quarta-feira, setembro 09, 2020

Cruz e Crescente - Eurico o Presbítero (12)

Continuar: «O sol ia já alto quando o grito de Allah hu Acbar! soou no centro dos esquadrões do Islame.»
Um capítulo notável pelo cheiro, pelo som, pela imagem do início da Batalha de Guadalete (31-VII-711). Duas massas humanas compactas no limiar do enfrentamento inevitável, questão de vida ou de morte: a terra treme sob «o peso daquela tempestade de homens»; os urros e a agonia, «um longo gemido, assonância horrenda de mil gemidos»; «o tinir do ferro no ferro e um concerto diabólico de blasfémias, de pragas, de injúrias em romano e em árabe»; brados desgarrados das vozes de comando…
E mais uma vez o fantasma da Guerra Civil de 1828-34 surge no choque, numa das alas da batalha, entre as forças de Teodomiro, o duque de Córdova, e Juliano, conde de Ceuta:
«O recontro dessa ala foi semelhante em tudo ao do grosso das duas hostes, salvo que aí o franquisque encontrava o franquisque, a injúria de Godos respondia à injúria proferida por bocas de Godos, e as imprecações do ódio trocavam-se com maior violência ainda.»
É neste capítulo que surgirá o cavaleiro negro, do lado cristão, que com ímpeto se lança sobre os inimigos de maior hierarquia nas hostes inimigas:
«Se combatesse pelos muçulmanos, crê-lo-iam o demónio da assolação; mas, pelejando pela Cruz, dir-se-ia que era o arcanjo das batalhas mandado por Deus para salvar Teodomiro e, com ele, os esquadrões da Bética.»
Virou a batalha a favor dos visigodos que se preparavam para derrotar os árabes, quando os filhos de Vítiza e Opas, bispo de Sevilha, seu irmão, gritam à morte do usurpador Rodrigo, com as consequências que prosseguirão no capítulo seguinte.

Alexandre Herculano, Eurico o Presbítero (1844), cap. X, "Traição", pp. 91-103



Sem comentários: