quarta-feira, setembro 26, 2018

um serviço educativo para o fisting

Dizer que houve censura das fotografias do Mapplethorpe em Serralves, significa que não sabe o que é (e foi) a censura. Depois, condicionamentos de admissão a menores de dezoito anos, estão consagrados pela lei e pelo estado de direito, sem que ocorra a alguém vir esgrimir o argumento estafado, estafado.
Creio haver também um equívoco sobre a interpretação das restrições. Não se trata de pornografia, obviamente, mas, nalguns casos, de imagens bastante violentas. E se nem todas as imagens de sexo explícito são pornográficas, como toda a gente deveria saber, nem  tudo o que está classificado para maiores de dezoito anos tem que ver forçòsamente com pornografia, idem-aspas.
Mas talvez seja avisado haver alguma prevenção quando se expõem imagens de meio braço enfiado num ânus ou um tipo a urinar para a boca de outro. Além disso haverá, quem tenha preconceitos, haverá quem seja conservador, haverá quem seja moralista -- e com todo o direito a sê-lo; haverá ainda quem não tenha preconceitos nem seja moralista, mas considere (pobres retrógrados, coitados) que para crianças de dez anos (ou de oito, ou de treze) aquelas e outras imagens não sejam pròpriamente aconselháveis, como fàcilmente se perceberá. As razões atendíveis para condicionar o acesso são várias, o que deveria ter sido, aliás, previsto pelos vários intervenientes da coisa, poupando-nos à patetice da semana, que parece querer chegar ao Parlamento.
Claro que há imensos argumentos que podem aduzir-se, contra a imposição de uma idade mínima de visionamento de uma parte da exposição: desde o cínico 'ninguém é obrigado a ir' à monumental má-fé intelectual de Pedro Lapa: "hoje é por causa do sexo, amanhã é por causa da raça" -- sem perceber, ou não querendo perceber, que o silogismo se pode aplicar, por exemplo, à pedofilia, que há cem anos se mostrava alegremente por todos os salões de arte, e hoje seria o cabo dos trabalhos para o fazer -- mesmo com estas prevenções que alguns agora classificam como censórias. (Lembra-se, aliás benèvolamente,  da não existência de raças humanas. Todos percebemos o que ele quis dizer, mas rigor, que diabo!, rigor nas palavras.)
Censura? Nem por isso, apenas uma histeria grotesca de activismo kitsch e excitação de umas cabecinhas com uma razoável massa de esterco encefálico.


Fotos aqui, serviço público.


P.S. - Para quem tiver paciência, remeto para a leitura dum velho post de 2007, exactamente sobre este tema, mas então a propósito do Tintin no Congo (o debate também tem graça). A minha perspectiva era a mesma, o que não invalida a grande admiração pela obra do Hergé...

6 comentários:

hmbf disse...

"condicionamentos de admissão a menores de dezoito anos, estão consagrados pela lei e pelo estado de direito"

Que eu saiba, essas restrições não estão consagradas na lei para exposições de arte. E não devem estar. Sim, é censura, proibirem-me de ver aquelas fotografias na companhia das minhas filhas. O argumento de que não sabe o que foi a censura quem diz que este caso configura uma forma de censura não colhe, por ao longo do tempo a censura ter assumido diversas formas. E em matéria de censura estamos como na criação artística, é sempre a recriar, inovar, imaginação e criatividade não falta.

Sorrir de novo disse...

A censura vertebra muitos seres.
Alguns já vertebrados, ainda que curvados de si, não fôra !
Boa noite.

Jaime Santos disse...

Olhe, por acaso, não pela primeira vez, mas convenhamos que é raro, assino tudo o que disse por baixo.

Como alguém disse, é difícil definir a pornografia, mas quando olhamos para ela sabemos instintivamente do que se trata.

Até é possível concebê-la como arte (lembro-me do filme Crash), mas seguramente que isso não chega para justificar mostrá-la a crianças...

E o mesmo se passa no caso de obras de conteúdo racista, como bem lembra. Importa que quem as lê seja capaz de as enquadrar historicamente.

E, mais ainda, como faríamos hoje a retrospetiva de um Balthus? Seguramente com muitos avisos relativamente ao conteúdo das obras...

Uma questão conexa (mas irrelevante para o tema do seu post) é perceber se João Ribas está ou não a dizer a verdade quando se queixa de que não foi ele que decidiu retirar fotos da exposição e mostrar outras em espaço reservado (se percebi bem a confusão).

R. disse...

Henrique, eu creio que estão, mas isso não é importante para exprimirmos a nossa opinião.
Para ser franco, não percebi no meio dos argumentos e contra-argumentos se se tratava de uma proibição ou de uma simples prevenção. Mas aceitando que se tratou de proibição, não é censura, pelo seguinte:
em primeiro lugar, censura é quando se interdita uma obra (não foi o caso). Antes do 25A, nos casos mais extremos, interditava-se, apreendia-se, vandalizava-se; arrecadava-se o artista e multava-se pesadamente o galerista, pelo menos (com os livros era assim, é provável que também o fosse com as artes plásticas), pelo que falar em censura, neste caso, é excessivo para quem a sofreu verdadeiramente na pele;
em segundo lugar, não é censura pela razão de nós não sermos livres de fazer o que bem entendemos com as crianças. Pais haverá com uma visão, outros com outra, e você não pode seriamente dizer que qualquer criança pode ver aquelas imagens sem correr o risco de ficar perturbada, pois nem sequer está mentalmente preparada para isso, na maioria dos casos -- e digo maioria, porque não quero absolutizar.
Censura houve depois do 25 de Abril, quando a RTP suspendeu o programa do Herman José por parodiar um Infante D. Henrique supostamente homossexual; ou quando despediram o Barata-Feyo quando este não aceitou a proibição da sua reportagem sobre a Unita.
Antes e depois, interdição e consequências sérias para os visados. Censura, neste caso? Por favor...

Sorrir: ah pois vertebra...

Jaime, fico satisfeito por concordar. Já falámos sobre o 'Crash', que eu, ao contrário de si, não considero pornográfico, mas, lá está: não é um filme para todas as idades, tal a violência, que está muito para lá do sexo. E como este filme, haveria uma infinidade de exemplos para dar sobre obras de arte que um certo sentido de equilíbrio e prudência recomendam que não sejam exibidas às escâncaras. E já nem estou a falar do direito que têm as pessoas que não estão para aí viradas de saberem ao que vão...

sincera-mente disse...

Muito lúcido, Ricardo!
Também assino por baixo, sem reserva alguma.
De repente, parece que a loucura se instalou... Eu pergunto se a exibição de algumas destas imagens a crianças é menos agressiva e chocante que alguns dos actos tipificados como abuso sexual de menores no Código Penal.

R. disse...

Viva, meu caro!
É verdade, mas há quem não distinga a Estrada da Beira da beira da estrada.