«Abalara até ao Rossio, embora cansado do trabalho do armazém, mas mais cansado ainda dos maus modos dos primeiros-caixeiros, piores no trato do que os patrões, convencidos de que chegariam mais depressa a sócios da casa.» Alves Redol, Os Reinegros (c. 1944/1972)
«Duas mãos ternas e jeitosas, vermelhas e antes do tempo deformadas, passeiam sobre as roupinhas húmidas do borrifo, alisam-nas, empunham de novo o ferro que muitos anos de uso poliram: são elas, em toda a casa, o único sinal de vida.» José Rodrigues Miguéis, A Escola do Paraíso (1960)
«Partia do princípio que, vindo para Malhadas, era como um bombeiro com obrigação a qualquer altura de acudir às misérias dos labregos, se pobres, alguns, dignos de amparo, e encalacrados da vida muitos, não poucos, mariolas de alto bordo.» Aquilino Ribeiro, Volfrâmio (1943)
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«Assim fizeram os dois, insensivelmente indo dar ao sítio em que o Sátiro prelibava as voluptuosidades sem par. Na luz fosca da trovoada -- que já os relâmpagos chicoteavam os horizontes -- o sorriso lúbrico do fauno parecia despregar-se da pedra e vir enlabuzar as almas. E, jactancioso, mofava, ao mesmo tempo, de quem daquele jeito não sabia compartir. Bem firmes, as suas plantas caprinas tomavam a terra como palco do seu gozo, mais nada que palco; os braços, que agora ilaqueavam a ninfa, soltar-se-iam breve para mimar um epodo entre satírico e báquico; e já a expressão cínica dos olhos e dos lábios dizia à ninfa sujeita:
-- Que mais é a vida?»
Aquilino Ribeiro, "Jardim das Tormentas" - conto: "A Tentação do Sátiro" (1913)
«Mafalda, que num assomo de nervos ia ripando e amarrotando as rosas, disse para D. Gil:
-- Este grupo... este fauno tem um ar de escárnio que bole com os nervos. Hei-de mandá-lo fazer em estilhas...
-- Que escárnio descobriu num mármore de tão belas formas?
-- Não vedes?!... -- e esta resposta foi dada com sorriso tão de malícia e galantaria que a alma de Gil se abrasou.
-- Cuido, sim, que está a dar uma lição... -- proferiu, volvendo para ela os olhos, que demorara no Sátiro, menos a estudar que a refazer-se do anseio de que se acompanhava a ebriedade que o tomou.»
Aquilino Ribeiro, "Jardim das Tormentas" - conto: "A Tentação do Sátiro" (1913)
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