«E sofria no seu amor por elas: "Cala-te, Marrafa, cala-te, Nina..." Mas o céu não parava de abrir-se em neve, e a neve em frio, e o frio a picar a carne velha de Melo Bichão. Choramingava o filho maluco, baliam os animais famintos na verde saudade dos pastos. E mais sofria o pastor velho com a fome das sete ovelhas.» Mário Braga, «Balada», Serranos (1949)
«Nascera num bairro miserável, fora de portas. A mãe vinha todos os dias à cidade buscar roupa e deixava-a só. Cresceu como um bicho, sem moral, nem beleza. / Atingida a puberdade entregou-se ao primeiro que apareceu. Romance? Nenhum. Prazer, sensualidade, vício mesmo? Nada. Só sensaboria, fatalismo e alguma curiosidade.» Miguel Barbosa, «A dança», Retalhos da Vida (1955)
«Acabou a festa; é como se acabasse um clarão intenso, e deixasse o rosto apenas alumiado da luz ordinária. Ei-lo que desce o coro, apoiado na bengala; vai à sacristia beijar a mão aos padres e aceita um lugar à mesa do jantar. Tudo isso indiferente e calado. Jantou, saiu, caminhou para a Rua da Mãe dos Homens, onde reside, com um preto velho, pai José, que é a sua verdadeira mãe, e que neste momento conversa com uma vizinha.» Machado de Assis, «Cantiga de esponsais», Histórias sem Data (1884)
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PARIS/MCMXIV
SÁBADO, 26 DE SETEMBRO
«Quem me dera já em Portugal, na minha aldeia, dormente desde que o primeiro homem ali ergueu uma palhoça! Fechar-me nela como em deserto e nunca mais ler a maldita palavra humana em livros e jornais! Esquecer-me na casa tranquila dos horrores que nestes meses tenho visto e pulsado até sempre, até o dia em que na poeira inerte da terra vá delir-se o colóide -- patusco colóide -- em que se resume, segundo parece, esta máquina de viver.»
Aquilino Ribeiro, "É A GUERRA-Diário", (Paris, 1914). Publicado em 1934.
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