domingo, abril 20, 2025

o que está a acontecer

«A casa, não. Fruída nos últimos anos a meias com o caseiro (para este a banda virada a nascente, e donde se alcançava o Penedo Grande, a cavaleiro do Monte dos Covos; para os patrões a oposta, com serventia própria e voltada para a mata) desde que resolvido o passo de vir ali enterrar-se vivo, Diogo Coutinho destinava ao caseiro que se passasse para os Nogais.» Tomaz de Figueiredo, A Toca do Lobo (1947)

«Não se moviam em perfeita igualdade de condições os dois viandantes. / Um, o mais moço e pela aparência o de mais grada posição social, era transportado num pouco escultural, mas possante muar, de inquietas orelhas, músculos de mármore e articulações fiéis; o outro seguia a pé, ao lado dele, competindo, nas grandes passadas que devoravam o caminho, com a quadrupedante alimária, cujos brios, além disso, excitava por estímulos menos brandos do que os de simples e nobre emulação.» Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)

«A família de Bernardo Sanches tinha adquirido um estado aristocrático, o que quer dizer que estacionara no cumprimento de determinada herança de hábitos, frases, opiniões que, uma vez desprendidas da personalidade que os fizera originais, restavam agora somente como snobismos e ocas imitações. Enfim, o talento da imitação -- pensava Germana -- chegava a ser tão característico como uma originalidade, não só em determinadas famílias, como, mais genericamente, em determinados povos.» Agustina Bessa Luís, A Sibila (1954)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«Em contraposição, afastaram tudo aquilo que diminuísse ou alterasse o conceito guindado da sua figura impecável, ao molde do Renascimento, em particular recusaram a soma de informações que Faria e Sousa colheu ainda frescas na tradição e meio lisboeta em que o poeta convivera. Pedia esmola ou pediam por ele...? Que deselegância! Suprima-se. Que andava de muletas...? É ridículo. Recebia a pitança duma 'mulata'? Isso não lembrava ao Diabo. Faria e Sousa é um impostor. 'Vivera pobre e miseravelmente e assim morrera'? Não está provado. O autor da 'Crónica Seráfica' não achou tal epitáfio e era homem que escrevia em cima dos Santos Evangelhos. Risque-se a frase ignominiosa do obituário. Para todos os efeitos, Luís de Camões era neto de fidalgos galegos, com raiz numa 'puebla' senhorial do cabo Finisterra; tivera um tio frade, reitor de Santa Cruz e cancelário da Universidade, que o protegera; frequentara o Paço; atara amores com damas de alta bizarria e primeira nobreza do Reino, muito provavelmente com a Infanta, irmã do grande D. João III, 'o Piedoso'.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)