«Um caldo parelho a esse mas sem o bacalhau a enricá-lo; açorda singela, já se vê, que os tempos eram outros. Era um migalho de gente, para aí desta altura, mais ou menos. Acudia ao chamamento da mãe, à espera, junto ao poial das bilhas, alcançava a mais tamaninha, à medida dos meus quatro, cinco anitos de gaiata, assentava-ma na cabeça e abalávamos, caminho do pego, até à barroca para onde escorria, pelas frinchas das penedias, a água.» Silvério Manata, A Bicicleta do Ourives Ambulante (2016)
«E não faltam ao mundo cheiros, nem sequer a esta terra, parte que dele é e servida de paisagem. Se no mato morreu animal de pouco, certo que cheirará ao podre do que morto está. Quando calha estar quieto o vento, ninguém dá por nada, mesmo passando perto. Depois os ossos ficam limpos, tanto lhes faz, de chuva lavados, de sol cozidos, e se era pequeno o bicho nem a tal chega porque vieram os vermes e os insectos coveiros e enterraram-no.» José Saramago, Levantado do Chão (1980)
«A sua voz era baça e trémula, como a das criaturas que não esperam nada, porque é perfeitamente inútil esperar. Mas era porventura absurdo dar esse relevo ao meu colega vespertino de restaurante. / Não sei porquê, passámos a cumprimentarmo-nos desde esse dia.» Fernando Pessoa, Livro do Desassossego por Bernardo Soares (póst., 1982)
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1 comentário:
«Um dos autores que explorou a fundo foi o nosso poeta. Em 1615, espremendo com desplante a mamadeira, lançou: 'Obra do grande Luís de Camões, príncipe da poesia heróica, Da criação e composição do homem, Lisboa, Pedro Craesbeck'. D. Rodrigo da Cunha, bispo de Portalegre, advertiu-o do engano. Editando as Rimas em 1616, dedicadas ao mesmo prelado, que o ajudara a custear as despesas, via-se obrigado a confessar o logro, acrescentando a respeito dos três cantos do poema alheio: «Mas como os tinha impressos, por ser obra muito boa e com o nome do autor a deixei ir estando esta obra começada.» Quer dizer, sem embargo da advertência, volveu a dar naquela estampa como sendo de Luís de Camões a obra dum outro. Para cúmulo, a justificação era falaciosa, porquanto o poema vem nas 'Rimas' ao fim da paginação.»
Aquilino Ribeiro, "Luís de Camões - Fabuloso*Verdadeiro". Ensaio (1950)
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