Não antipatizo com Maria Flor Pedroso nem tenho simpatia extrema por Sandra Felgueiras, e também não tenho acompanhado ao pormenor a questão que levou à demissão da primeira do lugar de directora de informação da RTP.
O tipo de jornalismo que faz Pedroso não me interessa nada, é um jornalismo de salão pelos meandros dos estado-maiores partidários, da intriga política. É esse o jornalismo que a caracteriza, fazendo-o porém tanto quanto me é dado perceber com isenção. Já o jornalismo de Felgueiras é muito mais importante, correndo, porém, o risco de cair no sensacionalismo, o que normalmente creio não acontecer.
O jornalismo é afectado por duas pragas que o destroem: dorme demasiadas vezes na cama do poder e prostitui-se ao sensacionalismo, sendo os lenocidas os donos dos órgãos que recorrem a semelhantes práticas. Ora creio que nem uma nem outra podem ser acusadas desses defeitos.
Se a questão do programa sobre o lítio na Serra do Barroso, cuja emissão foi adiada para depois das eleições me causa algumas dúvidas -- se eu fosse director de informação talvez não permitisse que um programa com óbvias interferências na campanha eleitoral fosse para o ar, nas condições miseráveis em que se faz política agora -- até porque o assunto não perderia actualidade por uma semana ou duas, como se vê.
Já o caso relatado que a leva à demissão parece-me ser insustentável e tal decisão só perca por tardia. Pelos vistos a ex-directora de informação disse uma coisa na reunião do conselho de redacção e escreve outra hoje. Se é a versão de hoje que está correcta, a demissão e respectiva justificação não fazem qualquer sentido, o que me leva a concluir que de facto a senhora interveio no decurso de uma reportagem de uma colega (e subordinada) sua. A circunstância de não ter ido à reunião do conselho de redacção marcada para esta tarde, como estava previsto, só vem confirmar essa ideia.
Mas o que mais me chateia nisto, porém, é a conversa da treta dos comunicados que pretendem lançar areia para os olhos do público: se a senhora não fez nada do que foi acusada pela colega, não tem nada de demitir-se nem o conselho de administração da RTP aceitar a sua demissão. Portanto, balelas.
Faz-me também impressão o movimento de 135 jornalistas, entre grandes profissionais e irrelevâncias, a defesa acérrima de uma (estando embora no seu direito de exercer o direito à amizade); no entanto, e isso é que me faz confusão, a defesa de uma é -- ou parece ser -- a implícita condenação de outra, por parte desses mesmos 135 colegas. Ora se a primeira admitiu ter interferido no trabalho da segunda, duma forma assaz contestável, boicotando objectivamente o trabalho da sua equipa, admissão essa confirmada pela sua assinatura em acta -- o que levaria qualquer pessoa com dois dedos de testa a perceber que deixara de ter condições para continuar directora de informação -- parece-me que os 135 amigos, colegas e jornalistas fizeram o papel de 135 idiotas inúteis.
6 comentários:
Penso que estará a ser injusto com o jornalismo praticado por Flor Pedroso. Ela é das mais talentosas entrevistadoras que conheço, não hesitando em colocar quem entrevista contra a parede (olhe-se para o respeito que Judite de Sousa mostrava por Marcelo, ou que Clara de Sousa mostra por Marques Mendes, mesmo quando estes debitavam ou debitam disparates e procuravam ou procuram avançar com uma agenda política através de comentário supostamente isento).
O jornalismo não se resume a um jornalismo de investigação, requer também quem questione a consistência dos programas partidários e as diferenças entre eles, ou a sinceridade dos políticos, vide acima, por exemplo.
Se o jornalismo de investigação representa de facto o lado mais contundente do quarto poder, se a actividade jornalística se resumisse a ele, em breve estaríamos reduzidos ao 'eles são todos iguais', que abriria as portas ao populismo mais descarado, independentemente da condução da investigação jornalística ser ou não feita com o cuidado a que o meu caro se refere.
Já relativamente à demissão, se Pedroso não tivesse tido qualquer actuação incorrecta (não posso avaliar porque não conheço os contornos do caso), ela poderia ainda assim ficar sem condições objectivas para exercer um cargo (por falta de solidariedade dos seus subordinados, por exemplo)...
Tem obviamente qualidades, mas francamente creio que já tem anos a mais de convívio com aquele mundo para fazer parte dele. Quando via a Judite de Sousa, ainda não tinha cãs; e quanto ao Marques Mendes nunca assisti; se passo por lá, mudo logo. Céus.
Quanto à investigação jornalística ela é altamente necessária, não pode é ser confundida com perseguição a políticos, que é coisa que muito jornalista faz.
Creio que ela já não tinha quaisquer condições para desempenhar o cargo. O Cintra Torres escreveu com crueldade -- tão mais cruel se ele acertou na mouche, como creio ter acertado - que MFPedroso se pôs na situação de servidão voluntária em face do poder (permitindo, aliás, o inenarrável José Magalhães fazer aquele número na audição na AR). É que o problema já vem de trás: quando o sexta às 9 foi obrigado a reter a notícia das remunerações dos altos quadros da TAP, por pressão da direcção da informação; e a turva questão da rentrée do programa. Tudo fragilidades de que ela não se saiu bem. E no fim, acaba por demitir-se por uma questão menor, mas que deixou uma nódoa, que até pode ter caído no melhor pano -- imagem que acho que há muito tempo deixou de se lha aplicar.
Não me lembro da questão da remuneração dos quadros da TAP, mas sem dúvida que as dúvidas colocadas relativamente ao adiamento da emissão do programa sobre a concessão de licenças de exploração de lítio deixaram marcas.
Não sei se MFP faz ou não faz parte desse mundo.
Existe naturalmente tráfico entre jornalistas e políticos nos corredores do Poder, uns porque precisam de fontes, outros porque precisam que lhes publiquem a informação que querem fazer chegar à opinião pública. Kennedy dizia que 'the ship at the head of state is the only one that leaks from the top'...
Acho isto natural e até desejável, porque de vez em quando o que chega é mais do que propaganda, vai até ao whistleblowing...
Mas a acção de MFP enquanto jornalista sempre me agradou, já se é susceptível a pressões enquanto DP, isso é outra questão. Um bom profissional técnico pode não dar um bom gestor.
Pressões, como lembrava a Polly Toynbee recentemente no Guardian, até na BBC as há, resta saber se quem dirige tem a capacidade (e o desejo) de a elas resistir.
Não gosto, confesso, do estilo panfletário de Sandra Felgueiras, mas mau grado esse estilo, não me parece que resvale para a tentativa de fazer justiça popular ou perseguição a políticos, à CMTV ou à Moura Guedes quando estava na TVI, ou mesmo às investigações mais recentes desse canal.
O jornalismo de investigação sério é absolutamente necessário, nisso estamos de acordo. O que quis dizer é que não chega...
Pois, não chega -- e também tenho algumas reservas ao estilo Felgueiras, embora seja eficaz. A verdade é que os programas de reportagem nos três cais, diga-se, têm sido fundamentais para o escrutínio do poder.
Ricardo, não foi a Felgueiras que fez a reportagem - em exclusivo! -da entrega do carniceiro de Aguiar da Beira? Achei aquilo muito triste, mas era um furo, e ainda por cima dado de bandeja... Ocorre-me, a propósito, a prestação judicial da Quintela e marido que agora são falados nos corredores partidários ditos sociais-democratas... A Flor Pedroso habituei-me a ouvi-la na rádio, quando andava ao volante do chevrolet pela estrada de Sintra. Agora só ando com o passe do Costa (ou do Jerónimo?) e já não a oiço. Também não sei se ainda fala... Coitada, meteu-se num ninho de vespas asiáticas e lixou-se.
Acho que o gajo se quis entregar a ela...
Marido? Que marido?...
Acho quer foi aquilo que alguém disse como uma atitude de "servidão voluntária". É a vida...
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