domingo, abril 06, 2025

os debates da pré-campanha e o Conceito Estratégico de Defesa Nacional

Estamos num momento raro em que a realidade se altera diante dos nossos olhos e em que tudo pode estar em causa, incluindo as próprias Nato e União Europeia. Sobreviverão? Não sabemos. E se sim, de que forma, com que relevância?

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional, cuja última revisão data de 2013, está datado e desactualizado. Mas há duas coisas que não mudam: a Geografia, mais ou menos desde a Pangeia -- estaremos sempre no extremo ocidental do continente euro-asiático, na Península Ibérica, virados para o Oceano Atlântico --; e a História, o que passou e nos deixou vínculos extra-europeus, sem os quais a nossa identidade não se completa. Eu sou mais português quando me relaciono com angolanos, brasileiros, moçambicanos, caboverdianos, etc. e Portugal, que afirmou a sua independência em 1128, e é estado, nação, língua, cultura -- e parece querer continuar a sê-lo -- é muito mais pequeno sem esse vínculos que se organizam em torno da CPLP. Esta é tão importante para nós quanto a União Europeia -- pois se há coisa que também somos -- muito antigos e decisivos na história do Velho Continente --, se há coisa que também somos e nunca deixaremos de ser, é europeus.

Mas não basta querer, é preciso saber e poder. Por isso, numa situação tão volátil e incerta, nestes debates deve ser perguntado aos líderes partidários de que modo concebem a independência de Portugal no actual quadro e que fazer no caso de uma desagregação das organizações que integramos, nomeadamente UE e Nato.

É evidente que o país tem problemas gravíssimos -- mas nenhum interpelará tanto o país como o que se pode estar a desenhar. Portugal tem interesses permanentes, entre a Europa e o Atlântico. O que têm os líderes políticos a dizer? E que perguntas têm os jornalistas a fazer? É o que veremos, a partir desta segunda-feira nos debates.


serviço público - Viriato Soromenho-Marques

 "A União Europeia perdeu a alma e o rumo» -- aqui.

sábado, abril 05, 2025

correspondências

 (Frei João Álvares aos monges do Paço de Sousa, 1467) .../... «E esto podemos veer por exempro nas cousas naturais assi como é a cabeça, a qual, posto que seja a mais alta parte do corpo e a mais principal, nem pode porende estar sem o ofício e serviço dos outros nembros, e per essa mesma guisa os outros nossos nembros sem a sua cabeça se nom podem manter nem governar, assi que nem a cabeça aos nembros, nem os nembros à cabeça poderão dizer: "Eu poderei viver sem ti", porque será mintira, mas que um nom pode escusar o outro, como é verdade.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965)

Django Reinhardt, «Nuages»

sexta-feira, abril 04, 2025

a autobiografia de Eric Hobsbawm - II. frases

6. «O jazz introduziu a dimensão de uma emoção física isenta de palavras e de interrogações numa vida sob os seus demais aspectos quase monopolizada pelas palavras e pelo exercício intelectual.»

5. «A seguir ao sexo, a actividade que combina no máximo grau a experiência corporal e a intensidade da emoção é a da participação numa manifestação de massa em condições de extrema exaltação cívica.»

4. «Vivíamos a bordo do Titanic, e toda a gente sabia que o choque com o iceberg se avizinhava.»

3. «O sonho da Revolução de Outubro permanece algures vivo em mim, nalgum recanto da minha intimidade, como se se tratasse  de um desses textos que foram apagados, mas que continuam à espera, perdidos num disco duro de um computador, que um especialista apareça para os recuperar.»

2. «Não tenho qualquer obrigação moral de observar as práticas de uma religião ancestral e muito menos de servir o pequeno Estado-nação militarista, culturalmente frustrante e politicamente agressivo, que solicita em termos raciais a minha solidariedade.» (sobre Israel)

1. «A minha vida desenrolou-se ao longo de quase todo o século mais extraordinário e mais terrível da história humana.»

(continuação daqui)

Eric Hobsbawm, Tempos Interessantes -- Uma Vida no Século XX (2002) Trad. Miguel Serras Pereira, Porto, Campo das Letras, 2005

charlatanismo woke e jornalismo gasoso

Não vi, nem me interessa ver, a entrevista de Boaventura Sousa Santos dada há dias na televisão; tenho lido nos jornais os ecos. Por vezes até concordo com alguns dos seus pontos de vista, mas trata-se de um guru, susceptível de adoração e adulação (e agora de execração) o que me provoca sempre urticária. Depois, é um inoculador do vírus woke aqui na parvónia. O que lhe tem acontecido -- acusações de assédio sexual, aproveitando-se do poder que detinha -- é simplesmente grotesco. E das duas, uma: ou o homem é um reles charlatão, que faz o contrário do que apregoa, ou é vítima de uma cabala e lavagens cerebrais em que ele era o sumo-sacerdote da seita. Não estou grandemente interessado no assunto.

Anteontem no Diário de Notícias, surgiram relatos de alegadas vítimas suas e do antropólogo Bruno Sena Martins. Se ambos forem inocentes, nada poderá reparar o dano. Mas não é a propósito disso que quero escrever, mas sobre o veneno inculcado por esta espécie de sacerdotisos. A certo passo, uma das eventuais vítimas referia-se aos seminários de Verão na Curia como (cito de memória) sessões de descolonização das mentes e da luta contra o fascismo, o capitalismo e o patriarcado. Não é de rir? Como se perde tempo e gasta dinheiro público com parvoíces. E depois queixam-se do Trump...

Também é particularmente cómico que Sena Martins, tendo revelado a prática de um ménage à trois consensual -- parabéns para ele --, seja citado num questionário de Proust do Público, segundo o qual,  a qualidade que mais aprecia no homem e na mulher, seja   (de memória, outra vez) qualquer coisa como o desprezo profundo por manifestações de masculinidade, ou coisa que o valha. Poderia ter falado em marialvismo, que é a masculinidade de grunho.

Nem de propósito, no DN de ontem, aproveitando o balança da tal série que anda nas bocas do mundo, "Adolescência", creio -- que tem que ver com patologias psíquicas e sociais -- surge com este título, entre aspas: "'A masculinidade mata os homens'", com perorações no interior de vários júliosmachadosvazes, assim, sem sequer direito ao adjectivo substantivado "tóxico".

Mais: apresenta-se o crime de violação como prática de masculinidade. Fiquei sem saber, pois, que raio é isso de masculinidade, mas sei que desvios sexuais como violação, pedofilia, entre outros, são manifestações doentias e patológicas da personalidade por via sexo, que merecem tratamento psiquiátrico e eventualmente internamento compulsivo. O que raio tem isso que ver com 'masculinidade'?

Mas nada desta terminologia é para levar a sério. Não passa de charlatanismo pseudo-científico de que se nutre uma boa parte das chamadas "ciências sociais", lixo académico, portanto, que não serve para nada, a não ser aos maluquinhos da ideologia de género -- o que quer que isso possa ser e a quem possa interessar que não sejam as criaturas que se chateiam que possa haver muita e boa relação homem-mulher a vários níveis, não tendo ele que ser um pé-de-salsa ou ela um estafermo. E normalmente chateiam-se porque não gostam de si próprias. A psicanálise costuma ser útil. 

Talvez seja altura de dizer várias coisas -- ou até de repeti-las, como, por exemplo, que qualquer homem decente é feminista, qualquer homem que ama, gosta, aprecia mulheres, por tudo o que são e representam, qualquer homem que deseje uma mulher, é, tem de ser feminista -- se não for um traste --, e é claro que há muito traste  por aí, aliás de ambos o s sexos; e é verdade que vimos de uma sociedade asquerosamente machista, e nela fomos educados. No entanto, lutar pela justiça, direitos humanos e igualdade na complementaridade entre homens e mulheres não é incompatível com a virilidade do homem e muito menos com a mais do que desejável feminilidade da mulher, para não falar da necessidade do próprio feminismo. Mas isso ficará para outra ocasião.

o que toda a gente sabe

O TPI é uma farsa.

O Orbán é um farsolas, apesar de estar do lado certo.

O Netanyahu, um criminoso de guerra que deve ser capturado.

2 versos de Carlos Queirós

«-- Que estranhas e fantásticas derrotas, / Alguém batendo à porta, malogrou!» 

«O que não aconteceu», Desaparecido (1935)

o que está a acontecer

«Embora de teimoso castanho, abanados por entalões de carretos, chicoteados e entranhados por chuvas de invernos, os batentes do portão, lassos da corrosão das cunhas cinco dos seis chumbadouros, havia muito que não jogavam nos gonzos. Franqueados como abraços, o areão e o saibro dos enxurros caldeavam-nos à terra como se houvessem botado raízes, reverdecidos.» Tomaz de Figueiredo, A Toca do Lobo (1947)

«Era nos extremos do Minho e onde esta risonha e feracíssima província começa já a ressentir-se, senão ainda nos vales e planuras, nos visos dos outeiros pelo menos, de sua irmã, a alpestre e severa Trás-os-Montes. / O sítio naquele ponto, tinha o aspecto solitário, melancólico e, nessa tarde, quase sinistro. Dali a qualquer povoação importante, e com nome em carta corográfica, estendiam-se milhas de poucos transitáveis caminhos.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

quinta-feira, abril 03, 2025

4 versos de Alberto de Lacerda

«Por que passou pelo bosque / tão amável perfeição, / se pelo bosque passava / apenas a solidão?»

«Ninfa», 77 Poemas (1955)

quarta-feira, abril 02, 2025

King Oliver's Creole Jazz Band, feat. Louis Armstrong, «Weather Bird Rag» (1923)

serviço público - Carlos Branco - "Para que serve o rearmamento da Europa?"

aqui

(para comentar e tecer considerações a propósito mais tarde)

fragmentos

«Amor da pátria é, para quem nele vive, o regaço materno em que todas as diferenciações se conformam e harmonizam, o regaço onde se preparam, através dos heróis, dos mártires, das multidões anónimas, as conquistas que aumentam a liberdade e a consciência do mundo.»

Augusto Casimiro, O Livro dos Cavaleiros (1922)

2 versos de Arnaldo Santos

«Há tanto espaço / No voo daquelas duas avezinhas» 

Fuga (1960)

terça-feira, abril 01, 2025

o que está a acontecer

«Acima do portão, na verga quase vestida pela hereira que já amortalhara a pedra heráldica, a valer de baetão que a amantasse nos lutos, ainda lá se lia uma data, 1654, avivada pelo caseiro, por mimo, no tempo da poda, a riscos de caco.» Tomaz de FigueiredoA Toca do Lobo (1947) «-- Há uma data na varanda desta sala -- disse Germana -- que lembra a época em que a casa se reconstruiu. Um incêndio, por alturas de 1870, reduziu a cinzas toda a estrutura primitiva. Mas a quinta é exactamente a mesma, com a mesma vessada, o mesmo montado, aforados à Coroa há mais de dois séculos e que têm permanecido na sucessão directa da mesma família de lavradores.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954) «Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera, subiam dois viandantes a encosta dr um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

no que ninguém acredita é que tenha sido apenas a Le Pen a fazê-lo

...por isso, intervir desta forma na política, inviabilizando a candidatura de quem vai à frente nas sondagens é mesmo um tiro no sistema liberal que muitos dizem defender, mas só quando não sai dos carris. Resultado? Crise política e moral ainda mais devastadora, transformação de Le Pen em mártir pelos meretíssimos juízes (ninguém está acima da justiça, mas Le Pen parece estar abaixo dela), aumento exponencial do voto de protesto, pró e anti-Le Pen, centro político já desacreditado em derrocada. 

A extrema-direita francesa é particularmente abjecta, apesar da lavagem de cara operada pela líder, mas se acham que é assim que vão lá, com sarkozys, hollandes e macrons -- ou com mélenchons, já agora...

4 versos de Cristóvão de Aguiar

«foste dando sinais de algum cansaço / nas palavras não -- estavam sempre à beira / de se erguerem com asas de estilhaço / e varrida ficava toda a feira.» 

«Tuas palavras de aço», Sonetos de Amor Ilhéu (1994)

segunda-feira, março 31, 2025

Peter Gabriel, «Wallflower»

6 versos de Cesário Verde

«E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras, / Correndo com firmeza, assomam as varinas. // Vêm sacudindo as ancas opulentas! / Seus troncos varonis recordam-me pilastras; / E algumas, à cabeça, embalam nas canastras / Os filhos que depois naufragam nas tormentas.» 

«O sentimento dum ocidental -- I. Ave-Marias», O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

ucraniana CCLXXXVI - preparem-se para a propaganda da guerra

Melhor dizendo, para a sua intensificação -- ou seja: 

os russos já começaram a atingir hospitais e creches, como no princípio;

o Zelensky quer-nos lá, já, para tentar limpar-se da merda que fez; 

embaixatrizes organizam chás, com a presença do PR e com especialistas de centros académicos surgidos para comentarem um estudo de um think tank lituano, ou lá o que seja, sobre a desinformação russa, levantando suspeições sobre quantos têm uma posição crítica quanto à guerra da Ucrânia;

noventa por cento dos comentadores da academia continuam os mesmos atrasos de vida, e noventa por cento dos pivôs dos telejornais persistem analfabetos;

já há cartazes motivacionais para aliciar os nossos filhos e netos morrerem na Ucrânia, para (não) resolver uma guerra criada pelos americanos, com a cumplicidade de britânicos, franceses, alemães e parceiros menores.



domingo, março 30, 2025

Byron Stripling, «Big Butter and Egg Man»

alhures

«"Esta venda é feita em bloco e mediante o preço convencionado, que o Sr. Daudet, poeta, apresentou e depositou neste cartório em moeda corrente, o qual preço foi em seguida contado e levantado pelo Sr. Mitiflo, tudo na presença do notário e das testemunhas abaixo assinadas, do que se dá quitação sob reserva.» Alphonse Daudet, Cartas do Meu Moinho (1869) - «Prólogo»

sexta-feira, março 28, 2025

serviço público - Viriato Soromenho-Marques

"Há três anos que a UE se arruína com o seu envolvimento incompetente e imoral na guerra da Ucrânia. Agora que os EUA, os grandes responsáveis por esta tragédia, lavam as mãos e fogem, com razão, de um confronto suicida com a Rússia, na UE, líderes detestados pelo seu povo, como Macron, ou a Comissão Europeia de Ursula von der Leyen (com o seu auxiliar no Conselho Europeu, António Costa) querem continuar a alimentar a guerra com a Rússia."

aqui

saiu no JL

De há  meses para cá tememos que o último JL seja mesmo o último Publica-se há 45 anos, sempre com o mesmo director (e fundador), José Carlos de Vasconcelos. Tem número óptimos, compensando largamente um ou outro menos conseguido. O seu previsível (embora ainda não anunciado) fim ser(i)á catastrófico. Duvido que possa ser substituído. Comecei a lê-lo ainda estava a acabar o liceu, e tenho o primeiro número que comprei. (Qualquer dia farei aqui uma resenha). E guardei muitos outros, sem falar nos recortes.

Enquanto se mantiver, passarei a arquivar aqui citações retiradas de cada número que entretanto se publique. Talvez possa levar alguém a comprá-lo.

«Camões viajou e viveu o seu próprio poema ao mesmo tempo que o escrevia.» Manuel Alegre

«[...] jornalismo, artes, literatura e compromisso social são colunas de um mesmo templo que, hoje, se redefine, correndo riscos de esboroamento porque a corrente da formatação desenfreada tudo parece levar à sua frente...» António Carlos Cortez 

«[...] (o mundo já foi criado para sempre.)» Carlos de Oliveira

«Perante a guerra, o que se espera de um intelectual é o exercício da sua capacidade analítica, antecipada pela procura dos dados empíricos que são as fontes primárias que alimentam o pensamento crítico.» Viriato Soromenho-Marques



JL #1421, 19-III-2025


quinta-feira, março 27, 2025

o que está a acontecer

«I. Os Rebanhos. Logo que as cabras entestaram à corte, o "Piloto" deu por findo o seu trabalho. E antes mesmo de o pastor, que lhe aproveitava os serviços, se dirigir a casa, ele meteu ao extremo da vila. Rabo entre as pernas, focinho quase raspando a terra, ia triste, cismático, como perro vadio de estrada, descoroçoado da vida. Subitamente, porém, sorveu no ar algo que lhe era conhecido.» A Lã e a Neve (1947)

«Diante dessa varanda, na claridade forte, pousava a mesa -- mesa imensa de pés torneados, coberta com uma colcha desbotada de damasco vermelho, e atravancada nessa tarde pelos rijos volumes da "História Genealógica", todo o «Vocabulário» de Bluteau, tomos soltos do "Panorama", e ao canto, em pilha, as obras de Walter Scott, sustentando um copo de cravos amarelos.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«Era uma paixão, uma paixão da alma, a mocidade na velhice, essa ânsia impotente dum coração que quer romper os tecidos atrofiados de cinquenta e cinco anos para dar quatro pulos em pleno ar.. / Quem era a vítima desta paixão impetuosa? Uma menina de quinze anos, que a leitora, enjoada das indecentes cuecas do Sr. Silva, pode ver, no segundo andar desta mesma casa, sentada a costurar na varanda, com uma gata maltesa no regaço, e um papagaio ao lado, que lhe depenica os sapatos de cordovão.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

Crosby, Stills, Nash & Young, «Our House»

quarta-feira, março 26, 2025

o que vai acontecer

«Tinha a vocação íntima da música; trazia dentro de si muitas óperas e missas, um mundo de harmonias novas e originais, que não alcançava exprimir e pôr no papel. Era esta a causa única da tristeza de Mestre Romão.« Machado de Assis, Histórias sem Data (1884» -- «Cantiga de esponsais»

regressar ao século XIX

Não passam de fariseus quantos dizem que "regressámos ao século XIX" quando as grandes potências fazem pressão sobre territórios sobre os quais têm apetência. Dar-lhes-ia razão se dissessem que à sombra do Direito Internacional agonizante, as guerras não se fizeram por procuração, do Vietname a Angola e ao Afeganistão -- ou então através da desestabilização dos regimes, usando os respectivos agentes, do Kadafi ao Navalny, sem esquecer a Ucrânia, pois claro.

Ou se o status quo pelo qual agora choram alguma vez impediu o imperialismo e a lei do mais forte, da ocupação do Tibete  ou a barbárie da guerra do Iraque, a tal das armas de destruição maciça, vistas e identificadas pelo Durão Barroso...

Que grande paciência é precisa para aturar os semi-canalhas e os hipócritas por inteiro.

4 versos de A. M. Pires Cabral

«Tivesse eu umas pernas tão altas como as tuas / e travaria contigo o ardoroso combate / -- velha guerra amistosa e sem quartel --, / para meu e teu contentamento.» 

«Fala de um cão basset a uma cadela são-bernardo com cio», Caderneta de Lembranças (2022)

terça-feira, março 25, 2025

o primeiro post

-- Vinte anos disto. Valeu a pena?

-- Eu diria que sim... Perdeu-se nuns lados o que se ganhou noutros.

-- Mas é um bom blogue?

-- Escapa, tem dias.

-- E porque não fazes melhor?

-- Eh...

hei-de ver mais tarde a entrevista do Rodrigues dos Santos a Paulo Raimundo -- parece que só deu Ucrânia

Espero sempre o pior deste ignorantão doutorado (o que mostra bem a miséria em que está parte da Universidade portuguesa -- mas miséria mesmo). 

Já me estou a rir antecipadamente pelo rol de imbecilidades que antevejo. Tenho a certeza de que não me desapontará.

Adenda: Vi. É jornalismo de compostagem: cretinismo e má-fé. Sem novidade.

4 versos de José Pascoal

«Pertences / Ao comum dos mortais / Que contam os silêncios / Pelos dedos das mãos.» 

«Na segunda pessoa», Sob Este Título (2017)

segunda-feira, março 24, 2025

diários

[14.8.1961] .../... «Esta mistura violenta de vida e de morte é, de resto, o sedimento da vida de Paris, o cadinho trágico donde dimanam as suas cristalizações de arte e de grandeza.» António de Cértima, Doce França (1963)

e se a Nato acabar -- o que têm os senhores candidatos partidários e presidenciais a dizer sobre o assunto?

A inflexão da política externa norte-americana no sentido de um isolacionismo monroviano, que poderá ir além do(s) mandato(s) de Trump e de Vance, com a concomitante partilha do planeta em grandes esferas de influência entre Estados Unidos, Rússia e China -- para já -- com uma possível (embora para já me pareça improvável) dissolução da Nato, por obsolescência;

uma União Europeia presa por arames, como está,  em que a unidade política é uma miragem e sê-lo-á sempre enquanto não se conjugar a livre, espontânea e informada adesão dos povos europeus com uma reforma política que assegure a democraticidade dos órgãos políticos europeus (a União Europeia será (con)federal, ou nunca será);

a circunstância de ninguém fazer ideia que realidades geopolíticas irão emergir com a convulsão em que actualmente vivemos, obriga tanto candidatos presidenciais, como as lideranças partidárias a serem instadas por jornalistas minimamente dignos desse nome a porem as cartas na mesa.

O que poderá estar em causa é apenas a continuidade de Portugal enquanto estado-nação independente e isso, por muito que custe perceber aos medíocres, transcende todas as questões de lana-caprina com que se entretém o espaço político-mediático.

Voltarei a este assunto, tentando reflectir sobre a estratégia política portuguesa em tempos de desagregação.

4 versos de Luísa Dacosta

«Na crista das vagas, / o embalo da lua / lembra-me os teus braços, / acorda o meu desejo de ser tua.» 

«Luar», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

domingo, março 23, 2025

serviço público - Carlos Matos Gomes

"Perante as transformações, os dirigentes europeus e os seus produtores e distribuidores de opinião encontraram-se (e encontram-se) na situação dos cães abandonados pelos caçadores após o final da época de caça e que vagueiam perdidos, reunindo-se em alcateias que procuram sobreviver." (aqui)

o que está a acontecer

«A livraria, clara e larga, escaiolada de azul, com pesadas estantes de pau-preto onde repousavam, no pó e na gravidade das lombadas de carneira, grossos fólios de convento e de foro, respirava para o pomar por duas janelas, uma de peitoril e poiais de pedra almofadados de veludo, outra mais rasgada, de varanda, frescamente perfumada pela madressilva, que se enroscava nas grades.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«O negociante representava cinquenta e cinco anos, bem conservados. No olho direito tinha muita vida; o esquerdo, porém, nesta ocasião, tinha um terçollho, e inflamado,  de mais a mais, pelo calor. / Além do dito, o Sr. Silva estava sofrendo um segundo terçolho no espírito.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«A escuridão remexe. Não se sabe bem onde o sonho acaba e começa a matéria, se é uma cidade desconforme, sepulta em treva e lavada em lágrimas, ou meia dúzia de casebres e uma torre banal. Uma luzinha alumia um Cristo aflitivo na abóboda de pedra sustentada por quatro arcos ogivais.» Raul Brandão, A Farsa (1903)

sábado, março 22, 2025

serviço público - Viriato Soromenho-Marques

"Uma das mais dolorosas aprendizagens durante estes mais de três anos de guerra na Ucrânia tem sido a de confrontar-me com o trágico declínio da honorabilidade académica e do brio intelectual, tanto nas instituições universitárias como nos meios de comunicação social." (aqui)

sexta-feira, março 21, 2025

1 verso de Armando Taborda

«O universo é perverso» 

Palavras, Músicas e Blasfémias que Envelheço na Cidade (1996)

Nat Adderley, «You Leave Me Breathless»

quinta-feira, março 20, 2025

é para isto que Israel tem o direito a existir?

Mas claro que não tem! Nenhum estado ou organização tem o direito a existir para o massacre. 

Eu, que fui por largos anos defensor e admirador daquilo, quanto mais crimes comete o bando de Netanyahu, que tem a agravante de ser um líder político democraticamente eleito, maior se torna a minha aversão ao estado judaico. 

Estado, cuja obrigação moral seria o de, mesmo defendendo-se e anulando agressões exteriores, ter um padrão moral inatacável nos princípios e na prática. 

Quando se elege repetidamente um comprovado facínora, com os resultados que estão à vista, o direito à cidadania perde-se.

Haverá sempre uns quantos atrasados mentais no universo político-comunicacional cá do burgo que agitem o espantalho do antissemitismo. Não sei se é por não terem princípios (suspeito que sim) ou se caem facilmente na esparrela montada pela propaganda governamental. Mas estão ao nível dos coitados que ainda dizem que a guerra na Ucrânia se deveu à invasão russa (É não perceber um boi...).

Quanto mais olho para os oficiais do exército israelita, mais os acho parecidos com nazis.

Por mim, e continuando a impunidade dos pulhas que têm o poder, o estado israelita não só pode, como deve acabar.

Quando digo isto, é isto.

4 versos de Dick Hard

«Este é o bode de Deus / que põe o pecado no Mundo / o sátiro dos bosques / com cheiro putrefacto» 

«A Última Ceia», De Boas Erecções Está o Inferno Cheio (2004)

o que aconteceu

«Ecoam os passos na eira deserta, abre-se a porta da cozinha e o criado atura ao lume um braçado de poda: entre estalidos, a labareda ilumina as figuras atentas, o homem seco como as vides e a cabeça toda branca; a senhora Emília metida na sombra, calada como se não existisse; os filhos, o José que é ladrão, a Rosa que acabou nas vielas; e o criado, o Manco, sempre a cantar, como aqueles grilos a quem se tira uma perna para cantarem melhor.» Raul Brandão, O Pobre de Pedir (póst., 1931)

quarta-feira, março 19, 2025

2 versos de Fernando Jorge Fabião

«És o nome em que tropeço / a água que me prende» 

«És o nome», Nascente da Sede (2000)

terça-feira, março 18, 2025

ucraniana CCLXXXVI - a vitória da Rússia e a clamorosa derrota da União Europeia em todas as frentes

Rússia: depois da cooperação com o Ocidente, veio o aviso sério de Putin (Munique, 2007), ao ver, com a invasão do Iraque, de que massa é feita aquele covil de ganância e pulhice; a resposta ao miserávelzinho agente americano que estava na presidência da Geórgia (hoje na cadeia) e às manobras de diversão respectivas no antigo espaço soviético, culminando com a apetecível Ucrânia.

A estratégia (?) norte-americana do execrável Joe Biden falhou rotundamente; a inflexão de Trump "apenas" salvou os Estados Unidos de maior humilhação (quem não se lembra deste senil a dizer de fugida a um jornalista que os EUA estavam sem munições?)

Os dirigentes da UE, esses metem nojo; antes, pela vassalagem,; agora, pela estupidez e a desesperada tentativa de fuga para a frente que iremos ver como acaba (talvez acabe com a UE, infelizmente): um Macron em perda em África, a aproveitar-se do vazio temporário da Alemanha, apoiado na desorientada Inglaterra. Dos grandes países parece ser a Itália e a Polónia (em circunstâncias diferentes) que melhor sabem o que querem (ou não querem). 

Dirigentes da UE abaixo de cão: Leyen, uma abusadora descarada, o que é uma vergonha para os líderes europeus eleitos; Costa, tão fala-barato lá como cá, zero em substância, 20 em parlapatice; para não falar das duas coisinhas que arranjaram para as relações exteriores e mantiveram a presidir ao PE. Ridículos, de mão estendida, à espera que Trump lhes dê atenção, mas fingindo que não o ouvem. Putin despreza-os, e nunca tanto desprezo foi tão merecido.

3 versos de Cristóvão de Aguiar

«em outra língua  trago um sabor / a merda ressequida -- é o medo // roendo-me às ocultas como traça»

«Ouve o meu desabafo» Sonetos de Amor Ilhéu (1992)

segunda-feira, março 17, 2025

Sócrates faz bem

Fartei-me aqui de falar sobre Sócrates e dos atrasos de vida no sistema da Justiça em Portugal. A justiça acompanha o jornalismo e a política partidária na pocilga em que transformam o país. Incompetentes, medíocres e até maus.

Estou-me nas tintas para o julgamento de Sócrates. E nauseado também. Depois de tanto tempo (nem me vou dar ao trabalho de ver quantos anos já passaram), é agora que vai haver julgamento? E, provavelmente, com a expertise que têm demonstrado, correndo o risco de ver o julgamento anulado. É mesmo isso que parece estarem a pedir.

Para já, Sócrates mandou-os à merda. É isto.

3 versos de José Alberto Oliveira

«A tarde afoga-se na marina do Vieux Port, / acontecem desavenças por tão pouco, / rosas que murcham no íntimo de Maio:» 

«Como regressei de Marselha, incólume, quase», O que Vai Acontecer? (1997) 

domingo, março 16, 2025

Camilo Castelo Branco, no dia do bicentenário

Rafael Bordalo Pinheiro
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Bairro Alto, Lisboa, 1825 – São Miguel de Seide, Vila Nova de Famalicão, 1890).

Escritor completo, cultivou todos os géneros literários: é o efabulador romântico de Romance de um Homem Rico (1861) e Amor de Perdição (1862), o escritor realista de A Queda dum Anjo (1866) ou O Retrato de Ricardina (1868), o romancista “histórico” de A Filha do Regicida (1875), o autor ironicamente à la page com o naturalismo em Eusébio Macário (1879) e A Corja (1880); é o poeta de Nas Trevas (1890); o dramaturgo de O Morgado de Fafe em Lisboa (1861); o folhetinista de cordel de Maria! Não me Mates que Sou Tua Mãe (1841); o polemista de O Clero e o Sr. Alexandre Herculano (1850) ou Vaidades Irritadas e Irritantes (1866); o memorialista das Memórias do Cárcere (1862); o crítico de Esboços e Apreciações Literárias (1865); o biógrafo de D. António Alves Martins – Bispo de Viseu (1870); o epistológrafo da Correspondência com Vieira de Castro (1874); o antologiador do Cancioneiro Alegre (1879); o historiador comprometido do Perfil do Marquês de Pombal (1882); o publicista de O Vinho do Porto (1884)…

Entre as convulsões da Guerra Civil e a agonia do Ultimato, o Portugal do século XIX, dos Cabrais à Regeneração, espelha-se na obra de Camilo. Mas, erudito, vem de trás, das crónicas vigiadas de Fernão Lopes aos cartapácios fantasiosos de Frei Bernardo de Brito; prosador exímio e mestre da língua, é herdeiro do Padre António Vieira e está também na génese de Aquilino Ribeiro; instável, sarcástico, violento e ao mesmo tempo lírico, encerra uma verdade envolta em fingimento que não deixa indiferente o leitor do século XXI.  

É um dos génios tutelares da cultura portuguesa. O seu nome próprio, Camilo, tem dimensão idêntica aos de Camões, Vieira, Bocage, Garrett, Antero, Eça, Cesário ou Pessoa. Amor de Perdição emparceira em peso e relevância canónicos com Os Lusíadas, Menina e Moça, Viagens na Minha Terra, Os Maias, O Livro de Cesário Verde, , Clepsidra, Mensagem, Andam Faunos pelos Bosques, A Selva, Mau Tempo no Canal, Sinais de Fogo, Para Sempre – clássicos absolutos. Escritores como Teixeira de Pascoais, Aquilino, Vitorino Nemésio, José Régio, João de Araújo Correia, entre muitos outros de primeira água, sentiram-se interpelados pelo génio do «colosso de Seide», dedicando-lhe estudos de amplitudes várias; também artistas plásticos como Roque Gameiro, Stuart Carvalhais, Francisco Valença, Leal da Câmara, Diogo de Macedo, Tom, João Abel Manta ou Mário Botas não lhe ficaram indiferentes.

O tempo, ele próprio – em boa parte graças aos jornais e às bibliotecas itinerantes, primeiro, ao audiovisual e aos curricula escolares, depois – encarregou-se de tornar o acervo literário de Camilo em elemento identitário dos portugueses, o que se verifica quando a cultura popular se deixa impregnar pela criação erudita, e vice-versa. Esse intercâmbio fecundo é a glória dos criadores: por um lado assegura a perenidade do seu nome e de parte da sua obra; por outro, acrescenta densidade à comunidade nacional em que o autor e os seus livros se fizeram.

O legado artístico camiliano constitui-se como património incomparável. O mesmo se passa com outras manifestações seculares equivalentes em importância: das cantigas de D. Dinis e os autos de Gil Vicente à obra romanesca dos nossos maiores escritores contemporâneos; das gravuras rupestres do Vale do Côa aos projectos de Siza Vieira, passando pelos painéis de Almada Negreiros; das sonatas de Carlos de Seixas às sinfonias de Luís de Freitas Branco e à guitarra de Carlos Paredes; dos retábulos da escola de Nuno Gonçalves às telas de Júlio Pomar, dos retratos de Columbano aos cartoons do seu genial irmão, Rafael Bordalo Pinheiro – a cultura portuguesa não é susceptível de ser apreendida sem estas, e outras, manifestações do espírito. Assim com Camilo Castelo Branco.


Texto inédito, datado de 31-V-2010

sábado, março 15, 2025

Django Reinhardt, «Blues For Ike»

fragmentos

«Quem a vida lava / Que vidas oculta?» Liberto CruzÚltima Colheita -- «Livro de Registos» (2022)

«Pátria é a soma de interesses nobres, de deveres sagrados, de justas aspirações, de puras finalidades, de ideal e sonho, em que a tua actividade e a tua ventura não diminuem, antes servem, a ventura dos do teu sangue e a das outras Pátrias.» Augusto Casimiro, O Livro dos Cavaleiros -- «Da Pátria» (1922)

«Há uma espécie de indulgência que é a indulgência do desinteresse. Uma indulgência mil vezes nefasta -- porque igualiza tudo e todos.» José Bacelar, Revisão 2 -- Anotações à Margem da Vida Quotidiana -«Prefácio» (1936)

sexta-feira, março 14, 2025

4 versos de Fernando Namora

«A infância foge dos braços / mas o peso continua: / é a vida que pergunta / quando acaba.» 

«Evidência», Marketing (1969)

quinta-feira, março 13, 2025

King Oliver's Creole Jazz Band, feat. Louis Armstrong, «Chimes Blues»

3 versos de Fernando Grade

 «A barba do cão faz anos / e nesses cabelos a crescer / ficamos todos mais velhos.» 

«Há livros perversos que mordem o pêlo do cão», O Livro do Cão (1991)


quarta-feira, março 12, 2025

3 versos de Cesário Verde

«Lembra-me, de manhã, quando nas praias anda, / Por entre o campo e o mar, bucólica, morena, / Uma pastora audaz da religiosa Irlanda.» 

«Manhãs brumosas», O Livro de Cesário Verde (1887)

terça-feira, março 11, 2025

Peter Gabriel, «Intruder» (New Blood Version)

o que está a acontecer

«Desde as quatro horas da tarde, no calor e silêncio do domingo de Junho, o Fidalgo da Torre, em chinelos, com uma quinzena de linho envergada sobre a camisa de chita cor-de-rosa, trabalhava. Gonçalo Mendes Ramires (que naquela sua velha aldeia de Santa Ireneia, e na vila vizinha, a asseada e vistosa Vila-Clara, e mesmo na cidade em Oliveira, todos conheciam pelo "Fidalgo da Torre") trabalhava numa novela história, "A Torre de D. Ramires", destinada ao primeiro número dos "Anais de Literatura e de História", revista nova, fundada por José Lúcio Castanheiro, seu antigo camarada de Coimbra, nos tempos do Cenáculo Patriótico, em casa das Severinas.» Eça de Queirós, A Ilustre Casa de Ramires (1900)

«O Sr. Silva, inquieto e resfolegando como um hipopótamo, passeava no seu escritório. O seu traje era muito simples: andava de cuecas e alpercatas de estopa com sola de cortiça. Este vestido, conquanto singelíssimo, e o primeiro talvez que se seguiu ao que trajou Adão no Paraíso, dava-lhe ares dum sátiro voluptuosamente gordo.» Camilo Castelo Branco, A Filha do Arcediago (1854)

«A torre da Sé deformou-se: o granito aliado à névoa, a névoa de mistura com a noite, abriram arcarias, alongaram as portas,  e fizeram dos restos da muralha antiga um tropel caótico. É um amálgama de realidade e pesadelo, trapos de nuvens e palácios desmedidos.» Raul Brandão, A Farsa (1903) 

a entrevista de Montenegro

Ficaria de mal com a minha consciência se, depois de ouvida a entrevista, não acrescentasse ao que aqui escrevi o seguinte: dando de barato que o PM disse a verdade e que as explicações foram convincentes, resta apenas isto: teríamos de confiar na palavra do PM de que sempre exerceu as suas funções com honestidade e que quando um potencial conflito de interesses se antevia, ele se abstinha de  tomar parte nas respectivas decisões concernentes. No entanto, resultaria bizarro se a nação não tivesse outro remédio senão a confiança na palavra dada do governante, quando esse governante, por via conjugal ou outra, beneficiou de um estipêndio a que absolutamente se deveria eximir. 

3 versos de Florbela Espanca

«Lá passa a doida cantando / Num suspiro doce e brando / Que mais parece chorar!» 

«A doida», Antologia Poética (ed. Fernando Pinto do Amaral)

4500 euros x quantos meses?

Não há volta a dar: são 4500 euros por mês no orçamento familiar, enquanto primeiro-ministro, mas já antes como líder do PSD, entregues por uma sociedade que tem negócios que dependem de confirmação estatal.  Não querem eleições? Ainda bem. Demita-se o PM e apresente o partido um nome para formar novo governo. Está o caso resolvido. Com eleições, será um merecido massacre: 4500 euros vezes quantos meses? O líder de um partido de governo a ser subvencionado por uma empresa que tem negócios com o Estado? Onde é que há ponta por onde se pegue?... Como disse António Filipe -- eleito deputado também com o meu voto, felizmente --, ninguém é obrigado a ser primeiro-ministro. 


segunda-feira, março 10, 2025

por aí


Mário Domingues

 

4 versos de Carlos Queirós

«Canto a cálida calma do teu corpo, / Deitado na praia; / A fina brisa que te ondula a saia, / O Sol que queima a tua pele!» 

de «Sete caprichos para ela», Desaparecido (1935)

domingo, março 09, 2025

«Redemption Song» (Bob Marley)

serviço público: "Portugal à deriva na tempestade -- quatro notas de leitura" (Viriato Soromenho Marques)

"Nem os fanáticos que queriam declarar guerra ao império britânico, na sequência do Ultimato de 1890, nem o furioso Afonso Costa, colocando Lisboa a ferro e fogo em maio de 1915 para enviar, por decisão unilateral, milhares de soldados analfabetos para a Flandres, se comparam à façanha do mesquinho consenso nacional que vai de António Costa a Rui Tavares, numa contemporânea demonstração da veracidade da tese de Unamuno que considerava ser Portugal um país de suicidas."

aqui

sexta-feira, março 07, 2025

Byron Stripling, «West End Blues»

defesa europeia, ou começar a casa pelo telhado

Ao contrário do que escrevem para aí uns asnos todos os dias, a unanimidade de ontem  quanto ao rearmamento europeu é muito mais aparente do que efectiva. É facílimo concordar com empoderamento (peço desculpa pela palavra horrível) europeu quando se embrulha a Ucrânia com a Gronelândia e o Árctico com o Sahel...

Quando for a doer é que se vai ver, já dizia o Shakespeare: quem comanda quem e o quê, e quem é comandado, contra quem, onde e como. Minudências...

Como até a minha boxer já percebeu, não é possível uma política externa e de defesa comum com esta União Europeia -- felizmente, acrescento, porque se é para isto, mais vale deixar como está.

Continuam sem perceber um boi, estas andorinhas do jornalismo. Mas não são as únicas (ainda ontem, ao ouvir o quase sempre lastimável debate com Agostinho Costa, malgré lui). Tenho aliás aprendido que há tetrápodes que riem e burricos que moderam.

4 versos de José Pascoal

«Pertences / Ao comum dos mortais / Que contam os silêncios / Pelos dedos das mãos.» 

«Na segunda pessoa», Sob Este Título (2017)

correspondências

(Frei João Álvares aos monges de Paço de Sousa, 1467) «Aos filhos amados em Deus, monjes do moesteiro de S. Salvador de Paço de Sousa, da ordem de S. Bento, saúde e bênção em Nosso Senhor Jesu Cristo. Certo é que Nosso Senhor Deus, por sua bondade e misericórdia, ordenou que todos assi fôssemos juntos, como somos, polo legamento da caridade, pola (qual) eu cá onde ando, e vós lá onde estais todos a reveses possamos gouvir de nossos benefícios e orações, e que eu convosco e vós comigo nos hajamos de salvar, e que todos juntamente, feitos executores do que prometemos, possamos receber a glória que nos é prometida se perseverarmos com boa obediência nos santos mandamentos da regra.» .../... in Andrée Rocha, A Epistolografia em Portugal (1965)

(José da Cunha Brochado a desconhecido, 1696) .../... «Estas reverentes vozes na fé do indulto deste dia mereçam, meu Senhor, alguma dissimulação na graça de V. Ex.ª, a cujos preceitos quer a minha obediência ter a ousadia de resignar-se. Deus guarde a V. Ex.ª muitos anos / 7 de Maio de 1696.» Cartas**

(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena, 1955) .../... «E, para que lhe não fique a menor dúvida, dir-lhe-ei só mais isto -- um dos poemas do livro, suponho que o intitulado Frente a frente, é-lhe dedicado -- bem assim como todo o livro à Sofia -- dedicatórias essas que retirei, por razões óbvias, nas cópias que mandei. Quando o livro for publicado você encontrará tais dedicatórias no seu lugar.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena*


** ed. António Álvaro Dória, 1944

* ed. António Oliveira, 2015

quinta-feira, março 06, 2025

4 versos de Carlos Queirós

«Na cidade nasci; nela nasceu / A minha dispersiva inquietação; / E o meu tumultuoso coração / Tem o pulsar caótico do seu.» 

«Cidade», Desaparecido (1935)