sábado, agosto 15, 2020

leituras amenas

Para mim, por muito que a poesia e o verdadeiro ensaio me transportem, o romance (e também a novela) continua a ser a arte literária por excelência. Um grande romance tem sempre poesia (em prosa e/ou em verso) e tem sempre ensaio. Se o não tiver, não é um grande romance; e, com isto, tem ainda de ter um equilíbrio e uma solidez conceptual e uma estrutura impecáveis. Quantos romances prometedores não se perderam porque o autor se despistou, se estendeu ou apressou, comprometendo o todo? 
Por muito que digam, e há quem o afirme, páginas de génio não chegam para o sancionar, santa paciência! Por exemplo: Alexandra Alpha, do Cardoso Pires, tem talvez as mais extraordinárias linhas que já se escreveram sobre o 25 de Abril, mas é um medíocre romance. Ou a novela A Confissão de Lúcio, do Sá-Carneiro, não obstante o ineditismo pioneiro da fragmentação da personalidade na prosa de ficção, justamente o que falha é a prosa, tão cheia de arrebiques, que não se pode com ela. Pois já li algures tratar-se de "uma obra-prima", pelo amor de nosso senhor. E não há idolatrias nem cumplicidades coevas que por aí passam por crítica ou ensaio que o salvem. Felizmente há o tempo. Azar. Mas anda aí muita gente a ser enganada por incompetentes e carreiristas sem vergonha fazendo passar por bom o que é indubitavelmente frouxo e ligeiro. 
Também não serei eu que o farei; falta-me competência, paciência e obrigação. Além disso, sou um mero leitor que julga ter algum apuro crítico. Mas tomei uma decisão: vou passar a escrevinhar aqui, com mais frequência, as minhas amenas leituras de romance e novela portugueses, às postas, como convém a um blogue. E aqui, blog vizinho, uma espécie de armazém, passarei a juntar os textos completos, espero que coerentes.
Boas leituras para mim.

4 comentários:

Jaime Santos disse...

Boas leituras para si, sem dúvida. Sou apenas um leitor ocasional de romances e por isso não poderei sobre eles dizer muito, mas tem toda a razão no que toca ao 'Alexandra Alpha', uma desilusão depois de 'O Delfim' ou da galhofa do 'Dinossauro Excelentíssimo', não passa de um medíocre romance...

R. disse...

Também para si, meu caro. Não há nada pior que perder tempo com má literatura, o que obviamente e nem por sombras é o caso do Cardoso Pires, um autor que escrevia admiravelmente. Mas os autores, mesmo de grande nível, não estão sempre no cume. Já experimentou a «Balada da Praia dos Cães»? Li-o há uma eternidade, mas conservo a boa impressão da altura. Hei-de relê-lo. Já agora, atrevo-me a recomendar-lhe um extraordinário romance actual, «As Primeiras Coisas», de Bruno Vieira Amaral, salvo erro de 2015. Do que tenho lido dos autores actuais, na casa dos 30 a 50, de longe o melhor. O segundo dele, «Hoje Estarás Comigo no Paraíso», também é muito bom, mas já seo o efeito surpresa do primeiro. Mas aguenta-se bem sozinho.

Jaime Santos disse...

Obrigado pelas sugestões, tenho a 'Balada' na lista de leituras de férias há bastante tempo... Quanto a Bruno Vieira do Amaral, tirando o facto de conhecer o seu nome dos escaparates, é para mim um autor desconhecido.

Posso até depois não gostar, mas com a sua chancela é garantido que não será uma mera perda de tempo ;) ... É possível não se gostar de um bom romance, não é possível gostar-se de um mau, a não ser que se tenha queda para a pieguice :) ...

R. disse...

Exactamente -- e agradeço a confiança. É um livro que tenho recomendado a toda a gente.