terça-feira, setembro 08, 2020

Vicente Jorge Silva

Um grande jornalista compensa a caterva de cavalões e cavalinhos da imprensa. Vicente Jorge Silva, que morreu hoje, foi responsável pelo que de melhor o jornalismo português teve no último século - Comércio do Funchal, Expresso e Público - e isso é inestimável para o país.

9 comentários:

Jaime Santos disse...

A sua prosa serena e analítica (mas nunca fria, porque se via que era homem de causas e coração) vai-nos fazer muita falta, fica-nos a obra e o exemplo cívico.

R. disse...

Um fantástico fazedor de jornais, e muito lúcido.

Jaime Santos disse...

Sem dúvida, Silva não era apenas um grande jornalista, foi sobretudo um grande director, a Revista do Expresso nunca mais foi a mesma depois dele e o Público também não, porventura um dos grandes jornais europeus da época, elogiado até por estrangeiros com quem me cruzei...

R. disse...

Absolutamente, e o que isso significou para a ilustração do país foi imenso. E, claro, um homem de equipa.

Jaime Santos disse...

Sim, diz-se que se queremos julgar os líderes devemos sobretudo olhar para as pessoas de quem se rodearam. E a equipa de Silva era de escol, alguns ainda por lá andam...

Claro, o inenarrável José Manuel Fernandes, com a sua inenarrável crónica das lágrimas vertidas na conquista de Bagdad, que lhe lembrou o 25 de Abril, também fazia parte dessa equipa, mas no melhor pano cai a nódoa e depois, convenhamos, não é por ele ser quem é e pensar o que pensa que eu não reconheço que 'O Observador' é um muito interessante projecto editorial, mesmo se algumas daquelas crónicas mereceriam a classificação que Vicente Jorge Silva em tempos deu a uma personagem pidesca qualquer que lhe moveu por isso um processo...

I digress, mas é curioso o percurso de alguns figurões da nossa Direita mais reaccionária. Começaram na Extrema-Esquerda, depois namoraram o neo-conservadorismo e hoje navegam em águas trumpistas...

Ao menos o Nogueira Pinto é coerente, nunca deixou de ser quem é, parece que agora anda próximo do Chega (ontem vi-o na SIC a dizer que Biden, se ganhar, ficará refém dos radicais, retórica trumpista pura, if only)...

Mas, que diabo, o exemplo mais egrégio de toda aquela geração é o 'social-democrata' Durão Barroso. Ao pé deste, Fernandes não passa de uma figura menor...

Seja como for, é justamente por causa da profusão de equídeos no jornalismo, para usar a sua metáfora em tons menos carregados, porque como sabe eu sou uma pessoa sensível ;) , que Vicente Jorge Silva fará muito falta ao País...

R. disse...

Pois, há casos e casos. A maioria parece ter passado da fase da exaltação juvenil para o pragmatismo de tratar da vidinha. Eu aprecio a coerência, mas admito que as pessoas mudem. Para mim, os casos mais curiosos são os que mudam radicalmente de campo mantendo-se estruturalmente as mesmas pessoas. Há casos interessantes, bons e maus, ou seja: mantêm as mesmas qualidades e os mesmos defeitos.

Jaime Santos disse...

Sem dúvida. Creio que quase todos os que mudaram radicalmente de campo se mantiveram estruturalmente as mesmas pessoas. Eram autoritários na juventude e militavam na Esquerda radical e acabaram na Extrema-Direita na meia-idade também como autoritários. E suspeito que o fizeram para se manterem do lado do qual o vento sopra.

Eu gosto das pessoas que são capazes de mudar. Ninguém me diga (especialmente à Direita, que gostava dele assim, porque assim era inofensivo) que apreciava a coerência de Álvaro Cunhal. Perante a falência de tudo em que acreditava, o homem, alguém inegavelmente de inteligência superior, foi incapaz de mudar de opinião (ou pelo menos de assumir isso publicamente). Era um claro caso de dissonância cognitiva.

O Adenauer, quando o confrontavam com as mudanças frequentes de opinião, respondia, que interessam os disparates que eu disse ontem? Bem entendido, deve existir uma boa razão para mudarmos de opinião, não deve ser uma mera questão de oportunismo...

R. disse...

O Cunhal é um caso bicudo. Talvez a melhor forma para o percebermos seja ler-lhe oe romances e contos. Só li os «Cinco Dias...», muito bom, de resto.

Jaime Santos disse...

Nunca li nada dele, mas não acredito que a obra de um autor, a não ser que seja um muito mau escritor, reflicta a sua vida interior, seria desvalorizar o papel da imaginação (a não ser que o autor o queira e faça da obra algo de semi-autobiográfico).

Nem todos os actores são como o Harrison Ford, que desempenha sempre o mesmo papel, se percebe o que eu quero dizer :) ...