«Naquela noite de Março, desabrida e húmida, uma grande animação fervilhava alacremente ao fundo da rua do Salitre. Era em 1867. Frente a frente, as Variedades e o Circo Price alinhavam os seus bicos de gás festeiros, a que as vergastadas do noroeste impunham um tremelilhar inquieto. Quinta-feira, -- noite de cabriolas com sobrescrito à fina sociedade. Enchente certa no Circo. De cada lado do portal da entrada, um semicírculo compacto de gente se agitava, tendo por centro cada um seu postigo de bilheteiro, e ambos por igual colados, premidos sofregamente contra a parede verdoenga do barracão, e arredondando pela rua fora, numa irregularidade gritada e confusa, a toda a largura do macadam. Tudo queria bilhete. Havia chapéus tombados, ombros que penetravam à cunha, braços arpoando vigorosamente os alisares castanhos dos postigos, mãos retirando triunfantes, muito erguidas, com um papelinho azul ao vento.»
Abel Botelho (1854-1917), O Barão de Lavos (1891)
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