domingo, março 21, 2021

a arte de começar

«Já não posso com estes tipos. A aldeia está a transformar-se numa coisa amarga, numa coisa vasta e amarga, que se não fez para os meus nervos delicados. A verdadeira dor e a verdadeira piedade têm um peso insuportável. Já não posso. Já não posso com esta mulher que passou por mim e olhou para mim -- e eu fiquei para sempre ligado à figura inexpressiva e gasta --, nem com o Cego das Uveiras, que a cegueira tornou mais alto, e que não bole, fixando o céu, como se esperasse do céu um acto extraordinário, nem com todas estas figuras escavoncadas, que passam os dias da vida monótona, repetindo os mesmos gestos, cheios de terra e em contacto permanente com a terra.»

Raul Brandão, O Pobre de Pedir  (póstumo, 1931)

Sem comentários: