«Brilha o céu, tarda a noite, o tempo é lerdo, a vida baça. Debaixo de sombras irisadas, leio e releio os meus livros, passeio, rememoro, devaneio, pasmo, bocejo, dormito, deixo-me envelhecer. Não consigo comprazer-me desta mediocridade dourada, pese o convite e o consolo do poeta que a acolheu. Também a mim, como ao Orador, amarga o ócio, quando o negócio foi proibido. Os dias arrastam-se, Marco Aurélio viveu, Cómodo impera, passei o que passei, peno longe, como ser feliz?» Mário de Carvalho, Um Deus Passeando pela Brisa da Tarde (1994)
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3 comentários:
«A menina é roliça, branquinha e risoteira. Baixa de estatura, núbil, sã, é o morango à altura de se papar. Tem a boca pequena e bem-feita, estas bocas em carcás de Cupido, para mais vermelha, crisol de feitiçarias. Ancas largas; ombros largos; seios arredondadinhos e volumosos em demais para os dezoito anos; sobre o fornido e o orbicular. Mas é apetitosa como tudo o que o poder ser. Ao que eu lhe digo, ri; digo-lhe coisas jucundas e, naturalmente, ri; falo em coisas sérias, para despertar gravidade, e não obstante ri; disserto acerca de sucessos sinistros, de arrepia-cabelos, e ri ainda e sempre. Fala pouco ou quase nada; duvido que seja capaz de sustentar com alguém outra conversação que não seja a monossilábica; e para quê se sabe tão bem rir? É a donzela do sorriso pronto. Ri, sorri; sorri, ri. Terá miolos esta mulherinha encantadora? Tem, que o seu sorriso é lúcido e espiritual, ao mesmo tempo de contemporização e bem haja e para o que se diz. (...) Pretenderá acaso conquistar-me, calculando ou pressentindo que a mulher ganha mais a sorrir do que a falar, sobretudo quando o "partner" é homem corrido das sete partidas?!»
(...) O corpinho dela, mercê até da onça a mais de enxúndia, está mesmo a pedir "pelotage" como entendem só franceses, mestres da voluptuosidade. Nada se semelha mais a um pêssego, penugem, cor, sumo, maciez, tudo compreendido. O pai, apercebendo-se do meu embevecimento, fita-me com olhinho langoroso; meu irmão sorri. Terão estas duas almas acalentado de longe, ou apenas agora a súbitas, algum pensamento esponsalício quanto a mim e a esta rola? Olho para ela e ruboriza. Adivinhou-me, e pode ser que a suspeita tenha brotado simultâneamente em ambos. Inclinando-me a que tenha lido no meu entendimento, o corolário é que por debaixo do sorris umo, para lá da dentadura maviosa, há al.»
Aquilino Ribeiro, "Aninhas" (novela)
Tui, Primavera de 1932.
Um mestre danado, este Aquilino.
Correção:
"..., o corolário é que por debaixo do sorriso, para lá da dentadura maviosa, há al.»
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