quinta-feira, julho 09, 2020

o caso Rita Rato, desconfianças e bocas da reacção

Chamam-me a atenção para o bruaá no Facebook sobre a nomeação de Rita Rato para directora do Museu do Aljube. Não me apetece nada andar ao tiro ao comunista, quando há anos que apanhamos com a tralha neoliberal e assistimos aos fascistas de ocasião (ou seja, aqueles que se prestam a tudo o que o lumpen cívico quiser), bolsarem para o meio da rua.

Depois do "museu das descobertas" -- não há descobertas mas, em bom português, Descobrimentos, e com maiúscula e que devem ser celebrados criticamente, apesar dos analfabetos da margem esquerda --, depois do propalado museu que, com a cagunfa do costume, já deve estar, com a viola no saco e metido na gaveta --; depois da gritaria com o Museu Salazar ou Centro Interpretativo, projecto liderado por historiadores à prova de bala, que deu brado porque a História é um pormenor para uma determinada concepção política do mundo, incluindo os que se dizem historiadores; agora, o Museu do Aljube.

Independentemente do benefício da dúvida que darei à senhora quanto à sua honestidade intelectual -- parece que não sabia bem o que fosse o gulag, etc. -- e esperando, igualmente que, quanto à Resistência ao Salazar, não se fique pelos camaradas e o frete, noblesse oblige, à tralha republicana (e à gente boa também, Seareiros à cabeça), não se esqueça da Resistência dos anarquistas (é verdade, vai hoje na RTP2 um documentário sobre o Emídio Santana…), dos católicos progressistas e até dos monárquicos.
Considero o PCP, dos grandes e médios partidos, o único consistente e politicamente sério; o resto, do Bloco ao CDS, é a pastelaria do costume. Mas a seriedade do PCP no que respeita à História, dispenso-a eu bem. Tenho exemplos para a troca, caso seja preciso, todos nacionais.
Desejo a Rita Rato o maior sucesso. É claro que não precisa de ser historiadora para dirigir o Museu (e ser militante do PCP não é cadastro, antes pelo contrário), precisa tão-só de ser interessada, que qualidades tem-nas, certamente, deixar o cartão do Partido à porta e perceber que há mais mundos, citando o grande José Régio, também ele oposicionista e resistente, aliás duma coragem moral e cívica assinaláveis.
Mas é preciso estar atento, para evitar não só a tentativa de apropriações -- sem deixar de reconhecer o papel do PCP nessa mesma Resistência -- e manipulações da História. Espero, por isso, que Rita Rato desminta todas as desconfianças e cale as bocas da reacção. Porque não me apetece nada dar razão aos observatórios & outros lavatórios.


14 comentários:

Jaime Santos disse...

A sua costela anti-neoliberal levou o melhor de si, meu caro. O PCP é consistente mas não é seguramente politicamente sério, justamente pela razão que aponta, a sua desonestidade em relação à História.

Toda a gente em Portugal trata o PCP com a condescendência com que se trata aquele tio que tem umas ideias estranhas mas que lá no fundo é boa pessoa e até tem uma história de vida engraçada. E depois, de qualquer maneira, ninguém lhe dá as chaves do cofre onde estão os tesouros da família, por isso ele não representa um risco para ninguém...

Eu cá acho que, fervor religioso de quem dedicou uma vida inteira a uma causa para a ver ruir como um castelo de cartas aparte, temos que o levar a sério.

O PCP define-se como soberanista, na linha dos nacionalismos progressistas que venceram as lutas anti-coloniais e da própria doutrina anti-imperialista de Lenine, esquecendo as vezes em que a URSS esmagou as lutas nacionais, exemplos egrégios são a resistência dos alemães em 1953, a revolta de Budapeste e a Primavera de Praga. E nem vale a pena falar da partição da Polónia entre Estaline e Hitler.

Não me lembro de os ver protestar em qualquer destas ocasiões.

E nem sequer tenho a certeza relativamente à consistência da doutrina, com franqueza. João Ferreira declara que o PCP se revê na CRP de 1976 (e o programa do PCP é social-democrata), mas que eu saiba, o PCP apoia as ditaduras de Cuba, da China, da Venezuela e por aí a fora e celebrou o centenário da revolução de Outubro e os 150 anos do nascimento do dito Lenine, seguramente um dos maiores criminosos do sec. XX.

E se é para se ser anti-capitalista, ao menos o BE é consistente. O PCP, em relação a Angola, regime capitalista e cleptocrata, baixou sempre as calças, tal qual os Partidos do Centrão.

Lá no fundo, o PCP continua a sonhar com a 'democracia avançada', eu prefiro mesmo esta democracia burguesa que temos, com neoliberalismo e tudo e os Partidos do Centrão que são bons para se fazerem negócios.

Tenho respeito pelo sacrifício dos militantes comunistas na luta contra a ditadura. Tenho respeito também pela obra de alguns autarcas comunistas. O resto é para esquecer.

Isto dito, obviamente ninguém deve ser discriminado por ser militante do PCP. Só que no caso, não vejo que currículo é que esta senhora tenha para ocupar um lugar para o qual, ainda por cima foi aberto concurso, quando nem sequer havia obrigação, pelos vistos. Uma nomeação política às claras ainda se engole, uma fraude como esta nem pensar...

Não é historiadora. Muito bem, não precisa de o ser. Há alguma atividade que se lhe conheça ligada à gestão de museus, à curadoria de exposições, etc?

E depois, lá está, para ela o Gulag nunca existiu... O que eu espero de alguém que é diretora de um museu da Resistência e Liberdade é que saiba desde logo o significado deste último conceito e que saiba sobretudo reconhecer quando ela não existe.

Há declarações que dizem mais que livros inteiros...

É tiro ao comunista? É. Só que calha de ser verdade...

R. disse...

Meu caro, essa do tio foi cruel.

Quanto a Angola, é preciso ver que o MPLA nasce do PCP, ou seja, vários dos seus militantes, a começar por Agostinho Neto, que ao contrário do que diz o Agualusa não era um mau poeta.

Eu reafirmo sinceramente o desejo de que faça um bom lugar e que resista à tentação de se apropriar da Resistência, cujo papel ninguém tira ao PCP, mas, como disse, não se esgota nele, a começar pelo anarco-sindicalismo, de onde, de resto -- e originalidade portuguesa -- o próprio partido provém.

Jaime Santos disse...

É uma pena que o PCP e o BE não se re-apropriem dessa herança radical e insistam num modelo estatista de nacionalizações de maneira exclusiva. Terão sempre que as defender, bem sei, mas não vejo nada para além delas.

Cabe lembrar que depois de Thatcher ter chegado ao Poder porque esse modelo se esgotou na Grã-Bretanha e de ele próprio ter sido experimentado por cá e falhado, Mitterrand e os seus ainda o aplicaram em França com as consequências que se conhecem (acho que Chevènement, socialista soberanista respeitável, chegou a apodar o PS de traição por não ter prosseguido nessa via). O resultado é Macron.

Bem pode Emanuel Todd escrever catilinárias contra a elite neoliberal que governa a França, que o mal foi feito nos idos de 80...

Querem abrir a porta à Direita Neoliberal? Apliquem um modelo que falhe... A Alemanha nunca alinhou em tentações colectivistas e o seu modelo social e de gestão das empresas (com a co-gestão, que o PS tem no programa mas ainda não aplicou) é bastante melhor que o britânico ou o francês.

Mas pelo menos o BE é consistente enquanto Partido anti-autoritário. Sim, entendo bem o compromisso do PCP com as lutas anti-coloniais e a ligação histórica ao MPLA, mas o MPLA de Eduardo dos Santos não tem nada a ver com o original (espero para ver se Lourenço fará a diferença, ou se se limita a aplicar a táctica marxista habitual de purgar os adversários acusando-os de corrupção).

E depois, a questão nem sequer tem que ver com a interferência na soberania de Angola e sim com o uso de Portugal como plataforma de negócios por uma elite corrupta angolana. Em Portugal ainda manda o povo português e a lei portuguesa. Belo soberanismo o do PCP, que só serve para arengar a UE...

Eu tomo a ideologia do PCP a sério, não tenho que fazer como António Costa que precisa dele (e também porque gosta dos comunistas, o Pai era um) e tratá-lo com o paternalismo com que tratamos esse tal tio excêntrico...

Claro que se ela continuar (o concurso será seguramente contestado em tribunal) o que se espera é que faça um bom lugar, de acordo com quem a escolheu parece que apresentou um bom projecto (ver a notícia de ontem no Público). Mas o processo deixa-me as maiores dúvidas...

R. disse...

Só duas notas, meu caro.
Primeiro, também eu tomo a ideologia do PCP a sério, e mais, a sua prática.
Segundo, ao contrário de si, não tomo nada a sério o putativo antiautoritarismo do BE.

Jaime Santos disse...

Não sei, de facto as tradições que fundaram o BE são todas autoritárias. Mas ao menos vejo este Partido como crítico dos esquerdismos com vocação anti-democrática.

Se o faz por oportunismo ou por convicção, é algo que não sei avaliar. Mas respeito a capacidade de análise de um Louçã, muitos pontos acima da sua prestação como líder político (ainda assim sem as tentações populistas de Catarina Martins, muito mais eficaz na luta política do que ele).

Mas não se deixe levar pela tendência que o BE tem abraçar as chamadas causas fracturantes. Em primeiro lugar, fá-lo com convicção e merece que lhe reconheçam a coragem de ter estado a pregar sozinho muitos anos pela IVG, casamento entre pessoas do mesmo sexo, etc (ou antes dele um Partido como o PSR). O tempo deu-lhe razão (o PCP, por oposição, é socialmente conservador). Em segundo lugar, goste-se da forma com que são tomadas tais posições ou não, essas causas são libertárias,

Quanto ao próprio PCP, enquanto o soberanismo de Esquerda de cariz social-democrata é uma posição perfeitamente respeitável (exemplo é alguém como o já referido Chevènement, não um troca-tintas como Melenchon, aconselho-lhe uma série deliciosa francesa, Baron Noir, em que todos estes protagonistas são caricaturados, sob pseudónimo, claro, de forma verrinosa como só os franceses sabem fazer), muito embora lhe falte a substância de uma política económica consistente com o mundo de hoje, o marxismo-leninismo é um projecto político ditatorial (o marxismo tem, penso eu, utilidade enquanto instrumento de análise do capitalismo).

O PCP nunca foi capaz de romper com este último e abraçar integralmente o primeiro. Mas, se o tivesse feito, já não seria obviamente um Partido Comunista e provavelmente teria desaparecido.

Reconheço isso, mas esta posição esquizoide não é mais do que oportunista... Claro, todos os Partidos são oportunistas, a começar por PS e Costa, um liberal disfarçado que usa a Esquerda para prosseguir um projecto de poder centrista, mas sucede que nenhum outro, excepto o Chega, procura disfarçar tiques totalitários debaixo de vestes democráticas...

Rui Tavares, no Público de Sexta, considera aliás que o único impeditivo sério a que Rita Rato assuma funções não é a sua falta de experiência na gestão de museus mas sim a sua posição dúbia (chamemos-lhe assim) sobre o gulag...

R. disse...

Caro, o PCP foi o pioneiro da despenalização do aborto.
Sim, ou é leninista ou é outra coisa; embora comunismos, como sabe existam vários.
O Chega está a investir foetemente nisso; se os fascistas tomassem o partido deitariam o Ventura bordafora quando deixasse de ser útil.
Sim, concordo com o Tavares.

Jaime Santos disse...

Sim, eu sei, mas esse pioneirismo não lhe retira o seu carácter de Partido com uma militância socialmente conservadora. O PSR era um Partido Trotskista, mas com um pendor libertário.

E sim, os comunismos são legião, mas os outros são essencialmente curiosidades históricas. Se o PCP optasse por um soberanismo de cariz social-democrata com a intenção de reforma e posterior superação do capitalismo (não imagino como isso poderia parecer) deixaria de ser comunista.

Até porque é a ideologia (marxista-leninista) que verdadeiramente lhes dá a identidade, coisa que para os militantes do PS ou PSD, por exemplo, é mais ou menos irrelevante, o que interessa é o que a cada momento é mais eficaz na conquista do Poder. Aliás, o PSD sempre se afirmou como um catch-all party, o PS é-o na prática desde Guterres...

Na minha modesta opinião, os conflitos internos no Chega são areia nos olhos dos tolos. Ventura é fascista na prática e na retórica políticas, pouco se me importa o que eles lá por dentro andam a discutir. O Partido é um veículo para o seu chefe e os radicais, a existirem, dão jeito porque ele passa por moderado...

A Direita pura e dura tem naturalmente tanto direito à vida como qualquer outra tendência política. Aliás, o soberanismo anti-europeu dessa Direita é bastante mais consistente politicamente que o da Esquerda, porque não é um mero veículo para contestar o capitalismo e propor políticas estatistas que falharam no passado. A Direita Tory britânica tem ideias na cabeça. São péssimas, acho eu, mas merecem que se olhem para elas como consistentes.

Mas não é nada disso que interessa ao Chega, e simplesmente usar as guerras culturais e o 'dog-whistling' para chamar votos...

R. disse...

Francamente não sei se os jovens comunistas são socialmente conservadores; os velhos há muitos que o são, outros não. Depende das origens sociais dos militantes, parece-me, referindo-me a esses mais velhos.

Quando «A Batalha» apareceu, em 1919, um dos seus objectivos era eliminar a homossexualidade, vista como manifestação de decadentismo burguês. As gerações renovam-se e com elas a visão do mundo e as ideias.

Quanto ao Chega, não estava a falar dos que lá estão; nem sei se há lá fascistas; mas sim se, eventualmente, os fascistas que por aí há tomassem aquilo.

Jaime Santos disse...

Não estava a tentar dizer que o PCP de hoje se parece com o do Passado. Simplesmente que não se deve esperar que esteja na vanguarda de certas causas sociais, como se viu pela posição em relação à eutanásia. Tem aliás todo o direito de não o fazer.

A defesa dos direitos dos homossexuais, a eutanásia, etc, são causas individualistas, para bem ou para mal, adquiriram proeminência depois de 1968 (um movimento individualista, não admira que muitos se tenham depois tornado mais ou menos neoliberais).

O PCP está nos antípodas disso. E o próprio hedonismo burguês dessas gerações está muito longe da moral ascética do revolucionário. O Jerónimo de Sousa continua a viver com bem pouco.

Já essa componente libertária faz parte das correntes fundadoras do BE. É isso que eu queria dizer, nem sequer critico a posição do PCP nessa matéria.

Quanto ao Chega, é evidente que não se trata de um Partido de camisas negras, os tempos são outros. Como Orwell dizia 'when the fascists come to Britain, they will be wearing bowler hats'... Os fascismos, como os racismos, têm hoje outras vestes...

R. disse...

Caro, respondia-lhe ontem de madrugada quando a ventania cascaense fez a net ir abaixo (assim julgo eu…).

Vou, portanto, pegar na sua última frase, "Os fascismos, como os racismos, têm hoje outras vestes…", que era onde eu estava…

Talvez por defeito ou virtude de formação, ou porque, por devoção, gosto de respeitar as palavras, sou um pouco avesso ao seu abastardamento semântico. Não sendo um especialista na matéria, sempre adianto que o fascismo é um movimento político tipificado, com as suas variantes locais.
Tenho razoáveis convicções sobre a incorrecção de classificar o Estado Novo como regime fascista, não obstante algumas macaqueações quando, nesses pestilentos anos 30, todo o autoritário antiliberal e anticomunista estendia o bracinho. Do mesmo modo que o Hitler levou tão longe o modelo italiano, que o horror daqueles paranoides simplesmente resiste a ser descrito como fascista.

Portanto quanto ao espertalhão do Venturita, não merece quanto a mim o apodo. É que um fascista não quer tachos, quer o poder e subordiná-lo ideologicamente. Este Venturita, embora possa ter algum substracto hiperconservador, não passa dum habilidoso para analfabetos.

Quanto ao racismo: reafirmo: a discriminação não existe por ser-se negro, existe por ser-se pobre. A pobreza, também de espírito, discrimina a pobreza da sua igualha (ver os casos dos porteiros das boîtes, puro lúmpen); e depois há a classe dominante, composta quase exclusivamente por brancos. O 'racismo' está aí.

Jaime Santos disse...

Existe uma tese interessante de que os novos populismos, pelo menos no que a Trump diz respeito (mas que é visível noutros protagonistas em diferentes latitudes), não passam de neo-patrimonialismos, tentativas de captura do Estado para o favorecimento privado (como se isso já não fosse o vulgar de Lineu no capitalismo, mas compreendo o autor, estes novos protagonistas levam essa captura ao paroxismo). Ver:

https://newleftreview.org/issues/II114/articles/dylan-riley-what-is-trump

Eu tendo a concordar com esta Tese (sublinho o tendo).

É evidente que, estritamente falando, o fascismo é um movimento social datado, caracterizado por um certo ideário e por um conjunto de características que não existem nos modelos populistas de Direita actuais e que reflectem tal ideário: Partido de Massas, Militarismo, Imperialismo, Racismo, Intervenção do Estado em todos os aspectos da vida social e económica, Corporativismo, etc.

Visto dessa perspectiva, nem o Estado Novo é fascista (não devemos esquecer que o movimento de Rolão Preto foi extinto por Salazar, por exemplo).

Mas tal tese enferma, na minha modesta opinião (e não sendo eu sequer da área da História, mas vá lá, isto não é propriamente um programa da televisão pública), de um pressuposto errado, que é o de querer dar aos fascismos uma coerência que eles não têm.

Pinochet era fascista? Não, se olharmos para a política económica (chamando os Chigaco boys, mas mantendo indústria nacionalizada por Allende nas mãos do Estado), mas indiscutivelmente sim se olharmos para a repressão...

Parece-me aliás, em relação a todos os autoritarismos, os de Esquerda incluídos, que a coerência ideológica é sempre subordinada à conservação do poder. Por isso é que Bakunine, ao criticar a ditadura do proletariado disse que o objectivo de uma qualquer ditadura era simplesmente perpetuar-se.

A Coreia do Norte é um Estado Comunista ou uma Teocracia onde o primeiro Kim ainda é Presidente Eterno do País :-) ?

Ventura é um aventureiro e um oportunista que não parece para já ter qualquer espécie de coerência ideológica (desdisse o programa do Partido que queria privatizar tudo, incluindo o SNS). É um católico (?) que acredita em Fátima, enquanto se acotovela com evangélicos (que detestam o catolicismo romano, que consideram uma forma de idolatria) e que escreveu maus romances mais ou menos pornográficos e com erros ortográficos. Conta entre os seus dirigentes alguns com o passado muito duvidoso do ponto de vista criminal, enquanto denuncia a corrupção dos outros Partidos.

Mas a mim a sugestão do confinamento de uma etnia inteira, com franqueza, chega-me. É algo que nem os fascistas sugeriram, que eu saiba, só mesmo os nazis... O que eu quero dizer é que o seu grau de oportunismo e de exploração dos ressentimentos faz dele alguém mesmo muito perigoso...

Mais, a ausência de coerência não é sequer defeito, é feitio. Quando se explora ressentimentos, não se está à procura de qualquer fio condutor, está-se a seguir o preconceito que muitas vezes não segue qualquer lógica...

Trump é racista nas relações pessoais que tem com negros e judeus? Se calhar não, mas que importa isso se explora o ressentimento racial em relação aos mexicanos? Como eu disse uma vez, isso é ainda pior do que alguém que acredita piamente na desigualdade natural entre 'raças'. Uma pessoa assim pode ser honesta, estar enganada e se lhe apresentarmos os factos, poderá mudar de opinião. Olhe para a história comovente de George Wallace, por exemplo...

Quanto ao nosso racismo, lamento mas discordo. A cor da pele ainda faz diferença, os pobres brancos e os outros não são tratados da mesma maneira e o racismo dos primeiros em relação aos últimos é aliás um dos veículos que alimentam tipos como Ventura... Isto sem querer dizer, bem entendido, que o preconceito racial não existe nas classes médias e altas...

R. disse...

Caríssimo,

mais uma vez obrigado pelo longo comentário, pelo artigo, que pelo que já lime parece, antes de mais, útil, e pela referência ao governador do Alabama, que até agora desconhecia.

Eu creio que o que aproxima os diversos populismos do fascismo é a brutalidade, a começar pela brutalidade do discurso; mas não é suficiente -- o fascismo e o seu extremo brutal, o nazismo, caracterizam-se pela militarização civil, passe o paradoxo, e pelo uso de tropas de choque. Enquanto tal não se der, não creio que um discurso radical boçal possa ser suficiente para qualificar determinada força como fascista, só por si -- em especial no caso evidente do Chega (e o Chega, para mim, talvez erradamente, é o Ventura), em que ali não há a mínima convicção, apenas oportunismo do mais reles. Estou convencido, por exemplo, de que se o Alberto João Jardim aparecesse agora, seria tratado de populista para baixo. O salazar, talvez para inglês ver (para italiano e alemão ver) deixou-se sugestionar nos anos 30 pelo folclore facho: Legião e Mocidade portuguesas, saudações canhestras de braço no ar. Mas, como bem diz, suprimiu logo o nacional-sindicalismo do Rolão Preto, e nunca deixou que se traduzisse o "Mein Kampf", e havia muita gente com vontade, a começar pelos próprio governo alemão, que por cá distribuía gratuitamente a sua propaganda. (Já lhe fale naquela agendazinha, um mimo nazi que guardo na minha secratária…).

O Pinochet, fascista? Parecia, de facto; mas eu prefiro designá-lo como um militar católico brutal -- além das características pessoais, a começar pela condição de traidor e a acabar na de trampolineiro fugindo em cadeira de rodas ao longo braço do por nunca demais exaltado Baltazar Garzón -- um verdadeiro juiz, ao contrário doutros, que um espertalhão aqui da minha terra quis amalgamar.
Pese as suas diferenças, os estados comunistas são todos miseráveis, a começar pela miséria moral (União Soviética). A Coreia do Norte, cuja realidade desconheço para além da propaganda e lido aqui e ali, sem grande empenho, reconheço, é uma monarquia que se serve do partido. A História reconhecerá o período como o da Dinastia Kim, certamente valorizando este aspecto de utilização do partido para perpetuar uma família no poder.
O Ventura: seremos obrigado a perder tempo com ele pela inacção dos órgão judiciais do Estado, talvez também infiltrados. Parece que agora querem ouvi-lo devido à idiotice da saudação fascista… Um palhaço, enfim, mas cada vez mais perigoso, à medida que o deixar-mos vicejar. Ou se corta com aquilo já, enquanto só tem um deputado, ou depois poderá ser demasiado tarde. Ou não: o Poder tem sempre encantos amaciadores, é como o meu xampô…
Quanto à questão do racismo, mantenho a minha posição, provavelmente influenciado pela realidade em que vivo, normalíssima, mas que de facto não é no meio do lúmpen cívico e mental.
Não me vou alongar; mas vou aproveitar este diálogo para um postzito…
um abraço

Jaime Santos disse...

Mande sempre, porque é um prazer lê-lo, mesmo quando discordamos o que também é quase sempre :) ... Mas concordamos no essencial, que é o apego aos valores liberais de velha cepa...

R. disse...

Obrigado, e novo abraço.