quarta-feira, dezembro 20, 2023

"na hora em que os campos rescendiam" e outros caracteres móveis

«Era sempre no Verão que um paquete português os arrebanhava, e precisamente na hora em que os campos rescendiam aromas da vegetação verde-bronze, e as árvores vestiam seus braços nus, oferecendo sombras acolhedoras.» Assis Esperança, «O dinheiro», O Dilúvio (1932) / «Tudo quanto era navalhas, canivetes, facas, punhais de prata, adagas marroquinas, bisturis e outras lâminas de paixão, ou de vertigem, nascia, de preferência à noite, na mão do Toledo das Rondas, que procurava, a larga capa negra esvoaçando ao vento, gravitando num turbilhão de obsessões, vagabundos, amnésicos, esquizofrénicos, outros homens sem bússola, ou sem emprego, prostitutas e gatos, os mais independentes, nas ruas banhadas por um luar insuportável, o luar de antigamente, que morava na Rua do Capelão, juncada de rosmaninho.» Dinis Machado, Discurso de Alfredo Marceneiro a Gabriel García Márquez (1984) «Vergado sobre os ex-votos, as suas mãos iam desfazendo os barcos de cera e arremessando-os para o abismo, para o sarçal que havia lá no fundo.» Ferreira de Castro, O Senhor dos Navegantes (1954)

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

«A meio duma bacia de água, um Sátiro e uma Ninfa representavam o fugitivo lance que vai, em amor, da rendição à posse. (...). Segurava-a o Sátiro pela cinta, contra si, num empalme de força e ricto largo de concupiscência; buscava ela ainda esquivar-se, mas tal esquivança, bem se lhe via no sorriso dengue e malicioso, era mais desafio que recusa. Era sua, e o orgulho do Sátiro, de arrogante, profanava o azul do céu e a castidade das águas.»
Aquilino Ribeiro, "Jardim das Tormentas" - conto: "A Tentação do Sátiro" (1913)