quarta-feira, novembro 20, 2024

o que está a acontecer

«I. Ainda que este livro não deva ser, de modo algum, uma daquelas autobiografias grotescas em que o autor relata toda a sua história desde a idade das fraldas, não posso deixar de citar a data triste da minha infância em que -- motivado pela circunstância de meu avô dormir de braços abertos -- pretendi crucificá-lo no colchão, chegando a cravar-lhe uma cavilha na mão esquerda.» António Victorino de Almeida, Coca-Cola Killer (1981) 

PRÓLOGO «(Ano 84 a. C.) Arcóbriga e Meríbriga são cidades mortas desde que os habitantes foram obrigados a descer para o vale. Abandonadas no alto dos seus outeiros, elas dominam ainda a vasta planície ondulada, mas aqui, no santuário, o deus fica-lhes sobranceiro porque este monte, que é a sua morada terrena, ultrapassa em altura todos os morros vizinhos.» João Aguiar, A Voz dos Deuses (1984)

«Conta-se também da confusa rixa que pelos finais de 1881 teve por pretexto as eleições para a câmara municipal, e dos sucessos que levaram um rico agricultor de Malange a mandar assar uma escrava para a servir aos cães. / / Pelo meio fica a primeira revolta dos Humbes e o início da conferência de Berlim.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989)

Byron Stripling, «Thanks a Million» / «Rockin' Chair» / «Do You Know What It Means»

terça-feira, novembro 19, 2024

correspondências

(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena) .../... «Deixe-me dizer-lhe, hoje, antes de mais nada, que você pensou o que era de pensar de mim -- aceito perfeitamente, sem o menor ressentimento ou conflito, a vossa decisão, e estou convencido que ela foi justa, por muitíssimo ponderada. Sabia já das decisões, e tinha a certeza que hoje ou amanhã chegaria carta sua, pois isso, e só isso, a sua amizade me devia.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena***

(Teixeira de Pascoais a Raul Brandão) «29-Maio-914 / Amarante // Meu muito estimado Amigo: // Acabo de ler o El-Rei Junot. É uma obra admirável, um grande Drama! // Brevemente lhe enviarei, manuscritas ainda, as minhas impressões sobre a sua Obra que sairão na "Águia" de Julho. Não pode ser primeiro. Tenho tido muito que fazer. Desculpe. / Com os maiores agradecimentos, sou sempre fervoroso admirador e amigo. // Teixeira de Pascoaes» Correspondência**

(José da Cunha Brochado a desconhecido) «O respeito que sempre tive e devo ter à pessoa e ao carácter de V. Ex.ª, me levou sempre à veneração de suas altas prendas pelo seguro caminho de uma pura e fiel contemplação, entendendo que, como V. Ex.ª é todo espírito e todo inteligência, mais se pagaria das respeitosas meditações da minha fé, que das intrometidas assistências da minha dignidade.» .../... Cartas*


(3) Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena (ed. António Oliveira, 2015)

(2) Raul Brandão - Teixeira de pascoais, Correspondência (ed. António Mateus Vilhena e Maria Emília Marques Mano, 1994)

(1) José da Cunha Brochado, Cartas (ed. António Álvaro Dória, 1944)

ucraniana CCLXIX-A - correcção do post anterior

 Afinal Trump manifestou-se, e de forma contundente, Ver aqui, a partir dos 9'15''.

Obrigado ao Albino M. por esta informação.


ucraniana CCLXVIII - a casca de banana posta pelos Estados Unidos à Europa, algumas notas

1. Desde o fim-de-semana que aguardo uma declaração de Trump sobre a decisão (aparentemente pífia, mais uma...) de Biden em permitir o uso dos mísseis em solo russo. Não aconteceu até agora, o que confirma a minha suspeita inicial de a decisão ter sido concertada entre os dois.  A circunstância de o filho de Trump ter vindo criticar asperamente o ainda presidente, não quer dizer nada, ou antes, poderá fazer parte da mesma táctica, que, no raciocínio que lhe estará subjacente, tem algum sentido, ou seja: Trump não quer aparecer como o líder que possa ceder em toda a linha a Putin -- já basta o que basta, da retirada vergonhosa do Afeganistão, às humilhações infligidas pelo aliado israelita, culminando na "estratégia" indigente de enfraquecimento da Rússia com a guerra que provocaram na Ucrânia, um falhanço em toda a linha, pelo menos até agora.

2. Trump, aliás, quer ver-se livre daquilo rapidamente, antes de os Estados Unidos sofrerem ainda outra e não menos grave humilhação que será a capitulação da "Ucrânia", ou seja a derrota em toda a linha dos americanos e dos seus satélites europeus. 

3. A casca de banana: um envolvimento maior da Europa combinada (UE e países Nato), depois de os americanos saltarem da carruagem em andamento. Criaturas desprezíveis como Úrsula e Borrell fazem por isso, acolitadas pelo CEO francês, Macron, e o assistente social Starmer. Scholz resiste, principalmente ao belicismo dos futuros ex- companheiros de coligação "Verdes", que, se deus quiser, serão varridos do parlamento; Meloni é uma incógnita, apesar de querer mostrar-se respeitável diante da UE e da Nato -- não só por causa do putinista Salvini, como pelas relações da Direita radical, em que sobressai Orbán. Mas isto é mercearia. O que conta é a vontade de Trump largar o atoleiro que em Biden e os seus bandidos meteram os Estados Unidos. A bandidagem de Trump orienta-se para outras latitudes.

4. Já aborrece escrever a propósito do esgoto informativo, mas a imprensa popular e popularucha, a começar pela cnn, está sedenta de sensação e de sangue. Na cnn-Portugal, talvez veiculando "notícias" da casa-mãe, anunciava-se no último domingo que França e Inglaterra já haviam dado as autorizações de emprego dos seus mísseis em solo russo, para no dia seguinte afirmarem o contrário, como quem bebe um copo de água. E já não falo em alguns comentadores que parecem bem esportulados. Haverá sempre um saco azul algures para pagar a estes mercenários do teclado.

Conclusão: o que os Estados Unidos querem é pôr-se ao fresco, deixando a Europa com o menino nos braços. Que isso possa dar início a uma guerra em larga escala na Europa, é algo que os neocons "à solta" (Carlos Branco) têm por aceitável -- e, quem sabe, até desejável para aquelas cabeças ("Fuck the EU", não é?). Mas como tenho dito, quem acredita que uma guerra entre a Rússia e as potências europeias deixariam de lado os Estados Unidos? Eu não acredito -- nem seria justo que os EUA escapassem ilesos enquanto o Velho Continente passa por mais uma destruição. Isso não vai acontecer.

2 versos de Luísa Dacosta

 «Íntima como o sangue / seja a minha lembrança em ti!»

«Três desejos breves», A Maresia e o Sargaço dos Dias (2011)

segunda-feira, novembro 18, 2024

vária

«Nesta navegação de cabotagem nomes de mulheres foram, por um motivo ou outro, substituídos pelo nome único de Maria. Nenhum mais belo: Maria cada uma, todas elas, passageiras embarcadas nas escalas, sombras fugidias no cais do porto, de porto em porto, ciranda do velho marinheiro.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1992)

«Pelo campo, patinando na terra aboborada de água, sucedem-se os regimentos, fazendo exercício, principalmente exercícios de assaltos às trincheiras. As tropas inglesas não descansam nunca. Nas trincheiras, batem-se sempre que é preciso e com uma coragem a que os alemães não sabem resistir.» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert»  (29-III-1927), Repórteres e Reportagens de Primeira Página (s.d.)

«Transplantado, não produz flor. Tem uma folhagem pequena, curta, verde retinto, mui recortada nos bordos, e agora, na Primavera, esbracejando sobre as barreiras, tolda os pegos com caramanchéis duma vaporosidade incomparável. A sua flor é o que há de mais mimoso, mais pequenino, mais aéreo: uma joiazinha coquete, que antes diríeis insecto, pela vivacidade e esbelteza da figura.» Fialho de Almeida, «Pelos campos», O País das Uvas (1893) 

Christian Godard (1932-2024), o autor de Martin Milan

Com a morte do parisiense Godard, um autor tão fino quanto colossal, desaparece um dos nomes históricos da banda-desenhada franco-belga. Se alguns dos seus trabalhos publicados entre nós -- Norbert e Kari, A Selva em Festa, O Vagabundo dos Limbos, aqui apenas como argumentista --, já fariam dele um autor relevante, é com o anti-herói Martin Milan, piloto de táxi-aéreo -- avioneta a que pôs o nome "Velho Pelicano" --, personagem melancólica, dura solitária e solidária, mas com uma ironia subtil, que serve ao autor para dar nota de uma inteligente veia humorística (Franquin, Goscinny, Morris), que Godard entra no panteão dos grandes criadores europeus dos quadradinhos (Hergé, Jacobs, Pratt, os atrás citados e ainda alguns mais). Porque Martin Milan será sempre uma das mais inesquecíveis personagens que a 9.ª arte nos deu.


Os obituários de Didier Pasamonik e F. Cleto e Pina, no JN.


6 versos de Rui Knopfli

«escuta o arranhar da vassoura / no passeio, / ouve a blandícia tónica das vozes / que sobem da rua, / atenta na canção que o negro chora / nas cordas da viola e na lonjura.»

«Espreita o inescrutável», O País dos Outros (1959)

domingo, novembro 17, 2024

onde está Tintin?...

Na década de 1930 Tintin suscitava reservas ao conservadorismo: não tinha família, não estudava, era demasiado livre. A revista Coeurs Vaillants propõe assim a Hergé uma série com crianças normais, inseridas numa família tradicional. Nascem então Jo, Zette et JockoJoana, João e o Macaco Simão, em português –, os gémeos da família Legrand, composta pelo pai engenheiro, a mãe doméstica, e um chimpanzé.

O Vale das Cobras em curso de publicação em 1939, foi interrompido e só retomado na década de 1950, pelos Estúdios Hergé, concluído por Jacques Martin (Alix, Lefranc) e Bob de Moor (Barelli, Cori, o Grumete), saindo o álbum em 1957.

Numa estância de neve na Alta Sabóia, Joana, João e Simão cruzam-se com o Marajá de Gopal, rei dum país imaginário nos Himalaias indianos. O marajá merece, por estupidez própria, figurar na galeria das grandes personagens secundárias de Hergé, que o qualificava como um Abdalá (O País do Ouro Negro) adulto. Entra em conflito com os miúdos porque estes ousam ultrapassá-lo no ski, e como se não bastasse ainda apanha com uma bola de neve em cheio na cara. Qualquer contrariedade tinha como punição mínima o açoitamento do infractor, pelo que as coisas não poderiam correr-lhe de feição, quando intervém o pai Legrand. Sanados os hilariantes incidentes, o engenheiro é convidado pelo soberano a construir uma ponte numa região remota do país. O que ambos não sabem é que o seu vizir pretende dar um golpe e ser marajá no lugar do marajá…

Mesmo a seis mãos, trata-se de puro Hergé, dando ideia, ao virar de cada página, de que Tintin vai aparecer por ali...

Aventuras de Joana, João e do Macaco Simão – O Vale das Cobras

texto e desenhos: Hergé (com Jacques Martin e Bob de Moor)

edição: Difusão Verbo, Lisboa, 1981

(Novembro, 2019)






o que aconteceu

«Depois da acabrunhadora tristeza daquela infindável viagem, daquela soturna chegada, essa alusão mental à morte recente da mãe chocou-a a pontos de sentir que ia chorar. Se a mãe fora viva, não andara ela por aí sozinha, já de noite, assim carregada, exposta a estas pequenas humilhações que todavia abatem uma rapariga tímida -- e endereçada a parentes pelo visto pouco gentis.» José Régio, Davam Grandes Passeios aos Domingos (1941) 

«André apertou na sua uma mão seca, ossuda e brusca. Agora próximo, de novo se abriu o clarão do cigarro. André mais adivinhou que viu um bigode negro e um rosto anguloso e moreno. / Os três vultos desceram o talude junto à via férrea e seguiram por uma azinhaga sombria, enfeixada entre renques de árvores de forma confusa.» Manuel Tiago, Cinco Dias, Cinco Noites (1975) 

«Ele levantara os olhos devagar, num esforço, e fora então que as ancas da mulher, assim sentada, lhe pareceram mais amplas do que quando ele estava em pé. Os seus olhos fugiram imediatamente do diabo que se escondia ali, sob as saias, redondo que nem uma abóbora; mas logo se enredaram no sorriso que a mulher luzia -- um sorriso brando e húmido.» Ferreira de Castro, A Missão (1954)

ucraniana CCLXVIII - por que cilindra os seus oponentes o major-general Agostinho Costa, aliás um homem cordato?

Tem sido uma debandada, entre o grotesco e o hilariante. Não há uma única razão para que tal esteja a acontecer, mas a principal, para este volumoso número de baixas em combate, será a da exposição pública da ignorância espessa e mediocridade crassa de uns quanto académicos & outros comentadores. Tão insuportável que os leva a fugir. 

Ora, uma das razões, talvez a principal, para estes comentadores terem ficado knock-out, é a falta de noção de que nas relações entre estados a Geografia e a História ultrapassa em muito os protagonistas de turno. Nem a Rússia ficaria quieta se fosse outro a liderá-la que não Putin, nem Trump, mesmo com a atenção virada a Oriente, deixará a Nato. Isto é o bê-a-bá que qualquer historiador percebe, se não estiver condicionado por preconceitos (sucede a todos, e a mim também).

Estes medíocres que alegadamente lêem muito mas não percebem nada -- imagino a quantidade de irrelevâncias e lixo académico que não passará debaixo daqueles olhos --, submetem as suas impressões (partindo do princípio que dali saia qualquer pensamento original e sólido) -- a uma ideia peregrina que dá às lideranças um protagonismo determinante. Acontece que sendo importantes, as lideranças nunca dependem apenas da vontade. Nas suas pobres "análises" (vamos classificá-las assim por caridade cristã) é como se se tratasse de peças num xadrez que se movem sem tabuleiro (a Geografia), e que quem as faz mover não estivesse grandemente condicionado pela História, real ou mítica, para o caso tanto faz. E quem não percebe isto -- mesmo que saiba o nome da sogra do governador da Pensilvânia --, não percebe nada. Como se tem visto, com a retirada desordenada dum batalhão de especialistas que no fundo pouco têm de especial.

o vale do riff: «Beale Street Blues» (Beltway Brass Quintet)

sábado, novembro 16, 2024

diários

«1-Fevereiro (sábado). Fiz cinquenta e três anos há dias. Como é óbvio, não acredito. Mas enfim, é a opinião do Registo Civil. Acabou-se, fiz cinquenta e três. É aliás uma idade inverosímil, a minha, desde os cinquenta. A "vergonha" da idade (que não tenho) deve vir daí.» Vergílio Ferreira, Conta-Corrente 1 (1969-1976) (1980)

.../ ... «A esta sensação de plenitude junta-se também uma ideia de plenitude que nos converte, física e mentalmente, nos seres mais felizes da criação. Entra em nós uma espécie de fenómeno cósmico de dissipação generosa, fraternal, que nos põe de bem até com todos os credos políticos e sistemas sociais; perdoando tudo, não odiando nada, desejando sòmente -- ser, sentir, pensar.» António de Cértima, Doce França (1963)

.../... «Benes era, sem dúvida, um homem de excepcional envergadura intelectual e moral. / Quem teve a ventura de ler o seu livro "Democracia de hoje e de amanhã" verificou, sem esforço, que o antigo Presidente da República checoslovaca não conseguiu, sòmente, de maneira superior, interpretar os grandes problemas do nosso tempo. Não se limitou a isso. Foi mais longe.» .../... Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955)

"Celeste dos Cravos"


Deleste Caeiro, vista por Nuno Saraiva

 

Abbey Lincoln, «How High the Moon»

sexta-feira, novembro 15, 2024

quadrinhos


Ernie Bushmiller

 

o que está a acontecer

«I. Ao cair de uma tarde de Dezembro, de sincero e genuíno Dezembro, chuvoso, frio, açoutado do sul e sem contrafeitos sorrisos de primavera, subiam dois viandantes a encosta de um monte por a estreita e sinuosa vereda, que pretensiosamente gozava das honras de estrada, à falta de competidora, em que melhor coubessem.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«IntroduçãoFolheando os livros de antigos assentamentos, no cartório das cadeias da relação do Porto, li, no das entradas dos presos desde 1803 a 1805, a folhas 232, o seguinte: / Simão António Botelho, que assim disse chamar-se, ser solteiro, e estudante da Universidade de Coimbra, natural da cidade de Lisboa, e assistente na ocasião da sua prisão na cidade de Viseu, idade de dezoito anos, filho de Domingos José Correia Botelho e de D. Rita Preciosa Caldeirão Castelo Branco, estatura ordinária, cara redonda, olhos castanhos, cabelo e barba preta, vestido com jaqueta de baetão azul, colete de fustão pintado e calça de pano pedrês.»  Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição (1862)

quinta-feira, novembro 14, 2024

jornalixo

O termo não é meu -- ao contrário do me(r)dia --, mas ainda é melhor. Não tenho nada a favor do Trump, excepto ele preparar-se para retirar os Estados Unidos da Ucrânia, espera-se, e largar à sua sorte as marionetas de Kiev e da União Europeia.*

Mas ainda tenho menos a favor deste jornalixo com acne retardado, que não se contenta em ser analfabeto, mas é também activista de causas e engraçadista, como deduzo pela inclusão de uma foto apalhaçada do presidente eleito dos americanos.

Talvez fosse aceitável se ilustrasse uma das alarvidades do homem; mas não, trata-se de um banalíssimo tema (resultados eleitorais), embora importante.

* Mas tenho imensamente imenso a favor de Tulsi Gabbard, antiga apoiante de Bernie Sanders no Partido Democrata, do qual fugiu após a chapelada interna para beneficiar a Hillary e de o partido democrata -- de resto, apoiado recentemente pelo insigne Dick Cheney --, tomado por  neocons e wokes, passar a constituir-se em perigo sério.

o que está a acontecer - homens atrapalhados

«I.Tinham dado onze horas no "cuco" da sala de jantar. Jorge fechou o volume de Luiz Figuier que estivera folheando devagar, estirado na velha voltaire de marroquim escuro, espreguiçou-se, bocejou e disse: / - Tu não te vais vestir, Luísa? / - Logo.» Eça de QueirósO Primo Basílio (1878)

«Na Primavera de 1859, comprei na estação de Santa Apolónia, um bilhete da via-férrea para a Ponte da Asseca. Saudades do campo, ânsias de sorver do seio da natureza um hausto de ar puro; e, acima disto, o meu dorido amor a quantos sítios guardavam para a minha memória do coração vestígios da infância, que tão depressa passara com as flores outra mais formosa Primavera... A que vem isto?!... É a saudade, leitor! Se a sente, se a já sentiu, recorde-se, e perdoe-me.» Camilo Castelo Branco, O Romance dum Homem Rico (1861)

quadrinhos


Robert Crumb

 

quarta-feira, novembro 13, 2024

Banda do Casaco, «Natação Obrigatória»

o que está a acontecer - escrita armada

«Um dia, numa floresta, ao entardecer, quando por sobre as frondes ressoavam as buzinas dos porqueiros, e lentamente na copa alta dos carvalhos se calavam as gralhas, um lenhador, um servo, de surrão de estamenha, que rijamente trabalhara no souto desde o cantar da calhandra, prendeu a machada ao cinto de couro, e, com a sua égua carregada de lenha, recolheu pelos caminhos da aldeia, ao castelo do seu Senhor.» Eça de Queirós, S. Cristóvão (C. 1891/1912)

em que se parecem o sionismo expansionista e o proselitismo 'woke'?

...Na profunda desonestidade intelectual e no exercício de amalgamar alhos e bugalhos, lançando a confusão nos incautos,

O sionismo expansionista racista no poder em Israel procura confundir com antissemitismo as críticas à brutalidade, selvajaria e prática de crimes contra a Humanidade perpetrados pela tropa israelita contra todos os palestinos da Faixa de Gaza. Estes agentes do massacre, da limpeza étnica -- e porque não dizê-lo, mesmo se juridicamente possa ser controverso? -- do genocídio, são os primeiros a desonrar os seus compatriotas e antepassados exterminados pela perversão nazi, maligna, patológica e cobarde -- basta ver a ignomínia da utilização da estrela de David à lapela pelo embaixador israelita na ONU. Para eles, o sagrado, a honra, a memória não existe, ou é cinicamente instrumental, intimidando os críticos com espúrias conexões entre quem os critica e presumíveis tendências ou cumplicidades neonazis. Um embuste que colhe entre os ingénuos e os burros do costume.

O proselitismo woke sempre que é criticado ou atacado na sua insanidade evangelizadora (v.g. a chamada "linguagem inclusiva"), que além de incrivelmente tonta é formalmente, ou seja, gramaticalmente errada (todes, presidenta, etc), procura proteger as suas orientações de manicómio com manobras de confusão, sempre para os mesmos ingénuos, ou apenas burros, com vénia para o quadrúpede, recorrendo a várias formas de desarmar os opositores, entre a mistificação e a intimidação, a saber:

a) misturar causas nobres, como o antirracismo, com as suas aberrações: ao associar um combate nunca terminado à discriminação racial com a promoção de idiotices como a chamada "identidade de género", procura limitar os críticos, pois ninguém bem formado quer ver-se associado a mínima tolerância para com a desigualdade em função do género, etnia, religião ou orientação sexual -- que é outra coisa, dando desta forma cobertura a obscenidades como a que sucedeu numa prova de boxe nos últimos Jogos Olímpicos , em que um homem apresentado como mulher massacrou a atleta que se lhe opunha, com justificada revolta desta, a contemporização cobarde dos dirigentes olímpicos e federativos, e o furor censório-inquisitorial dos evangelistas do costume;

b) diminuir os opositores com a classificação dos críticos como pertencentes à extrema-direita -- como há dias fez uma das irmãs Mortágua, já não me lembro qual. Truque velho que funciona com os medrosos e os videirinhos do costume, que nunca se comprometem.

c) a defesa do relativismo cultural, até onde eles próprios tiverem coragem de o fazer. Não conheço wokes que defendam a burka (talvez exceptuando uma espécie de fato de banho que deu que falar há uns anos) ou a excisão genital feminina. A tal eles não se atrevem, mas pouco escapa, em nome de um falso respeito pela identidade cultural desta ou daquela etnia, marimbando-se para o facto de em várias circunstâncias essa pseudo-assunção identitária ser uma imposição brutal, machista e aqui sim, patriarcal. Por exemplo, a obrigatoriedade do uso do véu islâmico, que todas as verdadeiras feministas contestam (aí está a corajosa e brava Narges Mohamadi), para vergonha destes activistas de pacotilha. E nunca me esquecerei, a propósito, de, num momento de grande infelicidade, numa entrevista ou programa da Antena 1, Miguel Portas referir-se a como o chador realçava a sensualidade da mulher muçulmana... deve ser por essa razão que as mulheres iranianas -- das mais belas que a Humanidade criou --, quando se apanham fora do jugo dos aiatolas mandam às malvas essa pretensa sensualidade...  

Como dizia o velho Jorge Amado, a ideologia falsifica (posso dar a referência bibliográfica, com indicação do número de página, onde este romancista e verdeiro activista anti-racista sustentou o que acaba de ser referido).

4 versos de Camões

«Por estes vos darei um Nuno fero, / Que fez ao rei e ao Reino tal serviço; / Um Egas e um Dom Fuas, que de Homero / A cítara para eles cobiço;» 

Os Lusíadas I-12 (1572)

ucraniana CCLXVII - com a Ucrânia à beira da capitulação, os amigos do Zelensky já têm chiliques em directo

Parei excepcionalmente na sic-notícias, falava o general Pinto Ramalho, a quem já ouvira abordagens sérias a respeito desta guerra. Era raro vê-lo, especialmente porque tinha em frente ou ao lado uma diversificada cópia de comentadores, entre o oportunista, o ignorante e o asno. Hoje, diante de um alucinado que já só faltava ele próprio envergar o uniforme e ir de armas na mão combater os russos na Ucrânia -- está-se mesmo a ver --, o pobre do general, certamente confuso pela insânia ao vivo -- diz que é para a defesa do mundo livre, claro que foi isso mesmo que os americanos andaram a fazer o belo trabalho dos últimos anos, a trabalhar pelo mundo livre, como é seu timbre... --, diante de tanto espasmo bélico, apoiado em camadas grossas de mistificação ou ignorância de académico marrão -- resolveu pôr fim à função, recusando-se continuar a debater.

E a débâcle ucraniana só agora se começa a ver, pese a desinformação continuar abundante. Grotesco de se assistir, mas vamos ter espectáculos destes nos próximos tempos.

terça-feira, novembro 12, 2024

o que está a acontecer - os campos das sombras

«Sobre a montada, subindo devagar a trilha pedregosa, Leonardo esmoía íntimas irritações. Não podia ser! Os galegos estragavam tudo, quer pagando quantos direitos os guardas-fiscais lhes exigiam, quer andando, na calada da noite, a fazer contrabando de peles. Ainda se aparecessem muitas de texugo e de tourão, em que os ganhos pingavam mais, sempre se poderia ir vivendo. Mas não.» Terra Fria (1934)

2 versos de José Pascoal

«Os dias andam devagar, / Ao ritmo da minha pressa.» 

«Não há-de ser nada», Sob Este Título (2017)

os 8 bateristas de Phil Collins

Todos quantos já não o podíamos ouvir  com tanta música para hit, os que sabíamos do magnífico baterista, nunca deixámos que o grande músico se esvaísse das nossas cabeças. Afinal, não devíamos tanto aos Genesis, entre 1970 e, vamos lá, 1978?...

Os oito colegas favoritos: Ringo Starr (The Beatles), Keith Moon (The Who), John Bonham (Led Zeppelin), o bopper Buddy Rich, Charlie Watts (The Rolling Stones), Nick Collins (o filho), Chester Thompson (músico de Zappa, o homem que pegou nas baquetas para Collins ir para a frente do placo, em concerto) e Steve Gadd, músico de estúdio com um leque vasto de colaborações. Um vídeo com muito bom e bem informado texto, aqui.

segunda-feira, novembro 11, 2024

o que está a acontecer - ciclos do Inferno

 «13 de Novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste... / Uma vila encardida -- ruas desertas -- pátios de lajes soerguidas pelo único esforço da erva -- o castelo -- restos intactos de muralha que não têm serventia: uma escada encravada nos alvéolos das paredes não conduz a nenhures.» Raul Brandão, Húmus (1917).

Crosby, Stills, Nash & Young, «Carry On»

4 versos de José Régio

«Como olhar-me, se eu grito que não creio / Nos próprios gritos com que chamo Deus? / Todavia, Deus sabe que em meu seio / Uma flecha de fogo aponta os céus...» 

«Poema de amor sem fé nem esperança», 

As Encruzilhadas de Deus (1936)

domingo, novembro 10, 2024

o que está a acontecer - os que partem

 1.ª parte «Sarita» I. «Novembro, 3 / Trago ainda na memória a lembrança daqueles choros, ontem, no cais, na hora da partida. Aquela mulher que gritava: ai o meu Manel, que não o torno a ver! -- E os soluços dos filhos e o desespero da velha, que só dizia: coragem, rapariga! -- e chorava cada vez mais. / E o meu Manel, com um ar idiota, a olhar para o rancho da mulher, da mãe e dos filhos e sem saber o que lhes dizer.»» Joaquim Paço d'Arcos, Diário dum Emigrante (1936)

«Automaticamente os seus dedos nodosos iam enrolando novo cigarro, enquanto o ombro esquerdo procurava suporte no tronco rugoso dum sobreiro. / A casa tinha, agora, um penacho de fumo, fumo da tarde, do jantar -- algodão-em-rama que se desfazia, flutuante, translúcido, quase azul.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

serviço público, em que, sem querer, vou parar com o Eça ao Panteão Nacional, uma acaciísse que ele não merecia que lhe fizessem

«A lição de Eça sobre a América», em sintonia com Viriato Soromenho Marques: o Eça crítico do deus-dólar (ver o texto na barra lateral), um texto publicado aos 21 anos na Gazeta de Portugal

Genial Eça de Queirós, que não merecia uma descendência acácica, que após quase deixar os restos mortais do antepassado irem parar à vala comum (ver a imprensa de 1989, principalmente o extinto diário O Europeu), vem agora, parte dela, engalanar-se de Panteão, que será para muita gente, mas não para ele.

Dar Panteão a Eça de Queirós é não ter a mínima noção do seu pensamento, é cair no ridículo, sem, naturalmente, perceber o quão ridículo se está a ser. Além disso, Eça não precisa do Panteão para nada, o país é que precisa dele, e nenhum outro sítio mais apropriado do que a mítica Tormes, longe dos gouvarinhos aparvoiçados de São Bento, criaturas pelas quais ele tinha enooorme consideração e estima.

não melhor, mas outra coisa


Já não me lembro se Todd Phillips esteve contratualmente obrigado a fazer a sequela do «Joker», ou se a fez para que outrem não fizesse um possível pastelão. A verdade é que melhor seria impossível, e por isso ele fez outra coisa -- como já vi escrito, e com o qual concordo em absoluto. É de ver e calar -- e mais não escrevo a não ser para realçar o poderoso tratamento que Hildur Guðnadóttir deu aos standards que vão entrando pelo filme.

sábado, novembro 09, 2024

o que vai acontecer

«Aquelas outras meias de seda, cinzentas, fascinavam-na. Levantou as saias e calçou-as. Olhou-se na água do riacho. Tirou-as com um suspiro. Se tivesse, como aquela porca, um idiota que lhe desse meias destas? / Procurou relembrar a sua vida. As memórias metiam sempre água e sabão.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Nesse ano, o Inverno chegou cedo. Duas semanas de nevão cobriram a serra de branco e queimaram o pastio. E foi então que começou a tragédia dos pastor velho e cansado, pai de um filho doido e dono de sete ovelhas famintas. / Dias e noites a fio baliram os animais com fome. Dias e noites, sem dormir, escutou Melo Bichão o triste balir das ovelhas.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)

«Mestre Romão rege a festa! Quem não conhecia Mestre Romão, com o seu ar circunspecto, olhos no chão, riso triste, e passo demorado? Tudo isso desaparecia à frente da orquestra; então a vida derramava-se por todo o corpo e todos os gestos do mestre; o olhar acendia-se, o riso iluminava-se: era outro. Não que a missa fosse dele; este, por exemplo, que ele rege agora no Carmo é de José Maurício; mas ele rege-a com o mesmo amor que empregaria, se a missa fosse sua.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais» Histórias sem Data (1884)

Frank Sinatra, «Mam'selle»

quadrinhos


 

sexta-feira, novembro 08, 2024

o que está a acontecer - romances sortidos

«-- [...] As pedras são todas da prumitiba, mesmo perto da torreta que leva à casa de defesa ainda se lêem uma ascrições latinas que rezam a sepultura de Dom Martim, morto de adigestão quando duma lampreiada para festejar as vitórias dos primos Barbelas. Tem a Torre trinta e dois metros de altura, é a maór da região e os degraus contam-se em oitenta e nove, com patamares de descanso. A vista lá do alto é grandiosa.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964) 

«Aqui se conta da chegada de Jerónimo Caninguili, moço benguelense, à velha cidade de São Paulo da Assunção de Luanda. E de como, enquanto Caninguili dava os últimos retoques à sua Loja de Barbeiro e Pomadas, dita ainda Fraternidade, a menina Alice soltava os pássaros do falecido pai.» José Eduardo Agualusa, A Conjura (1989) 

«Mas o marido gritara qualquer coisa: interrogativa, ela deu meia volta e viu John, que agitava um braço e abria e fechava a boca. Dizendo o quê? E Mary aproximou-se novamente do David, regressando o marido à posição anterior, a máquina preparada. "Talvez o primeiro retrato fique melhor do que o segundo", murmura Giovanni, como se fosse ele o interessado.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

Charlotte mensuel #2


 

quinta-feira, novembro 07, 2024

4 versos de Fernando Jorge Fabião

«Vives prisioneiro / de uma videira, da empa, / dos ofícios em que as mãos / prolongam a terra.» 

Nascente da Sede (2000)

quarta-feira, novembro 06, 2024

Thelonious Monk Trio, «Reflections»

ucraniana CCLXVI - e agora?

A retumbante vitória de Trump não vai deixar apenas Zelensky certamente de malas aviadas e em maus lençóis; deixa-nos também, UE, com uma relação com a Rússia em cacos. Não vale a pena repisar a subserviência e a estupidez das lideranças europeias, que, com honrosas excepções, se esqueceram de que tinham não apenas um vizinho poderoso a Ocidente, mas também a Leste -- que, seguindo a "estratégia" burra dos neocons que mandam em Washington, menorizaram o colosso russo, pobres coitados. Menorizaram a Rússia, hostilizaram-na e lançaram-na nos braços da China. Mais uma vez na história da política externa norte-americana, conseguiram o oposto do que pretendiam.

E agora as von der Leyen, a fulana da Estónia que ficou com a alegada política externa europeia, a chanfrada do Parlamento Europeu e o Costa e as suas pontes vazias e para lado nenhum?... Vamos ter cinco anos com estes tipos ou tratarão rapidamente de virar o bico ao prego, ou, melhor, serão esvaziados do excesso de protagonismo que, principalmente a Ursula se autoatribuiu, no meio dos scholz e outros macrons?

Sim, Trump é imprevisível, mas não é estúpido, e tem instinto, como se vê. E J. D. Vance, que provavelmente lhe sucederá na presidência dos Estados Unidos, tem um pensamento bastante estruturado. É isolacionista e não vai em wokismos anti-Putin. Há uns meses, ainda antes de Kamala, picava: "Queres que o teu filho morra no estrangeiro numa guerra estúpida? Vota em Biden." Eloquente, ainda mais se nos lembrarmos que Vance é um antigo combatente, no Afeganistão. 

Mais ou menos à margem: quem ainda vai atrás de televisões, centrais de propaganda como a cnn central, reproduzindo-a bovinamente? "Empate técnico", não era? Eu sempre tive um feeling de que Trump ganharia, mas nunca desta maneira. Aliás, creio que nem o próprio.

2 versos de José Agostinho Baptista

«OH crepúsculos lentos onde me suicidei no verão enquanto / no mundo aldeias e aldeias eram devoradas pelo fogo yankee...» 

Deste Lado Onde (1976)

(sempre a tempo) Camilo Mortágua (1934-2024)


 

quinta-feira, outubro 31, 2024

2 versos de José Alberto Oliveira

«Foi tudo precioso, o silêncio flutuou / e deteve-se perto de servir um mal-entendido,» 

O que Vai Acontecer?(1997) 

sábado, no Porto - AJHLP


 

quarta-feira, outubro 30, 2024

Byron Stripling, «Struttin' with Some Barbecue»

4 versos de Cesário Verde

«"Ela aí vem!" disse eu para os demais; / E pus-me a olhar, vexado e suspirando, / O teu corpo que pulsa, alegre e brando, / Na frescura dos linhos matinais.» 

«A débil», O Livro de Cesário Verde (póst., 1887)

terça-feira, outubro 29, 2024

por aí


Edward Weston, Nova Iorque. Interior
(1941)

 

tempo de romance

«As poucas pessoas do costume cumpriram religiosamente aquela invocação sentida do caseiro. Resignadas, aceitavam agora a metódica explicação. / -- Esta Torre não se sabe bem de quantos séculos podemos datá-la, mas o certo é que Dom Raymundo da Barbela (crê-se que tenha sido o primeiro grande home da família da Torre) saiu destas bandas para ajudar com os seus homes as cargas de Dom Afonso Henriques, seu primo colateral.» Ruben A.,  A Torre da Barbela (1964)

«Resoluto, Manuel da Bouça levantou-se e, pisa aqui, arrasta ali o pé dolorido, atravessou o pinhal. / Quando, porém, o outeiro, em curva suave de ventre feminino, se cosia ao sinuoso caminho que dava acesso à aldeia, deteve-se, meditativo, a contemplar a sua casita, quase debruçada no Caima.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

«Encostou-se ao pedestal da estátua, tirou o lenço da cabeça e olhou para o marido. Este baixou-se um pouco, apontou demoradamente a máquina e disparou por fim. / Mary virara-se outra vez de costas e Giovanni quis adivinhar-lhe a direcção dos olhos, acompanhá-los depois no voo extasiado que terminava na torre do Palazzo Vecchio.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

palavras odiosas

aprendizagens...

parabenizar... 

recepcionar...

ucraniana CCLXV - a fita sobre os coreanos e outras cenas cómicas

* O Pentágono, a Nato, a UE -- o pai-filho-espírito santo da Guerra da Ucrânia -- julgam assustar-nos (e assustam mesmo os mais débeis de entendimento) com a historieta dos dez mil soldados norte-coreanos exportados pelo rei da Coreia, como se aquilo interessasse para alguma coisa; é carne para canhão, como uns milhares de polacos (entre outros), alegada ou efectivamente mercenários, que estão na Ucrânia desde o princípio. Como é da História, várias vezes repetida (do Vietname a Cuba) os idiotas dos americanos lançam os adversários/inimigos nos braços dos outros, e depois queixam-se. 

* Quem acredita que o Joe Biden riscou alguma coisa na Guerra da Ucrânia, ponha o dedo no ar!   

* O Zelensky recusou-se receber Guterres. Mais uma medalha para Guterres.

* Entretanto, que raio veio cá fazer a Zelenska?...

* Na Geórgia, o "Ocidente" está também muito angustiado, tendo mesmo a francesa que ocupa a cadeira presidencial recusado aceitar a vitória do partido que está no poder. O Blinken pronunciou-se logo, o que é sempre sinal de envolvimento da CIA e doutras organizações beneméritas. Diz-se que é pró-russo. Só se fossem estúpidos não o seriam. E, que horror!, têm uma lei que obriga que as empresas que tenham acima de um determinado montante de capital estrangeiro o declarem, exactamente como sucede nos Estados Unidos e noutros países -- ultraje! Além disso, também têm para lá umas leis semelhantes às dos russos e dos húngaros (e dos polacos, mas esses já não interessa mencionar) que propõem proteger as criancinhas do manicómio woke e lgbt. Parece que lá é proibido ministrar "horas do conto" com leituras por drag queens, verdadeiro atentado à diversidade e à inclusão.

* Afinal, os russos são uns bárbaros e os norte-americanos la crème, não é verdade?

* Duas anedotas: nos tempos da Guerra Fria contava-se, com grande sucesso que na Rússia não havia homossexuais; então porquê? Resposta: "Eles não podem abrir a boca, quanto mais o cu!..." Em relação aos estadunidenses: "-- O que distingue um americano a mascar chiclete duma vaca?" "-- Hum?" "--O olhar inteligente da vaca."

* Despeço-me, com amizade e nenhuma paciência.

2 versos de Carlos Queirós

«E um silêncio caiu, suave como a neve, / Numa paisagem portuguesa.» 

«Passeio», Desaparecido (1935)

segunda-feira, outubro 28, 2024

quadrinhos


Moebius - Victor Hugo

 

2 versos de João Miguel Fernandes Jorge

«é da palavra errante que / devemos falar, da distância,» 

Sob Sobre a Voz (1971) / A Pequena Pátria (2002)

diários

«Agosto, 14  [1961] / Na esplanada do George V, às 6 da tarde. Esta sensação de estar "aqui", no centro vital (e mundano) da Grande Cidade, não encontra fundura ou medida para compará-la com qualquer outra que nos possa advir não importa em que solene paisagem ou ponto geográfico do mundo. Vivemos a vida em cachão, no cume das ideias e dos sentimentos.» .../... António de Cértima, Doce França (1963)

«JANEIRO O Bernardino Machado telegrafa-me de Madrid, onde se tem eternizado: "Fica aí? Cumprimentos". Este telegrama põe-me fora de mim. Assim este homem não tem outra coisa a dizer-me depois do que se passou! Se fico aqui? Onde quer ele que eu fique?» João Chagas, Diário - 1918 (póst., 1930) 

«Junho, 6 [1948] - Terminou há dias a longa e dolorosa agonia de Eduardo Benes. / A notícia, embora esperada, deixou-me triste. Senti, verdadeiramente, que se apagara uma luz forte nos horizontes daquela Democracia, que julgo ser a única solução para as prementes necessidades humanas, nesta encruzilhada demoníaca que é a vida dos nossos dias.» .../... Vasco da Gama Fernandes, Jornal (1955)

sábado, outubro 26, 2024

tempo de romance

«Sentado, as pernas cruzadas, uma das mãos no bolso e a outra a brincar com o lápis, Giovanni Fazio observava os passos, para diante e para trás, dum casal de ingleses. Ele -- chamar-te-ás John, decidiu -- recuar dois ou três metros, e ela -- Mary -- dirigia-se devagar para os degraus do palácio, sob o olhar indiferente do David.» Augusto Abelaira, A Cidade das Flores (1959)

«Dava a impressão de que tudo degenerava; mesmo os turistas já só faziam perguntas à toa, alimentando o orgulho com que o caseiro da Barbela desfiava aquela lengalenga sem reparar no nariz pacóvio dos viajantes. / -- Aqui estamos em frente da Torre. Meus senhores, peço que se descubram e ao mesmo tempo um minuto de silêncio pela alminha dos Senhores que já lá estão.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

«Um ponto negro, pouco maior do que cabeça de alfinete, mas tão doloroso como raiz de dente. Com muito cuidado, devagar, para que a lâmina não resvalasse, extraiu o espinho. E uma gota de sangue veio borbulhar no orifício que ele deixara. / Lá em baixo, no campanário, o relógio deu três horas.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

Abbey Lincoln, «First Song»

sexta-feira, outubro 25, 2024

o que vale é que Putin está isoladíssimo; o que vale é que temos lideranças europeias esclarecidas, verdadeiros estadistas / comentadores e alegados "jornalistas", está a chegar a hora do vómito

 





Eu só gostaria de ver alguns comentadores com a cara pintada de preto. Quanto à maioria dos alegados jornalistas, com orelhas de burro e virados para um canto.

(Não sei se repararam na expressão fúnebre do gabinete ucraniano reunido com o secretário da Defesa americano.)

quinta-feira, outubro 24, 2024

o que esperavam?

Depois de quatro anos do "genocida social" (Alberto João dixit), com Passos Coelho e o seu governo, seguiram-se oito anos da parlapatice de António Costa, e a governação para as contas públicas, o que implicou que o país esteja de finanças consolidadas mas preso por arames em tudo. Se isso é governar, vou ali e já venho. Falta de polícia de proximidade (como de professores, médicos, enfermeiros), fim dos mediadores sociais nos bairros, etc., etc. -- a juntar falta de civilidade geral, da polícia aos outros cidadãos, a potenciação da cultura de gangue e de gueto -- estavam à espera de quê, de milagres?

E é escusado virem falar de racismo, que isso é bom para a Mortágua fazer comícios no parlamento, em pendant com o Chega: isto é puro desgoverno, e que vem de há décadas, não se fica pelo genocida social e pelo parlapatão. 

CHARLOTTE MENSUEL


Reclama a herança de Charlie Mensuel, editado por Wolinski, que dizia da sua revista ser a única publicação de BD destinada àqueles que também liam outras coisas. Se Charlie apareceu sob a égide de Charlie Brown, esta evoca a praticamente desconhecida Charlotte Braun, que passou fugazmente pelos Peanuts e que Schulz eliminou (e de que maneira!...). Parece que os leitores não gostavam dela. É de aproveitar, pois mesmo na galáxia franco-belga, só a velha Spirou (desde 1938), para um público infanto-juvenil (ou todos os públicos) e a Fluide Glacial (1975), humorística adulta. Charlotte apresenta-se como a revista de todas as bandas-desenhadas, e não amostras de pré-publicações. 

 

quarta-feira, outubro 23, 2024

"a situação exige perguntas"*

Não vou pôr-me aqui a atirar postas de pescada relativamente a uma situação tão complexa e com sérios capitais de queixa, quer de moradores, pela forma como são tratados pelas autoridades (ou parte delas), quer de polícias mal pagos e certamente desmotivados, de há longos anos. 

Tenho ouvido idiotas, "especialistas" em segurança, que, em vez de analisarem os factos e darem os contornos da situação -- o mínimo exigível --, se põem a fazer comícios em estúdio. Também tenho ouvido dizer que o Estado está a falhar, porque os cidadãos pagam os seus impostos para viverem descansados ao abrigo de motins -- certíssimo, a começar pelos cidadãos que vivem nesses bairros periféricos, tão cidadãos como os demais, e com direito a não serem desrespeitados apenas pelo facto de serem pobres ou imigrantes. Porque se há certamente vandalismo, e talvez coisas ainda piores (até que ponto a balbúrdia não serve as organizações criminosas?), também a revolta e o desespero são visíveis.

Há duas entidades que devem estar a amealhar com a situação: o Chega e o seu porquito, o Correio da Manha, cuja estação televisiva se baba com os faroestes que engendra.

* Alberto Pimenta

terça-feira, outubro 22, 2024

séculos de civilização e civilidade construída não nos deixam dizer tudo o que pensamos

Nesta história da disciplina de Cidadania, não é verdadeiramente a educação sexual que incomoda as pessoas, nem propriamente a questão da homossexualidade, pois creio que hoje em dia apenas os sectores mais cavernícolas da sociedade sabem que a condição homossexual não resulta de qualquer escolha, antes se trata de uma característica congénita duma percentagem, apesar de tudo muito reduzida em termos relativos -- li algures, e há muito tempo, que abrangerá seis por cento da população. Enfim, algo natural, mas minoritário, e que deverá ser encarado com naturalidade.

O que verdadeiramente chateia a maioria das pessoas é ver os filhos nas mãos de um eventual maluco que lhes saia na rifa com rabichice tóxica. Isto é que realmente os assusta e/ou repugna. Como não podemos dizer tudo o que pensamos, sem a seguir nos matarmos, os que estão contra, refugiam-se em generalidades que lhes empresta o bom senso; e os defensores armam-se com sofismas, mentirolices -- ou fogem com o rabo à seringa.

Ontem, Catarina Martins num frente-a-frente com Cecília Meireles, passou num ápice do tema, para as grandes questões da escola pública, e quando foi interrompida já ia no magno problema da habitação...

É claro: como se pode defender o indefensável, negando a Biologia? Mesmo havendo sempre patologias, todas atendíveis, ninguém engole patranhas como o género se diferenciar do sexo devido a um "constructo" social.

Por isso, noutro debate, quando Pedro Frazão do Chega lhe escapou a boca para a verdade, referindo-se àquilo como uma "porcaria", Joana Mortágua, com a devida desonestidade intelectual (já tinha antes falado dos sinais de trânsito, da separação do lixo e da literacia financeira...), pergunta agressivamente se é "porcaria" a luta contra a violência doméstica ou o anti-racismo.  Pois, pois...

Muitos de nós, pessoas de todas as religiões ou sem religião, à esquerda e à direita, embora sabendo que a família pode ser infernal (como a escola e a sociedade em geral), sabe também que naquelas em que o amor existe, e são quase todas, não há melhor porto de abrigo para as complicações da vida. E que os que contestam a família nuclear, pais, filhos, avós, e de preferência também a mais alargada, só têm para oferecer fantasias e o salve-se-quem-puder, uma espécie de tudo ou nada, mas somente o vazio. É por isso que é na família que se educa, e não na escola, com as crianças à mercê sabe-se lá de que avestruz, e dos doutos programas congeminados pelo governo de turno, como sucedeu com esse retrocesso intelectual que dá pelo nome de João Costa.

quadrinhos

Moebius, Tenente Blueberry (1991)

 

tempo de romance

«Sempre que do portão se avizinhava mero turista ou descobridor de mistérios e o sino ficava longo tempo a retinir pela ribeira, ouviam-se pesados bate-lajedos de caseiro em movimento. / A história que o homem contava nada tinha de comum com a verdade. Era pura invenção de traz-no-bolso, lérias de almanaque recreativo para uso nos comboios do Minho.» Ruben A., A Torre da Barbela (1964)

«Então, ele colocou a perna esquerda sobre a direita, e pôs-se a examinar a planta do pé -- os olhos atentos e o indicador tacteando. Era ali... / Do bolso do colete sacou o canivete, abriu-o e começou a tirar fatias de pele dura e gretada. Lá estava o maldito.» Ferreira de Castro, Emigrantes (1928)

«Súbito, uma revoada de vozes escapou-se em surdina do âmago da igreja e derramou pelo claustros o clamor inquietante duma dolência arrastada. O murmúrio alteou-se, alastrou no silêncio, depois ficou suspenso no mesmo tom percuciente de lamentação e de queixume.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

segunda-feira, outubro 21, 2024

a ideologia é a de libertar a escola da ideologia lgbt

1. As crianças são educadas pelos pais e em família. ponto final, parágrafo.

2. O Estado tem uma missão supletiva e de defesa das crianças em risco. Ou deveria ter, se não estivesse pejado de burocratas com o intelecto em ponto-morto -- veja-se o grotesco caso de Inês Teotónio Pereira.

3. O PS, minado e vesgo (e nas tintas para o seu eleitorado) diz parvoíces, cede à técnica de amalgamar alhos com bugalhos, para além de querer marcar pontinhos políticos, encostando o PSD ao porquito do Chega. Não só se marimba em boa parte do seu eleitorado que vê com repulsa estes avanços do lóbi lgbt, como não quer saber o que defende por exemplo a Confederação das Associações de Pais. Há-de ter um lindo enterro.

4. O incomensurável ex-ministro João Costa, que se distinguiu como sec. de Estado por perseguir dois adolescentes, cujos pais determinaram que não queriam os filhos expostos a badalhoquices, tinha de reagir. É o campeão desta coisa, devidamente medalhado, apesar de ter sido um zero como ministro. É ver o estado em que deixou a escola pública.

5. Técnica do amálgama: fazer de conta que não é disto que estamos todos a falar, mas falar no ambiente, na recolha do lixo, noas regras do trânsito, no empreendedorismo... Ou, forçando a nota, falar do racismo, da homofobia, encostar a sensatez à extrema-direita.

6. No meu caso, gosto sempre de o dizer, é para o lado que durmo melhor. Não reconheço autoridade a ninguém para dizer se sou de esquerda ou de direita; muito menos a uns quantos que têm sonhos pedagógicos em organizar horas do conto infantis lidas por drag queens... (não estou a inventar).

Banda do Casaco, «Argila de luz»

domingo, outubro 20, 2024

serviço público - Viriato Soromenho Marques

 «A Paz não pode ser uma língua morta» -- a propósito do Prémio Nobel.

vou lá estar


 

correspondências

(Eugénio de Andrade a Jorge de Sena) «Porto, 30 de Maio de 1955 // Meu querido Jorge: se o Proust não tivesse dito ao Gide palavras semelhantes, eu dir-lhe-ia: valeu a pena ter perdido o prémio só pelo prazer de ter recebido a sua bela carta.» .../... Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena (3)

(Afonso de Barros a João de Barros) «Figueira, 26-6º-1926 // Meu querido João // Obrigado pela tua pronta resposta à minha precedente carta, e oxalá que o teu optimismo se realize, mas as prisões já começaram!... Cautela meu João! / E conta sempre comigo para tudo (que não poderá ser muito) que eu possa fazer. / Beija os meus queridos netos e querida Raquel, e a ti, beijo-te // e abraço-te de todo o meu coração / Afonso // Faz favor de dar à irrequieta Teresa o papelinho junto e ela que entregue ao [...?]» Cartas a João de Barros (2)

(Raul Brandão a Teixeira de Pascoais) «Meu Exm.º Amigo // Li ontem dum fôlego o Verbo Escuro. Eu gosto imenso de livros assim, mas o seu, tão profundo e tão belo, há-de ser compreendido por poucos leitores. É o livro dum grande poeta e dum filósofo. / Felicito-o e abraço-o. Creia-me sempre / De V. Ex.ª/ad.or e a.º agr.º / Raul Brandão // Alto / 27 Março / 1914» Correspondência (1)



(1) Raul Brandão - Teixeira de Pascoaes, Correspondência (ed. António Mateus Vilhena e Margarida Marques Mano, 1994.

(2) Cartas a João de Barros (ed. Manuela de Azevedo) s.d.

(3)  Cartas de Eugénio de Andrade a Jorge de Sena (ed. António Oliveira, 2015)

sábado, outubro 19, 2024

vária

«A vida militar palpita por toda a parte. A estrada vai cheia de camions, que giram com a lentidão com que se arrastam monstros. De quando em quando, desfilam a nosso lado grandes forças de infantaria inglesa. Os acampamentos sucedem-se, ora de lona, quase da cor da terra, ora de madeira, pintados de várias cores, para não serem descobertos pelos aeroplanos..» Adelino Mendes, «A cidade d'Albert», A Capital, 29-III-1917.

«Quanto aos apontamentos não datados, traduzem a experiência adquirida no correr dos anos: sentimentos, emoções, conjeturas. Se alguém desejar as lembranças da infância do autor deve recorrer a um texto datado de 1980, publicado em livro sob o título de O Menino Grapiúna -- as ilustrações de Floriano Teixeira compensam o preço do volume.» Jorge Amado, Navegação de Cabotagem (1990)

«E por esses pomares, entre sebes de silvados e canaviais, que florações simpáticas, feitas com gotinhas de néctar e salpicos de sangue arterial! / Conhecem talvez o pilriteiro? É um arbusto dos valados, peculiar às regiões montanhosas do Alentejo, que se defende  com os espinhos de que se arma e não gosta de habitar jardins.» Fialho de Almeida, «Pelos campos», O País das Uvas (1893)

eu vou


 

sexta-feira, outubro 18, 2024

por aí


Sargão o Grande, rei da Acádia
(Sécs. XIV-XIII a.C.)

 

ouvir portugueses pró-ladrões a atacar Guterres dá-me voltas ao estômago

Não sou de patrioteirices, mas ouvir portugueses pró-ladrões a atacar Guterres, dá-me voltas ao estômago.

Não verto uma lágrima, era o que me faltava!, após ver as impressionantes imagens de Yahya Sinwar, antes de ser abatido como um bicho. Apesar da minha compreensão pela sua revolta (nasceu num campo de refugiados), abater civis pacíficos, como os massacres de que terá sido o cérebro, a 7 de Outubro do ano passado, é um crime indesculpável. Percebo a estratégia -- que funcionou, e continua --, mas quando os fins justificam os meios, o ser humano involui para o mais execrável dos animais.

Dito isto, não lamentarei se os actuais governantes israelitas -- ainda mais criminosos do que os assassinos do Hamas, pois assassinam para roubar a terra dos outros --, não me lamentarei se qualquer destes seres vier a ter destino idêntico.  Violência gera violência, mas é injusto que sejam só uns a comer pela medida grande.

3 versos de A. M. Pires Cabral

«Que voz interior as traz para o solo, / de asa retraída, renunciando ao voo, / negando-se, traindo a vocação original?» 

«Andorinhas no chão», Caderneta de Lembranças (2021)

quinta-feira, outubro 17, 2024

tempo de romance

«Dias depois do enterro, apareceu, errando pela Praça, o cão do pároco, o "Joli". A criada entrara com sezões no hospital; a casa fora fechada; o cão, abandonado, gemia a sua fome pelos portais. Era um gozo pequeno, extremamente gordo, que tinha vagas semelhanças com o pároco. Com o hábito das batinas, ávido de um dono, apenas via um padre punha-se a segui-lo, ganindo baixo.» Eça de Queirós, O Crime do Padre Amaro (1875/80)

«Luciano tinha-se deixado ficar à janela e contemplava, com alvoroço e flama estranha no olhar, a basílica que se erguia já doirada nos cumes pelo sol matutino. Vista do ramo transversal do claustro e no prolongamento do eixo da igreja, a ábside desenrolava em frente do espectador a sua elegante redondeza, e o frémito alado dos arcobotantes, com a ossatura frágil em pleno equilíbrio aéreo, dava-lhe tal ar de vida palpitante, que era de recear que a uma carícia mais quente do sol filtrando-se nos poros da pedra, a catedral abrisse as asas e erguesse o largo voo nessa lúcida manhã de tempo claro.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920)

«"Aqui se erguerá uma casa para pobres da vida pobre, quando Deus for servido!" -- dissera ele. E daí o ficar a água da nascente de muita virtude nas moléstias da tripa, e o lauto senhor Pero Gil, pelo ano de 1443, com autoridade da Sé Apostólica, lançar os fundamentos daquela casa, que tanto edificou a santa Ordem da Penitência em varões pios e de saber.» Aquilino Ribeiro, A Via Sinuosa (1918)

3 versos de Alberto de Lacerda

«Pobres mulheres que tanto / desejáveis ter um filho! / Eu sou, desconhecido, a vossa própria vida.» 

«O órfão», 77 Poemas (1955)

o que vai acontecer

«Manel Libório vivia em casa de bom conchego, rodeado de família. Melo Bichão dormia quase na rua e apenas tinha um filho amalucado. Manel Libório e o seu rebanho passavam vida farta. Melo Bichão, o filho e as suas sete ovelhas curtiam fome como danados. E ambos eram criaturas de Deus, naturais de Sequeiros.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)

«Que velho malandro não era aquele respeitável senhor que lhe dava sempre a roupa suja de bâton? E quem melhor do que ela sabia que o senhor Sousa, um dos banqueiros mais reputados do país, estava, apesar das festas e do luxo, completamente arruinado? Bastava olhar para as meias e camisas passajadas.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)

«Mestre Romão é o nome familiar; e dizer familiar e público era a mesma cousa em tal matéria e naquele tempo. "Quem rege a missa é mestre Romão", -- equivalia a esta outra forma de anúncio, anos depois: "Entra em cena o ator João Caetano"; -- ou então: "O ator Martinho cantará uma de suas melhores árias". Era o tempero certo, o chamariz delicado e popular.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)

quarta-feira, outubro 16, 2024

Cat Stevens, «Tea for the Tillerman»

mas, graças a deus, existe a Rússia e existe Putin...

Não acompanho em tudo este (mais um) estimulante artigo de Carlos Matos Gomes, que equipara as lideranças israelitas a nazis, sem lhes retirar nenhujm qualificativo, de criminosos a oportunistas, do Bibi à corja religiosa a que se aliou, embora seja certo que onde o nazismo via raças superiores e inferiores e terraplanava o futuro espaço vital, o capitalismo selvático vê os cidadãos como ora mercadoria ora gado que consome, e o espaço vital seja os mercados, vastos bordéis, com os seus proxenetas e sicários pagos onde for preciso, dos me(r)dia à política. 

Sem poder discorrer muito a propósito, deixo o último parágrafo:

"Quem está já fora da mesa do jogo de xadrez é o esforçado Zelenski, porque a Ucrânia passou à condição de causa perdida e o Irão passou a ser o objetivo principal para chegar à China."

Felizmente, na questão da Ucrânia e noutras, há a Rússia do Putin para pôr estes patifes em sentido, embora a estupidez dos rafeiros que dirigem a UE não seja de menosprezar.

(Quando leio o nome "Zelensky" só me vem à cabeça um punhado de pivôs analfabetos e outro de académicos marrões, que sabem tudo e não percebem nada. Vontade de rir. Não incluo uns quantos, que sabem muito bem o que dizem e fazem. Esses são doutra casta.)

3 versos de António Salvado

«conjuntos e migalhas de fonemas / aguardam sempre o gesto do aceno / que os faça perdurar ao serem escritos» 

«Volta», Os Dias (2000) / Café dos Poetas (2015)