quinta-feira, junho 09, 2022

pintora de intervenção: Paula Rego, à luz de Álvaro Cunhal, Ferreira de Castro e José Régio, passando pela ministra inexistente e o cabelo comprido de Santana Lopes

 

O título é só para chatear, porque eu até sou bastante regiano, tendência castriana. No entanto, a Paula Rego (o artigo atribui-se aos que nos são socialmente íntimos) usou, e muito bem, a arte para denunciar. E a arte pode e deve expressar tudo, incluindo a revolta e a denúncia.

O jovem Cunhal (23 anos, salvo erro), plekhanoviano, defendia que a arte devia servir os movimentos ascendentes da humanidade, rechaçando o solipsismo reiterado e alienado. Era bem intencionado, além de jovem (em velho, achava a mesma coisa). O problema é que o poder, onde se acoita a maioria dos filhos-da-puta, tem sempre os seus jdanovs, os seus puxa-sacos (como tão bem dizem os brasileiros), os seus lambe-cus (menos elegante a nossa expressão). E então vieram os ditames, com os seus comissários políticos, os seus burocratas, toda a ralé. As boas intenções de Cunhal tornadas pesadelo. Régio, mais velho (doze anos), mais maduro, mais genial -- José Régio está entre a meia dúzia dos maiores nomes da literatura e cultura portuguesas do século XX --, rebatia em favor da liberdade do artista para escrever o que quisesse, como quisesse, sobre o que quisesse. Na polémica (séria, mas correctíssima e diria até amistosa) com Cunhal na Seara Nova, dá o nome do Ferreira de Castro como um exemplo de alguém que escrevia uma literatura de intenções sociais.  (Para Ferreira de Castro, a arte não servia; a arte era servida; e servi-la era também dotá-la de desígnio.) É claro que tanto Régio como Cunhal estão a falar de arte, não de propaganda; no entanto, Régio outra vez, sabia perfeitamente que a arte pode revestir-se de propaganda e que uma não exclui forçosamente a outra. Di-lo na presença, a propósito de "A Revolução de Maio", do António Lopes Ribeiro, e com toda a razão: Riefenstahl, não é? Ou Eisenstein... 

Sobre a pintura da Paula Rego, não direi nada. Há coisas de que gosto, outras nem tanto. É um dos grandes pintores portugueses do seu tempo? É sem dúvida dos mais marcantes. Estará na primeira linha?, provavelmente, mas o tempo o dirá; e não é a circunstância que sempre impressiona os basbaques de ser "reconhecida internacionalmente" -- continuamos uns provincianos -- que lhe garantirá maior ou menos relevância.

Achava imensa piada à forma como ela trocava as voltas ao circo político-mediático que a parasitava. Ontem vi por diversas vezes aquela inexistência que foi a última ministra da cultura a condecorá-la (já que não se serve para nada, assina-se obituários, ou condecora-se); e num acto bastante performativo, Paula Rego abria muito a boca, como que espantada, simulando desvanecimento, percebendo e gozando como a forma como estava a ser usada para outros se promoverem. Um grande momento, e não me lembro de outro assim, desde que Santana Lopes, nomeado sec-de estado da cultura de Cavaco, deixou crescer o cabelo para a função. 

2 comentários:

manuel a. domingos disse...

Pois eu considero o termo "lambe-cus" bastante apropriado. E nada deselegante. Contra a corja a elegância deve ser servida deselegantemente na gamela, ou pia.

R. disse...

Caro Manuel Domingos, sob esse ponto de vista, nada a objectar.