Dizer que houve censura das fotografias do Mapplethorpe em Serralves, significa que não sabe o que é (e foi) a censura. Depois, condicionamentos de admissão a menores de dezoito anos, estão consagrados pela lei e pelo estado de direito, sem que ocorra a alguém vir esgrimir o argumento estafado, estafado.
Creio haver também um equívoco sobre a interpretação das restrições. Não se trata de pornografia, obviamente, mas, nalguns casos, de imagens bastante violentas. E se nem todas as imagens de sexo explícito são pornográficas, como toda a gente deveria saber, nem tudo o que está classificado para maiores de dezoito anos tem que ver forçòsamente com pornografia, idem-aspas.
Mas talvez seja avisado haver alguma prevenção quando se expõem imagens de meio braço enfiado num ânus ou um tipo a urinar para a boca de outro. Além disso haverá, quem tenha preconceitos, haverá quem seja conservador, haverá quem seja moralista -- e com todo o direito a sê-lo; haverá ainda quem não tenha preconceitos nem seja moralista, mas considere (pobres retrógrados, coitados) que para crianças de dez anos (ou de oito, ou de treze) aquelas e outras imagens não sejam pròpriamente aconselháveis, como fàcilmente se perceberá. As razões atendíveis para condicionar o acesso são várias, o que deveria ter sido, aliás, previsto pelos vários intervenientes da coisa, poupando-nos à patetice da semana, que parece querer chegar ao Parlamento.
Claro que há imensos argumentos que podem aduzir-se, contra a imposição de uma idade mínima de visionamento de uma parte da exposição: desde o cínico 'ninguém é obrigado a ir' à monumental má-fé intelectual de Pedro Lapa: "hoje é por causa do sexo, amanhã é por causa da raça" -- sem perceber, ou não querendo perceber, que o silogismo se pode aplicar, por exemplo, à pedofilia, que há cem anos se mostrava alegremente por todos os salões de arte, e hoje seria o cabo dos trabalhos para o fazer -- mesmo com estas prevenções que alguns agora classificam como censórias. (Lembra-se, aliás benèvolamente, da não existência de raças humanas. Todos percebemos o que ele quis dizer, mas rigor, que diabo!, rigor nas palavras.)
Censura? Nem por isso, apenas uma histeria grotesca de activismo kitsch e excitação de umas cabecinhas com uma razoável massa de esterco encefálico.
Fotos aqui, serviço público.
P.S. - Para quem tiver paciência, remeto para a leitura dum velho post de 2007, exactamente sobre este tema, mas então a propósito do Tintin no Congo (o debate também tem graça). A minha perspectiva era a mesma, o que não invalida a grande admiração pela obra do Hergé...
Creio haver também um equívoco sobre a interpretação das restrições. Não se trata de pornografia, obviamente, mas, nalguns casos, de imagens bastante violentas. E se nem todas as imagens de sexo explícito são pornográficas, como toda a gente deveria saber, nem tudo o que está classificado para maiores de dezoito anos tem que ver forçòsamente com pornografia, idem-aspas.
Mas talvez seja avisado haver alguma prevenção quando se expõem imagens de meio braço enfiado num ânus ou um tipo a urinar para a boca de outro. Além disso haverá, quem tenha preconceitos, haverá quem seja conservador, haverá quem seja moralista -- e com todo o direito a sê-lo; haverá ainda quem não tenha preconceitos nem seja moralista, mas considere (pobres retrógrados, coitados) que para crianças de dez anos (ou de oito, ou de treze) aquelas e outras imagens não sejam pròpriamente aconselháveis, como fàcilmente se perceberá. As razões atendíveis para condicionar o acesso são várias, o que deveria ter sido, aliás, previsto pelos vários intervenientes da coisa, poupando-nos à patetice da semana, que parece querer chegar ao Parlamento.
Claro que há imensos argumentos que podem aduzir-se, contra a imposição de uma idade mínima de visionamento de uma parte da exposição: desde o cínico 'ninguém é obrigado a ir' à monumental má-fé intelectual de Pedro Lapa: "hoje é por causa do sexo, amanhã é por causa da raça" -- sem perceber, ou não querendo perceber, que o silogismo se pode aplicar, por exemplo, à pedofilia, que há cem anos se mostrava alegremente por todos os salões de arte, e hoje seria o cabo dos trabalhos para o fazer -- mesmo com estas prevenções que alguns agora classificam como censórias. (Lembra-se, aliás benèvolamente, da não existência de raças humanas. Todos percebemos o que ele quis dizer, mas rigor, que diabo!, rigor nas palavras.)
Censura? Nem por isso, apenas uma histeria grotesca de activismo kitsch e excitação de umas cabecinhas com uma razoável massa de esterco encefálico.
Fotos aqui, serviço público.
P.S. - Para quem tiver paciência, remeto para a leitura dum velho post de 2007, exactamente sobre este tema, mas então a propósito do Tintin no Congo (o debate também tem graça). A minha perspectiva era a mesma, o que não invalida a grande admiração pela obra do Hergé...
6 comentários:
"condicionamentos de admissão a menores de dezoito anos, estão consagrados pela lei e pelo estado de direito"
Que eu saiba, essas restrições não estão consagradas na lei para exposições de arte. E não devem estar. Sim, é censura, proibirem-me de ver aquelas fotografias na companhia das minhas filhas. O argumento de que não sabe o que foi a censura quem diz que este caso configura uma forma de censura não colhe, por ao longo do tempo a censura ter assumido diversas formas. E em matéria de censura estamos como na criação artística, é sempre a recriar, inovar, imaginação e criatividade não falta.
A censura vertebra muitos seres.
Alguns já vertebrados, ainda que curvados de si, não fôra !
Boa noite.
Olhe, por acaso, não pela primeira vez, mas convenhamos que é raro, assino tudo o que disse por baixo.
Como alguém disse, é difícil definir a pornografia, mas quando olhamos para ela sabemos instintivamente do que se trata.
Até é possível concebê-la como arte (lembro-me do filme Crash), mas seguramente que isso não chega para justificar mostrá-la a crianças...
E o mesmo se passa no caso de obras de conteúdo racista, como bem lembra. Importa que quem as lê seja capaz de as enquadrar historicamente.
E, mais ainda, como faríamos hoje a retrospetiva de um Balthus? Seguramente com muitos avisos relativamente ao conteúdo das obras...
Uma questão conexa (mas irrelevante para o tema do seu post) é perceber se João Ribas está ou não a dizer a verdade quando se queixa de que não foi ele que decidiu retirar fotos da exposição e mostrar outras em espaço reservado (se percebi bem a confusão).
Henrique, eu creio que estão, mas isso não é importante para exprimirmos a nossa opinião.
Para ser franco, não percebi no meio dos argumentos e contra-argumentos se se tratava de uma proibição ou de uma simples prevenção. Mas aceitando que se tratou de proibição, não é censura, pelo seguinte:
em primeiro lugar, censura é quando se interdita uma obra (não foi o caso). Antes do 25A, nos casos mais extremos, interditava-se, apreendia-se, vandalizava-se; arrecadava-se o artista e multava-se pesadamente o galerista, pelo menos (com os livros era assim, é provável que também o fosse com as artes plásticas), pelo que falar em censura, neste caso, é excessivo para quem a sofreu verdadeiramente na pele;
em segundo lugar, não é censura pela razão de nós não sermos livres de fazer o que bem entendemos com as crianças. Pais haverá com uma visão, outros com outra, e você não pode seriamente dizer que qualquer criança pode ver aquelas imagens sem correr o risco de ficar perturbada, pois nem sequer está mentalmente preparada para isso, na maioria dos casos -- e digo maioria, porque não quero absolutizar.
Censura houve depois do 25 de Abril, quando a RTP suspendeu o programa do Herman José por parodiar um Infante D. Henrique supostamente homossexual; ou quando despediram o Barata-Feyo quando este não aceitou a proibição da sua reportagem sobre a Unita.
Antes e depois, interdição e consequências sérias para os visados. Censura, neste caso? Por favor...
Sorrir: ah pois vertebra...
Jaime, fico satisfeito por concordar. Já falámos sobre o 'Crash', que eu, ao contrário de si, não considero pornográfico, mas, lá está: não é um filme para todas as idades, tal a violência, que está muito para lá do sexo. E como este filme, haveria uma infinidade de exemplos para dar sobre obras de arte que um certo sentido de equilíbrio e prudência recomendam que não sejam exibidas às escâncaras. E já nem estou a falar do direito que têm as pessoas que não estão para aí viradas de saberem ao que vão...
Muito lúcido, Ricardo!
Também assino por baixo, sem reserva alguma.
De repente, parece que a loucura se instalou... Eu pergunto se a exibição de algumas destas imagens a crianças é menos agressiva e chocante que alguns dos actos tipificados como abuso sexual de menores no Código Penal.
Viva, meu caro!
É verdade, mas há quem não distinga a Estrada da Beira da beira da estrada.
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