Continuar: «O mosteiro da Virgem Dolorosa estava situado numa encosta, no topo da extrema ramificação oriental das que a dilatada cordilheira dos Nervásios estende para o lado dos Campos Góticos.» Cap. XII, «O mosteiro» (pp. 120-154 da minha edição)
Hermengarda no fulcro, é um capítulo que não deixa esquecer a trama amorosa, mesmo que em tempo de guerra. A fuga para um mosteiro situados nas planícies entre a Estremadura e Leão, acolitada por um grupo de dez cavaleiros. É recebida de braços abertos ela abadessa, a Venerável Cremilde, terminando num banho de sangue, na sequência do assalto pelos mouros, capitaneados pelo "invencível" Abdulaziz.
A prosa de historiador com que se reveste a caracterização do mosteiro, fortificado como uma praça-forte: «Edifício sumptuoso, construído no tempo de Recaredo, as suas grossas muralhas de mármore pareciam, na verdade, quadrelas de castelo roqueiro; porque na arquitectura dos Godos a elegância romana era modificada pela solidez excessiva do edificar germânico [...] Os muros fortíssimos daquele vasto edifício, as suas portas tecidas de ferro e carvalho, as estreitas frestas, que apenas lhe deixavam penetrar no interior uma luz duvidosa, os tetos ameados e, finalmente, os fossos profundos que o circundavam, tudo o tornava acomodado para larga defensão.»
«Era ao anoitecer de um dia de novembro. Por entre o nevoeiro cerrado que, alevantando-se do vale vizinho, trepava pela encosta, deixando apenas livres as negras agulhas dos cerros, lá no viso da montanha divisavam-se a custo as ameias e as muralhas à luz baça do crepúsculo, refrangida em céu pardo e húmido. [...] // A esta hora duvidosa entre a claridade e as trevas, uma numerosa cavalgada atravessava o ribeiro no fundo do vale e encaminhavam-se para o mosteiro da Virgem Dolorosa.» Era a escolta de Hermengarda, presa apetecível pela alta dignidade que detinha. Herculano consegue aqui um efeito estilístico muito interessante ao salientar a altitude da abadia-fortaleza, ao lusco-fusco, contrastando com o grupo de cavaleiros que o leitor divisa em ponto pequeno, acentuando mais a sua condição fugitiva e precária.
O espírito de Eurico aparece-nos quando as monjas entoam um salmo composto pelo presbítero de Carteia, cantando «as asas da tua providência, ó Senhor», hino que culmina com a certeza do triunfo da Cruz.
Encontro de dois irmãos: Atanagildo, quingentário sitiado, que comandava a guarda de Hermengarda, e Suintila, sitiante, ao lado das forças invasoras, comandadas agora por Abdulaziz, evoca irresistivelmente o Cerco do Porto.
O capítulo termina com um episódio arrepiante: as monjas prostram-se diante da abadessa, para que esta as desfigure, ficando assim ao abrigo da violação ou do tráfico num mercado de escravas. Este confronto entre a sensualidade brutal e a imolação pelo martírio é vista pelo narrador como uma vitória da Cruz sobre o Corão:
«Entre as monjas e os Árabes bem curta distância medeia: e todavia, lá no mais pequeno recinto onde soam os gemidos de dores atrozes, onde só ri uma esperança a da morte, há paz íntima, há o céu: aqui, na vasta cripta, onde a ebriedade de fácil triunfo, a riqueza dos despojos, o futuro de uma larga existência de glória e deleites sorriem na mente dos infiéis, está o furor insensato, está o inferno. o Evangelho e o Alcorão estão frente a frente no resultado das suas doutrina. É sublime a vitória do livro do Nazareno!»
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