sábado, julho 19, 2025

o que está a acontecer

«BREVE NOTA DE CULPA - Conheci Diogo Relvas. / Julgo que me lembro de tê-lo visto passear por Aldebarã, a cavalo, numa das vezes, não sei se a última em que estive em casa do meu avô. Já lá vão quase cinquenta anos, tempo suficiente para que um lago se torne num pântano ou uma estrela distante e misteriosa se transforme num mundo corriqueiro, ambos possíveis por obra dos homens.» Alves Redol, Barranco de Cegos (1961)

«Houve até um momento patético que, a esta distância, vejo como relato ilustrativo desses tempos não muito conturbados. No dia em que saí de casa, pondo fim a uma vida em comum de oito anos, encontrei no caixote do lixo o exemplar de Os Versos do Capitão, de Pablo Neruda, que há muito tempo, apaixonado e previsível, oferecera a Sara.» Bruno Vieira Amaral, As Primeiras Coisas (2013)

«Assestar uma metralhadora, do alto de um posto de sentinela, sobre essa coisa difusa, homem ou bicho, seria sempre um acto muito superior à sua vontade; um gesto tão grande como a destruição do mundo, pensou. Pensou que um gesto assim lhe ficaria de memória para o resto dos dias.» João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas (1984)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«O que me não consente o ânimo é que, havendo-me debruçado sobre o mar de dor, fel e vinagre, que foi a sua existência, sem tentar olhar até os limbos, se dê o processo por concluso, julgado como está por Caifaz.
Então o poeta viveu e morreu pobre e miseravelmente, isto é, réprobo ao professor, ao poeta do Paço, ao sacerdote, ao áulico, e havíamos de aceitar que todos eles, inclusive os homens de bem, apagassem a torpeza cometida, que mais não fosse a torpeza de tê-lo ignorado, e viessem à praça exibir-se como seus epígonos?»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)