sábado, maio 31, 2014

um acontecimento editorial: A EXPERIÊNCIA, de Ferreira de Castro (hoje, na Feira do Livro)

Durante sessenta anos (desde 1954, data da primeira edição), A Experiência ficou escondida, no mesmo livro, entre a novela A Missão e o conto O Senhor dos Navegantes. A primeira, objecto também de edições à parte -- foi um dos volumes inaugurais da histórica colecção "Livros de Bolso Europa-América", e da própria editora original, a Guimarães, quando escolhido como um dos livros de leitura curriculares do então ensino unificado, na década de 1970. O Senhor dos Navegantes, em tempos gravado e dito por Ferreira de Castro, num disco editado pela Orfeu, em 1998, através da direcção avisada e culta de Vasco Graça Moura e António Mega Ferreira, foi também objecto de uma edição em separado, na colecção da Expo "'98 Mares".

E A Experiência, no meio da boa fortuna das outras duas narrativas, o único romance que integrava o volume A Missão?; essa história incrível de duas crianças de asilo, Januário e Clarinda, evoluindo para a marginalidade como se uma nuvem negra que sobre eles pairasse não lhes oferecesse outra saída?; essa narrativa modelar, moderna na sua estrutura, com vários planos espácio-temporais, mostrando que, como qualquer grande escritor, Ferreira de Castro não queria dormir à sombra dos louros conquistados, procurando superar-se de livro para livro?...

Foi preciso um editor culto, percebendo que tinha em mãos um romance notável, de grande mestria (um dos meus preferidos), para que A Experiência pudesse  sair da obscuridade a que não tinha direito. Sai, infelizmente, num tempo em que o detrito literário domina os escaparates, e o lixo quotidiano nos empesta a vida. Mas, ao contrário do que queria Ferreira de Castro, a grande literatura, aquela que experimenta e questiona, sempre esteve ao alcance de poucos. Podia ser outra coisa? Podia. Mas então Portugal não seria Portugal, mas outra coisa, menos rústica, menos suburbana.

A edição é cuidada, com referências bibliográficas diversificadas. Deixo duas, de conspícuos ensaístas e críticos, ideologicamente nos antípodas (Ferreira de Castro tem esse atributo dos grandes: seja qual for a nossa mundividência, encontramos sempre nos seus livros algo que nos emociona e faz sentido):

Óscar Lopes: «Ferreira de Castro foi o primeiro grande romancista português deste século [XX] que se determinou por problemas objectivos e não apenas por impulsos íntimos.»
e
Pinharanda Gomes: «Todas as situações são pontos limite, agonísticos, neste romance onde as personagens [...] bebem o cálice até à inverosímil agrura e, todavia, tudo é verosímil e, cotejado com a vida, é crível.»

Uma última palavra para Susana Villar, autora das capas dos livros de Ferreira de Castro na Cavalo de Ferro. Num autor que foi visitado pelos maiores capistas, de Stuart Carvalhais a Bernardo Marques, e até pelos maiores pintores, nas edições ilustradas de Portinari a Pomar, o óptimo trabalho de Susana Villar tem feito jus a também a esse legado.

Hoje, na Feira do Livro de Lisboa, Miguel Real falará sobre.

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