este, subscrevo o que diz, apesar da minha antipatia; alías, escrevi-o quando morreu: esteve sempre do lado certo da História. Contra o Salazar, na Descolonização, pôs o PCP em sentido e liderou a nossa adesão à CEE. Chapeau...

O Marcelo claro que tem coisas boas, e eu nem descarto a possibilidade de votar nele, depende do que a esquerda apresentar. Mas aquele tendência de nos tratar como crianças ou idiotas irrita-me. Também não gosto do beija-mão aso bispos, mas é para o lado que durmo melhor.

Obrigado pelo link, vou ver.

A sua observação lembrou-me o seguinte. Costumo ver as séries da RTP 2, quase todas europeias. Fico estarrecido, nas séries britânicas, não ver automóveis ingleses, mas alemães na sua maioria, incluindo os minis... Coisa que nõ sucede desta maneira em França e Itália ou mesmo na Suécia... É revelador.

Os fundos estruturais são a nossa pimenta da Índia, o nosso ouro do Brasil. Só que já não temos a desculpa do D. João V, que tropedeou os projectos do Conde da Ericeira...

Eu também gosto, não sendo nacionalista. Acho que me fui tornando patriota nos últimos anos. Malhas que a UE teceu, provavelmente. Pelo que vejo, muito superficialmente, sim a Ciência é uma razão de orgulho; o mesmo se passa na literatura, em especial na Poesia, em que somos mesmo bons, mesmo em quantidade. Quanto ao resto...

Jaime Santos disse...

Meu caro, somos um potentado na Literatura e na Música Popular (e não é de hoje). Vamos fazendo umas coisas giras na Ciência e na Engenharia (costumávamos ser muito bons na Engenharia Civil, agora não sei, e éramos dos melhores e ainda o somos na Arquitectura).

Soares foi um génio político que provavelmente não era uma pessoa muito agradável. O meu herói desses tempos era o Francisco Salgado Zenha. Tenho um fraquinho por perdedores, que quer? Também calho de achar que o Rocard teria dado um Presidente de França muito melhor que o Mitterrand, ou que Sampaio teria sido muito melhor PM que Cavaco...

Quanto ao beija-mão aos bispos, se não gosta com um PR, iria detestar com um Rei. Uma das coisas boas da República é que garante que o Estado permanece laico. Agora, tem razão, o beija-mão aos bispos é para o lado que durmo melhor...

E honra seja feita a Marcelo, dispensou a Primeira-Dama. Estou mesmo a vê-lo de mão dada com a sua senhora, mas nada de namorar, como cantava o Rui Veloso, que a ICAR não deixa ;) ...

Quanto ao desenvolvimento, renováveis, lítio, hidrogénio, nada se faz se não houver alguém a ganhar muito dinheiro. Chama-se capitalismo e a alternativa foi um desastre (leia 'Chernobyl - the history of a tragedy', do Serhii Plokhy, se tiver alguma pachorra para pormenores técnicos, mas olhe que o homem é historiador em Harvard). O comunismo é mesmo, tal como a energia nuclear, 'the God that failed'.

Eu não sei se me considero um patriota no sentido tradicional. Às vezes apetece-se mesmo mandar a 'piolheira' à merda (acho que o termo é de El-Rei D. Carlos) e meter-me no avião para a Dinamarca (onde vivi há uns anos por escassos 5 meses)... Mas quando me lembro do que éramos nos anos 80, fico com alguma esperança no futuro, apesar de tudo, e venha a pimenta e o ouro :) , que parece que é o nosso destino viver do crédito e da mercearia...

R. disse...

Na literatura, digamos na poesia, embora o romance não envergonhe.Na música fia mais fino, apesar da Amália, do José Afonso, do Carlos Paredes ou do Sérgio Godinho, entre outros, não nos podemos comparar com a França, a Inglaterra, o Brasil, os Estados Unidos...
Na arquitectura não sabia que éramos assim tão bons, apesar dos Siza e Soutos.
Também votei no Zenha, claro.
Se fosse este rei, provavelmente seria beija-mão e lava pés.
Tá bem, o capitalismo; era escusada a ladroagem e a rapina, não acha? E depois, é a tal coisa: primeiro ouça-se a população, e só depois...

Jaime Santos disse...

Não votei no Zenha, porque ainda não tinha idade para isso, andava nos comícios do Soares, que era quem o meu Pai achava que tinha hipóteses de derrotar o Freitas (um homem honrado, que teria dado um belíssimo PR, se se tivesse candidatado uns 10 anos mais tarde).

Acho que a nossa música popular reflecte o nosso tamanho enquanto nação, tal como as contribuições para a arquitectura, por exemplo. O lugar da literatura é maior, da poesia em particular, tem toda razão...

R. disse...

Um homem honrado, concordo, em relação ao Freitas; se teria dado um bom PR, mesmo mais tarde, tenho dúvidas, mas quem sabe?