«A tripulação passou uma semana a atirar baldes de água lá para baixo, a limpar a cagada dos pretos, eu só pensava que se aquilo era assim de Lisboa ao Brasil nem queria imaginar como fora da Mina a Lisboa com o dobro dos pretos no porão. Cada um dormia, comia, mijava e cagava no mesmo sítio, um niquinho de lugar, nem as pernas podia estender, os filhos pequenos dormiam sobre as mães, as mulheres sobre os homens e estes matavam-se uns aos outros para estenderem as pernas. Com esta história de trazer tantos escravos no mesmo barco perdiam-se não menos que cinquenta pretos em cada viagem, mas os atravessadores não se importavam, distribuíam o preço dos perdidos pelos salvados e ficava tudo em casa, era assim que eles diziam, ficava tudo em casa.»
Miguel Real, Memórias de Branca Dias (2003)
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