sábado, maio 12, 2007

Antologia Improvável #224 - Sérgio Godinho

CANTIGA DO FOGO E DA GUERRA

Há um fogo enorme no jardim da guerra
E os homens semeiam fagulhas na terra
Os homens passeiam co'os pés no carvão
que os deuses acendem luzindo um tição

Pra apagar o fogo vêm embaixadores
trazendo no peito água e extintores
Extinguem as vidas dos que caiem na rede
e dão água aos mortos que já não têm sede

Ao circo da guerra chegam piromagos
abrem grande a boca quando são bem pagos
Soltam labaredas pela boca cariada
fogo que não arde nem queima nem nada

Senhores importantes fazem piqueniques
churrascam o frango no ardor dos despiques
Engolem sangria dos sangues fanados
e enxugam os beiços na pele dos queimados

É guerra de trapos, do pulmão que cessa
do óleo cansado que arde depressa
Os homens maciços cavam-se por dentro
e o fogo penetra, vai direito ao centro



In José Mário Branco, Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Vontades

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