quarta-feira, março 31, 2021
Louçã não é maluco
Francisco Louçã, que é conhecido por ter um enorme sentido de humor, semelhante ao de uma caixa de sapatos, lembrou-se de gozar com uma deputada municipal do PPM, num voto que defendia a equiparação do comunismo ao nazismo, algo que eu contesto, como já escrevi aqui.
A circunstância de haver um grau de natureza diferente entre nazismo e comunismo, não significa que passe a ser legítimo branquear as patifarias do Stálin, que foi um monstro, nem sequer as do Lenine e muito menos as malfeitorias do Trostky. Não se branqueie o bolchevismo, que eu para esse peditório não dou; como não dou para esse outro, que é o de branquear o nazismo com comparações espúrias.
No entanto, concedo uma sensibilidade especial a Aline Hall de Beuvink, dada a sua ascendência ucraniana. Mas comparar ambos não é objectivo nem verdadeiro. O bolchevismo em acção traduziu-se pela tomada do poder de uma clique não olhando a meios -- o trivial, portanto. O nazismo, entre outras lindezas, tratou de exterminar duas etnias. E a verdade é que o sucessor do dito Stálin, georgiano, foi Krushtchev, ucraniano, que fez todo o seu percurso a lamber as botas do outro.
Um colunista da Rádio Observador, Alberto Gonçalves, que costumo ouvir no carro, esta segunda-feira pegou nesta intervenção de Louçã num jornal da Sic-Notícias desta sexta-feira, obrigando-me a ir vê-lo. E, na verdade, é terrível: Louçã tenta ter gracinha à conta de um genocídio (e parece que manipulou as imagens, é pelo menos a acusação que lhe é feita). O cronista, nessa segunda-feira, ciente de que à figura falta qualquer sentimento de empatia objectiva pela pessoa concreta (é mais fácil simpatizarmos com as grande abstracções) chamou-lhe sòciopata e maluco. Ora eu creio que Louçã não é maluco.
terça-feira, março 30, 2021
segunda-feira, março 29, 2021
domingo, março 28, 2021
a arte de começar
«O apito do navio era como um lamento e cortou o crepúsculo que cobria a cidade. O capitão João Magalhães encostou-se na amurada e viu o casario de construção antiga, as torres das igrejas. Os telhados negros, as ruas calçadas de pedras enormes. Seu olhar abrangia uma variedade de telhados, porém da rua só via um pequeno trecho onde não passava ninguém. Sem saber porquê, achou aquelas pedras, com que mãos escravas haviam calçado a rua, de uma beleza comovente. E achou belos também os telhados negros e os sinos das igrejas que começaram a tocar chamando a cidade religiosa para a bênção. Novamente o navio apitou rasgando o crepúsculo que envolvia a cidade da Bahia. João estendeu os braços num adeus. Era como se estivesse despedindo de uma bem-amada, de uma mulher cara ao seu coração.»
Jorge Amado (1912-2001), Terras do Sem-Fim (1943)
sábado, março 27, 2021
sexta-feira, março 26, 2021
«Nesse ano, o Menino-Jesus, que o padre deu a beijar no dia de Natal, na arruinada capela do lugar,
foi um menino vivo, um menino de carne e osso.»
«Conto de Natal», de João de Araújo Correia, uma divertida história aldeã de arrependimento, em que dois velhos, uma curiosa e um padre, surgem como instrumentos beatíficos da Graça divina -- para ler aqui.
quinta-feira, março 25, 2021
palavras como monumento
«Também aqui, com o decorrer do tempo, as casas enxamearam-se e os bairros multiplicaram-se de ambos os lados da ponte. A cidade vive da ponte e cresce dela como de uma raiz eterna.»
Ivo Andrić, A Ponte sobre o Drina (1945)
quarta-feira, março 24, 2021
um ateu a caminho da conversão
Continuar: «Maria Helena passava agora, todos os dias, alguns momentos na catedral, em serviço do Apostolado.» Manuel Ribeiro, A Catedral (1920), pp. 87-116 da minha edição.
Um capítulo um pouco extenso, mas delicioso, em que sobressaem alguns aspectos muito relevantes. Comecemos por um parágrafo em que a descrição das obras na Sé nos dá a ideia de um trabalho num organismo vivo -- ou pelo menos não inanimado.
«Renascia a catedral. Todo o navio arfava no ritmo da vida. Mais do que nunca, a Sé parecia animar-se. A sofreguidão dos trabalhos, a azáfama das obras, a vibratilidade que parecia terem adquirido as estruturas íntimas sob o influxo restaurador, infundia tudo o sentimento da força a agir, do sangue a circular. A catedral vivia, palpitava, sentia, e isto revelava-se na epiderme nova dos silhares, nos tufos arbóreos das nervuras, nessa inesperada primavera da pedra que desabrochava pelos capitéis uma flora estilizada. A catedral vivia. E que admirar era que as catedrais vivessem? Não formavam o substractum de tanta vida decomposta, o resíduo dos seus artistas que até os corpos lhes haviam dado? Elas tinham, de facto, surgido das entranhas da terra, argamassadas com o seu sangue e caboucadas com os seus ossos, assim como as ilhas madrepóricas, que sobem do fundo dos oceano feitas dos cadáveres dos seus artífices...»
O comunista e antigo anarco-sindicalista não esquece o factor trabalho, aqui iluminado pelo entusiasmo que o narrador empresta ao afã operário, como se trabalhadores e edifício participassem duma mesma célula.
Um outro aspecto, o da atracção que se vai desvelando entre Luciano e Maria Helena, esta que, transpondo inopinadamente o limiar da capela de família, vê-se retratada num capitel que aquele esculpia, com Luciano «só deseja[ndo] que o sorvesse o chão, que a catedral o tragasse.»:
«[...] uma deliciosa e adorável cabeça de mulher, reproduzida da máscara e de que ressaltava em medalhão a face, surgia, graciosa e grave, a expressão suave e melancólica, um ar antigo de santa. Reparando bem, parecia que a folhagem não era mais que uma imperceptível sequência da sua cabeleira ondulada que se bipartia na testa e inflectia delicadamente aos lados, até surgir gradualmente, na grinalda de miudinhas folhas.»
Também para Luciano se dava a osmose do edifício com a vida, tal como sucedia com os trabalhadores. E aqui paixão e vida entranhavam-se: «Ele amava, amava Maria Helena nas formas artísticas da catedral.»
Mercê do seu trabalho diuturno e pelo facto de residir no sopé da catedral, e pela vontade de se aproximar da condessinha, percebendo-a e tentando decifrá-la na sua religiosidade, começa a interessar-se pelos ofícios litúrgicos. E é então que estudando, intuindo, compreendendo, tendo como (inconsciente?) coadjuvante o jovem padre Anselmo, que Luciano «começa a resvalar no pendor místico da religião». E as formas, os cânticos, os símbolos -- o «admirável jardim [...] litúrgico» -- começam na sua harmonia a interessá-lo, a conquistá-lo, como de resto haviam já conquistado o narrador, como se pode ver neste parágrafo:
«A álea [desse jardim] começava no Advento em fundos dominantes de violeta donde sobressaíam de longe em longe, os grandes lírios alvos dos confessores, as castas rosas brancas das virgens, os cactos rubros dos apóstolos e dos mártires. No tempo do Natal, tudo se decorava duma brancura láctea, tudo era branco, até a própria vigília da Epifania. Depois a paisagem reverdecia. Em breve, porém, o horizonte arroxeava-se, e a septuagésima passava violácea entre os maciços de goivos de Quinta-feira maior e a cinza trágica de Sexta-feira santa. Mas já no tempo pascal, a paisagem desentenebrecia-se, os tons amaciavam e o branco criador surgia de novo, galopava, polvilhava tudo de penas alvas. E outra vez reapareciam, do Pentecostes e o Advento, as largas manchas verdes, donde sobressaíam, de longe em longe, os grande lírios alvos dos confessores, as rosas brancas das virgens e os cactos rubros dos apóstolos e dos mártires...»
Se o ofício completo da missa seduz Luciano como «uma refinada condensação de arte», o acto de orar apresenta-se-lhe como «atitude estética empolgante», sentimento reforçado pelo misticismo do seu interlocutor, o padre Anselmo, para quem a oração periódica diária se reveste de uma indizível transcendência: «E há na vida ocupação mais digna, trabalho de mais apreço, de maior elevação espiritual que este culto ininterrupto ao grande Mistério que envolve o universo e a que só é indiferente a mais grosseira materialidade?»
Fosse pelo amor, fosse pela estética, fosse, ainda, por um preenchimento de um vazio interior, Luciano parece resvalar a passos largos para dentro da fé. E quando o jovem padre começa a explicar a Liturgia das Horas, com os cânticos que lhe pertencem, ao arrebatamento da música associada ao ofício divino, puro esplendor monacal, então é já o narrador que se vislumbra tocado pela Graça:
«-- Matinas é o cântico da noite, a hora que simboliza a adoração dos anjos e dos pastores a Jesus recém-nascido, e o início da sua Paixão na dolorosa noite do Horto. Luzem no céu as estrela e nem prenúncios de alva assomem no oriente. O invitatório e o salmo Venite exsultemus com que ele alterna em ritornelo, a seguir à doxologia, incitam os fiéis a que louvem Deus na alegoria dessa exortação dos anjos aos pastores ma messiânica noite redentora -- e são o prólogo dos três Nocturnos que chegam rolantes como batarias, guarda avançada dos salmos que vão desfilar pelo dia adiante. Apagados os ecos das três vigílias, que simbolizam as três vezes que Jesus se afastou dos discípulos para orar, quando foi preso, e as três etapas da lei religiosa -- patriarcal, mosaica e cristã, -- eleva-se aos domingos e nas festas de rito simples, o apoteótico cântico ambrosiano, esse rutilante Te Deum laudamus, que nimba o remate da hora com os primeiros raios de sol nascente.»
Recorde-se que Manuel Ribeiro dirigia o jornal bolchevique Bandeira Vermelha. Se falamos de um ateu -- ou talvez agnóstico, distinção a fazer-se -- a caminho da conversão, não podemos esquecer também a circunstância de Manuel Ribeiro, ex-anarco-sindicalista, comunista bolchevique. Que a conversão já lá anda, parece quase evidente, salvo melhor opinião.
terça-feira, março 23, 2021
percebe-se que erudição é uma coisa e sabedoria uma muito outra
«Os livros de Calisto Elói eram cronicões, histórias eclesiásticas, biografias de varões preclaros, corografias, legislação antiga, forais, memórias da Academia Real da História Portuguesa, catálogos de reis, numismática, genealogias, anais, poemas de cunho velho, etc.»
Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo (1865)
segunda-feira, março 22, 2021
racismo? que (tipo de) racismo?
Os cem tipos que apareceram na manifestação anti-racista de Lisboa e os quarenta no Porto, pode ser treslido (e vai sê-lo, estou certo) como a demonstração de que Portugal é um país racista. Pois, mas a verdade é que não o é da maneira que os sociologistas-activistas querem impingir, por interesse próprio ou burrice. Oh, o racismo estrutural..., que jargão imbecil e que importação saloia. Este é mesmo o problema principal: Portugal é um país de saloios, e eles andem por tôdò lado...
Há racismo do mais soez na sociedade portuguesa? Há, pois; como há xenofobia, tanto para negros como para olhos azuis, desde que vindos do Leste. O espancamento abjecto de uma cidadã colombiana no Porto ou de uma cidadã angolana na Amadora, mostra que, apesar de ser residual, e perpetrado pelos mais pobres e miseráveis dos "portugueses puros" (uma boa piada...), existe um problema, e em especial nas polícias. (Aliás, muitos recrutados provavelmente nesse lumpen, as polícias têm de ser varridas e monitorizadas, coisa que este ministro não se atreverá a fazer, já se sabe.)
O deserto das manifestações de ontem é claríssimo: o racismo na sociedade portuguesa é um micro problema, e ainda bem. De estrutural, só em cabecinhas ociosas -- e a esquerda e arredores está uma lástima, do PAN ao Livre, do Bloco a parte do PS; só o PCP, para não variar, põe as coisas em perspectiva e no seu devido lugar. E, já agora, António Costa -- com especial autoridade para falar sobre o caso, e quotidianamente insultado na rua pelos miseráveis do costume: pobres de espírito e de carteira, e ressentidos de todos o extractos sociais.
indolente, citadino, tedioso; nem ao menos a brejeirice...
«No momento em que nos associamos ao cavaleiro, caíra ele num desalento profundo, num quase convencimento de próxima aniquilação, do qual nem a loquacidade do almocreve, condimentada, como era, de pragas eloquentes e de cantigas pouco edificantes, o conseguia arrancar.»
Júlio Dinis, A Morgadinha dos Canaviais (1868)
domingo, março 21, 2021
a arte de começar
«Já não posso com estes tipos. A aldeia está a transformar-se numa coisa amarga, numa coisa vasta e amarga, que se não fez para os meus nervos delicados. A verdadeira dor e a verdadeira piedade têm um peso insuportável. Já não posso. Já não posso com esta mulher que passou por mim e olhou para mim -- e eu fiquei para sempre ligado à figura inexpressiva e gasta --, nem com o Cego das Uveiras, que a cegueira tornou mais alto, e que não bole, fixando o céu, como se esperasse do céu um acto extraordinário, nem com todas estas figuras escavoncadas, que passam os dias da vida monótona, repetindo os mesmos gestos, cheios de terra e em contacto permanente com a terra.»
Raul Brandão, O Pobre de Pedir (póstumo, 1931)
sábado, março 20, 2021
sexta-feira, março 19, 2021
cidades conhecíveis
«Uma maneira cómoda de travar conhecimento com uma cidade é descobrir como lá se trabalha, como se ama e como se morre.»
Albert Camus, A Peste (1947)
(tradução de Ersílio Cardoso)
O Putin deve estar a tremer de medo do Biden
Trump ou Biden, a merda é a mesma. Pode ser que para os americanos, não; pois não se via um chefe de estado do jaez do Donald pelo menos desde os tempos do Bokassa I. Mas, por muito palhaço e patife que o Trump fosse -- e era-o -- sempre tinha a noção de não se armar em chico-esperto com os russos. Uns dizem porque era um homem deles. Então mostrem.
A Rússia, graças a Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, é o único estado que de facto põe os patifes dos americanos em sentido. É assim a vida, e ela é muito mais bela ou menos cinzenta com este facto. (Quando falo em patifes dos americanos, leia-se o velhaco do Clinton (talvez o tipo mais miserável que se sentou na sala oval) e a marioneta do Bush filho, orquestrada pelos gangsters que conhecemos -- Cheney Rumsfeld e restante escória.) de facto, Donald só há um, o Pato...
Quando oiço o Biden dizer que os Putin vai pagar, farto-me de rir, e lembro-me do Snowden, da Crimeia -- podem vir cacarejar o que quiserem, mas a vontade do povo da Crimeia foi cumprida, e é só mesmo isso que interessa -- o resto é conversa fiada de vendidos e oportunistas para entreter os incautos --; já para não falar no nordeste da Ucrânia, manigâncias da Alemanha para maçarem os russos, a que estes respondem como responde sempre uma grande potência imperial a picadelas de moscardos (e nem vale a pena falar na Geórgia, quando da golpada do agente americano que por lá andou).
Eu gosto da Rússia, país e cultura extraordinários, embora nunca lá tenha estado; também gosto muito da América, enquanto paisagem cultural. Só não gosto que me atirem areia para os olhos.
E já agora, a propósito de manigâncias: estão à espera de quê para ir buscar-lhes a vacina? (O primeiro estado a fabricar uma.) Que a Alemanha deixe?
quinta-feira, março 18, 2021
liberal & progressista
«Já saudámos Alhandra, a toireira; Vila Franca, a que foi de Xira, e depois da Restauração, e depois outra vez de Xira, quando a tal Restauração caiu, como a todas as restaurações sempre sucede e há-de suceder, em ódio e execração tal que nem uma pobre vila a quis para sobrenome.»
Almeida Garrett, Viagens na Minha Terra (1846)
quarta-feira, março 17, 2021
o escrúpulo ficava-lhe bem, mas o humor descarado, ainda melhor
«Eu sou um homem que sabe tudo e muitas outras coisas. Não espreito a vida do meu próximo, nem ando pelos salões atrás de uma ideia que possa estender-se por um volume de trezentas páginas, que, depois, vil espião, venho vender-vos por 480 réis. Isso nunca.»
Camilo Castelo Branco, do A Filha do Arcediago (1854)
terça-feira, março 16, 2021
cantam como choram
«Depois da guerra, a aldeia da minha infância era feminina. De mulheres. Não me lembro vozes masculinas. Isto ficou dentro de mim: são as mulheres que falam da guerra. Choram. Cantam como choram.»
Svetlana Alexievich, A Guerra não Tem Rosto de Mulher (1985)
(tradução:Galina Mitrakhovich)
segunda-feira, março 15, 2021
amar as mulheres em 1844
«Dai às paixões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a máxima energia e convertei o mundo em paraíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio. Muitas vezes, na verdade, ela desce arrastada por nós, ao charco imundo da extrema depravação moral; muitíssimas mais, porém, nos salva de nós mesmos e, pelo afecto e entusiasmo, nos impele a quanto há de bom e generoso. Quem ao menos uma vez não creu na existência dos anjos revelada nos profundos vestígios dessa existência impressos num coração de mulher? E porque não seria ela na escala da criação um anel na cadeia dos entes presa à humanidade pela fraqueza e pela morte e, do outro, aos espíritos puros pelo amor e pelo mistério? Porque não seria a mulher o intermédio entre o céu e a terra?»
Alexandre Herculano, do prólogo de Eurico o Presbítero (1844)
domingo, março 14, 2021
a arte de começar
«O antigo embaixador estava vestido de seda e, por estranho que pareça, o caminho que iria conduzir aos memoráveis teve início no copo de uísque escocês que andava nas suas mãos. Igual líquido circulava pelos copos daqueles que o acompanhavam, e talvez por isso mesmo as gargalhadas que soaram no amplo salão da casa tenham sido tão desabridas, quando o anfitrião disse para aquele que lhe estava mais próximo -- "Afilhado, agora que uns quanto mercadores estão empenhados em mostrar que a Terra é plana, não faltará quem venha dizer que a história é redonda. Estão a ver como se constrói uma bela impostura? A Terra lisa como um guardanapo, a história sem uma ponta por onde se lhe pegue como se fosse uma esfera. E agora, tu, Bob? Como é que vais desfazer um embuste tão bem montado?"»
Lídia Jorge, Os Memoráveis (2014)
sábado, março 13, 2021
«Eram terríveis as rotinas,
quase um rito iniciático, uma sagração.»
Uma rememoração poética de episódios domésticos da infância. Um retrato de uma pequena aristocracia / burguesia provincial na primeira metade da década de 1940, com o marcado papel matriarcal intramuros, e o despontar de uma vocação poética, Manuel Alegre, «A grande subversão», para ler aqui.
sexta-feira, março 12, 2021
a arte de começar
«No amplo território do Pelourinho, homens e mulheres ensinam e estudam. Universidade vasta e vária, se estende e ramifica no Tabuão, nas Portas do Carmo e em Santo Antônio Além-do-Carmo, na Baixa dos Sapateiros, nos mercados, no Maciel, na Lapinha, no Largo da Sé, no Tororó, na Barroquinha, nas Sete Portas e no Rio Vermelho, em todas as partes onde homens e mulheres trabalham os metais e as madeiras, utilizam ervas e raízes, misturam ritmos, passos e sangue; na mistura criaram uma cor e um som, imagem nova, original.»
Jorge Amado, Tenda dos Milagres (1969)
quinta-feira, março 11, 2021
quarta-feira, março 10, 2021
terça-feira, março 09, 2021
Puigdemont, futuro Prémio Sakharov?
Ao tratar os deputados independentistas catalães como suspeitos de vulgar criminalidade, como tantos que para lá há, o Parlamento Europeu dá de si próprio uma triste imagem, embarcando na farsa do governo de Madrid. Muito mais grave, pois enquanto que a jurisprudência, após as decisões dos tribunais belgas e alemães, é a de não aceitar a perseguição política aos representantes de um povo cujo território está ocupado pela força ilegitimamente -- sem direita à autodeterminação não há legitimidade política --, o Parlamento Europeu deixa-se enredar e manobrar, manchando o próprio ideal democrático e europeu.
Prémio Sakharov? Com que credibilidade doravante?
Uma vergonha sem nome, um gesto politicamente boçal, um golpe na confiança dos cidadãos europeus na suas instituições..
segunda-feira, março 08, 2021
a arte de começar
«13 de novembro. / Ouço sempre o mesmo ruído de morte que devagar rói e persiste...»
Raul Brandão, Húmus (1917)
domingo, março 07, 2021
sábado, março 06, 2021
sexta-feira, março 05, 2021
aeroportos
Pior do que andar mais de cinquenta anos a decidir, é continuar a decidir sem estudos. Pior que decidir sem estudos, é decidir em benefício duma companhia privada, portuguesa ou estrangeira, tanto faz.
Entretanto, só vejo o PAN a defender Beja. Porquê? Os turistas não podem levar 40 minutos a chegar a Lisboa por comboio? Temos de continuar a arriscar a vida das pessoas com aviões a levantar e a aterrar por cima das casas? A reserva natural do estuário Tejo é transaccionável pelo incremento do turismo de massas? Esta maralha, além de permeável aos interesses dos outros não vislumbra outro futuro para os portugueses que não os de empregados de mesa e criadas de quartos?
quinta-feira, março 04, 2021
quarta-feira, março 03, 2021
caracteres móveis
Progresso. «Se o moderno é, pois, um critério de actualidade, se todos os grandes artistas, escritores ou pensadores de qualquer época histórica foram sempre modernos, quer isto dizer que eles foram sempre actuais, isto é: foram sempre determinados pelas forças vivas do presente, que são as forças agentes do futuro, as forças que operam o devir histórico, as que garantem a continuidade e o progresso da actividade humana.» Fernando Lopes-Graça
Soneto: «Assentado na orla dum soneto / ribeiro onde desliza minha mágoa» Cristóvão de Aguiar, Sonetos de Amor Ilhéu (1992)
Notas: Dickens: O narrador assegura-nos que Marley, o sócio de Scrooge estava morto («Isto deve ficar perfeitamente entendido, pois de contrário nada de maravilhoso ressaltará da história que vos vou contar.»). Ou seja, a "suspensão da descrença" de Coleridge, que certamente Dickens leu: quando lemos ou vemos ficção, a boa premissa será a de fingir para nós próprios que acreditamos no inverosímil que se nos apresenta. Lopes-Graça: O materialismo marxista aplicado à ponderação estética. Aguiar: ribeiro que lava as mágoas.
terça-feira, março 02, 2021
a arte de começar
«Temos dificuldade em compreender nos outros aquilo que não somos capas de viver. Por exemplo: a paixão. Eu pensava que a paixão estava em declínio porque julgo que ela é o resultado dos muitos interditos que bloqueiam a nossa afectividade, sobretudo nas coisas que se passam entre homem e mulher. por isso, os sentimentos aproveitam a mais ligeira fenda para fazer jorrar, impetuosa, a paixão. O que me parecia natural é que, à medida que os tais interditos fossem desaparecendo, a paixão fosse perdendo a sua força.»
António Alçada Baptista, Catarina ou o Sabor da Maçã (1988)
Nota: Isto é tão mau, tão conversa de revista feminina da época, que me vejo obrigado a esclarecer que, "a arte de começar" compreende(rá) os parágrafos iniciais dos romances e novelas que tenho por cá, todos, em língua portuguesa. O bom, o mau e o medíocre, portanto. A arte de cada um, por vezes desigual, em cada momento.