Sobre os campos de concentração nazis e o terror sádico e insano que neles imperava, a documentação de todo o tipo é felizmente abundantíssima, em boa parte graças à anormalidade maníaca dos nazis em tudo registar. Apesar disso, cada testemunho é individual e irrepetível, E então tudo volta a ser novo; e o estupor causado pela insânia do mal fere-nos quase como se fosse a primeira vez.
O Fotógrafo de Mauthausen, relata-nos a história do catalão Francesc Boix (1920-1951), um dos muito exilados políticos, que após a derrota na Guerra Civil de Espanha, estiveram concentrados em campos de prisioneiros na França republicana... Milhares foram entregues aos alemães, ficando marcados como "apátridas espanhóis".
Foix que se iniciara na fotografia com o pai, e muito jovem ainda fizera registos da guerra no seu país, foi, neste campo de concentração austríaco "aproveitado" como assistente dum maníaco oficial SS que, sendo professor de artes na vida civil, tinha pretensões artísticas muito peculiares, nomeadamente a da estilização da morte: fotografava cadáveres de prisioneiros, assassinados das mais diversas maneiras, compondo depois as posições do corpo em poses, digamos, mais dramaticamente artísticas. Paul Ricken chamava-se este dejecto, que embora condenado a prisão perpétua, foi solto na década seguinte.
Um dos grandes cometimentos de Boix, foi o de, podendo dispor do acesso aos laboratórios, ter passado clandestinamente vinte mil fotografias -- das quais apenas mil se encontraram até hoje -- que provassem o delírio infernal que ali se viveu. Acresce que na própria Espanha, até há pouco, a transição imposta pelo franquismo, implicando uma esponja no passado fétido de terror e morte infligido aos derrotados, fez com que esta realidade de milhares de espanhóis presos e mortos nos campos de concentração nazis fosse assunto atirado para trás das costas, em especial o de Boix -- o único espanhol a testemunhar no Julgamento de Nuremberga --,, não fora o contributo destes autores de BD espanhóis -- Salva Rubio (argumento), Pedro J. Colombo (desenho) e Aintzane Landa -- contributo contra o esquecimento.
Voltado ao princípio: podemos julgar saber tudo; e mesmo que assim fosse, o testemunho individual do sacrifício será sempre único, intransmissível e imprescritível.
O Fotógrafo de Mauthausen. de Salva Rubio, Pedro J. Colombo e Aintzane Landa, Lisboa, Gradiva, 2024.
Registo:
Ilíada vol. III -- A Queda de Tróia, de Clotilde Bruneaux e Pierre Taranzano;
Mussolini, de Blengino, Goy, Meloni e Brice
(nota: livros enviados pela editora).
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