segunda-feira, fevereiro 22, 2021

barbarismos

(Até me custa comentar isto, dada a insignificância. Vale tudo para cair  nas bocas do mundo, não é?...)

Num artigo leviano e mal pensado , de quem detém um mestrado em Gestão e um vasto currículo em cargos públicos mas que de História não sabe nada, comecemos pela expressão hedionda "mamarracho", normalmente uma observação bárbara de ignorância de boi frente a um palácio. É muito comum ser utilizada pela vox populi quando surge no espaço público um edifício arquitectonicamente disruptivo (passe a palavra medonha), que, obviamente, depois de a ele se acostumar passará a defendê-lo com unhas e dentes. 

Ora, o mamarracho  de Ascenso Simões, o Padrão dos Descobrimentos, cujo friso de personagens é absolutamente extraordinário (é preciso não ter a mínima noção de nada e/ou andar desesperado por ser falado), apresenta a particularidade de ter autores, a saber: Cottinelli Telmo e Leopoldo de Almeida; a direcção dos trabalhos e o interior coube a Pardal Monteiro e a envolvente a Cristino da Silva; entre os responsáveis pela estrutura esteve o grande engenheiro Edgar Cardoso. Além de apagar a memória histórica, Ascenso quer deitar para o lixo as obras de cinco artistas portugueses do século XX. 

Depois dos disparates contestando um pretenso Museu dos Descobrimentos, em abaixo-assinado por activistas disfarçados de historiadores, idiotas úteis e alguns ingénuos, e na sequência da importação saloia do conceito de racismo sistémico, que faz todo o sentido nos Estados Unidos, mas não cá -- onde, repetindo-me à exaustão não há racismo sistémico nenhum para com a comunidade negra (ao contrário do que se passa com os ciganos), mas um "racismo" classista incidindo sobre quem é pobre; e se há tantos negros pobres é porque estamos a falar sobretudo de imigrantes -- havíamos de chegar aqui, e acredito que ainda não vimos a estupidez toda. Um dos nossos grandes defeitos e problemas é o complexo de inferioridade provinciano que nos leva a querer estar sempre no pelotão da frente de tudo, quando ainda estamos na cauda em tanta coisa.

E volta ainda à carga com o alegado museu do Salazar, fazendo tábua rasa de quem está à frente do projecto e da necessidade histórica de se confrontar o passado; o que ele parece querer defender no artigo, mas porque não percebe nada do que está a falar e lhe dá jeito ser populista, está-se nas tintas para o caso.

Gosto sempre de falar das minhas origens afro, a minha bisavó Ida, brasileira mulata, que vivia na Baixa durante a República, e para salvaguardar casa e família daquilo a que chamavam "revoluções", mandava hastear a bandeira brasileira na fachada e assim ver-se livre de apuros. Tenho numa estante uma estatueta de um escravo, que me faz lembrar o negro Tiago de A Selva, do Ferreira de Castro, e em homenagem a esses meus ancestrais que foram escravizados.

Para Lisboa ser decente, ao contrário do que defende o deputado, não é remover a História, mas sim tê-la por inteira. Faça-se um monumento aos escravos, um memorial, como se fez aos judeus perseguidos, e aí sim, seremos uma capital mais decente.

8 comentários:

Jaime Santos disse...

Como??? Se ao menos tivesse tido a ideia de rebentar com o Cristo-Rei, ainda vá (estou a brincar, evidentemente), mas com o Padrão dos Descobrimentos, tantos anos ao abandono e que deve ser das mais belas obras daquela época...

Sem dúvida, um memorial à escravatura é uma excelente ideia... E outro ao Portugal mouro, digo eu... Só para chatear o Ventura...

R. disse...

O Cristo-Rei é de facto horrível... Mas pronto, o que se há-de fazer? O Portugal mouro está-nos no sangue e na língua, mas estaria muito esquecido não fossem alguns pioneiros. E o Ventura, se não é cigano, é mouro de certeza.

Jaime Santos disse...

Meu caro, abaixo de Balongo, vocês são mesmo todos de Marrocos, como dizia o José Esteves :). Mas a brincar que o diga, de onde pensa que vem o nome de Mafamude, aqui ao lado, do lado Sul do Rio Douro :) ?

Há um episódio admirável da Visita Guiada, sobre Santa Maria das Júnias, onde o Professor Luís Amaral, homem cultíssimo e provavelmente dos académicos que conheço com mais dom de palavra e de erudição, fala justamente sobre a colonização moura da Península e se refere a essa freguesia de Gaia...

Sim, circula por aí a anedota de que Salazar aparece a Ventura e diz, meu filho, juntos vamos ressuscitar o fascismo, mas corta a barba e o cabelo que pareces um cigano :) ...

E é muito bem observado, racismo sistémico, a existir é contra os ciganos, que foram e são, por identidade própria e exclusão, uma comunidade aparte dos gajos como nós (mau grado o sangue cigano que também nos corre nas veias, assim como o mouro, negro, judeu, etc).

Mas parece-me que reduzir o racismo ao racismo de classe, é redutor. Não são só os ricos que são racistas, lamentavelmente. E existe muito racismo contra os africanos por ressentimento em relação ao fim do colonialismo, como se estes tivessem responsabilidades pelos excessos ocorridos nos novos Países após a independência...

Finalmente, alguém deveria mandar Simões à gare de Alcântara e perguntar-lhe se aquilo também é para implodir...

R. disse...

Quer berberes do Norte? Assi de repente, Sócrates, Teixeira dos Santos, Simão Sabrosa, e um longo etc. Eles ocuparam a Península toda, excepto aquelas montanhas da Cantábria, e não foi por três semanas.

Sim, eu próprio suspeito ter algum sangue cigano (um bisavô de Torres Vedras).

O que eu quero dizer quanto ao racismo, e insurjo-me vigorosamente é contra a ideia de um racismo étnico, que só se vislumbram praticamente no lumpen social -- e mesmo assim... Mas eu não nego que haja problemas de ´+indole social que potenciem problemas -- de resto, já há, nos subúrbios das cidades. Mas nem é bem racismo, é uam reacção a um comportamento grupal que, até pela sua juventude, agem de forma exuberante ou ostensiva. R criam-se reacções, mas não racismo sistémico nenhum. E, a bem de todos, espero ter razão.

Pois, a gare de Alcântara do Alamada, esse facho amravilhoso...

sincera-mente disse...


Muito bem, Ricardo! No conteúdo e na forma, como sempre.
Esse ascenso não pode ter ascendido só pelos próprios meios, que tão exíguos tem (sobretudo a nível de massa cinzenta). Quem o terá 'ascendido'? O quer terá feito para ascender? Como dizia um certo beirão, "É só fazer as contas..."
Já começou "O Seminarista"? Aquilo é só beatério :)

R. disse...

Obrigado, meu caro!
Houve quem lhe chamasse monta-cargas, um outro tipo de ascensão. Mas não, não vou por aí... Ahahah
Li hoje o capíitulo inicial enquanto esperava por uma consulta. É de chorar por mais...
Abraço e até sextra.

jpt disse...

Bem no alvo. Obrigado pela pertinência.

R. disse...

Obrigado sou eu. Um abraço