sexta-feira, março 10, 2017

Fiquei com a ideia, porventura injusta, de que, segundo o STJ, 'para quem é, bacalhau basta'. Estarei a ser injusto, além de socrateiro? Oh!, corrijam-me, se estiver errado,por favor...

Sócrates foi viver para Paris, para estudar Ciência Política.
Certa imprensa, que eu não frequento por uma questão de asseio, relata uma real ou suposta vida de nababo do ex-PM.
A Justiça investiga, mas não se resguarda. Em vez de desempenhar o seu papel como deve ser, e tentar apanhar Sócrates com a boca na botija, não: vá de promover o atropelo à lei, vazando na dita imprensa toda a sorte de fugas de informação sujeita ao caricaturesco segredo de justiça. Isto é: não interessa se a Justiça cumpre a lei; o que interessa é engavetar o corrupto, e de caminho tornar alguns agentes da justiça estrelas da chamada do mundo mediático
.
O espectáculo que tribunais e Ministério Público têm dado ao longo destes anos, teve ontem mais um momento glorioso: "No acórdão, os juízes do Supremo justificam que existe um risco real do não reconhecimento público da imparcialidade de Rui Rangel." Isto, depois de ter sido negada a pretensão do afastamento do juiz Alexandre, após a desastrada entrevista à sic.
Sim, reconheço que seria praticamente impossível, e provavelmente indesejável, afastar Carlos Alexandre, atendendo às dimensões do caso. E também acho que os juízes em funções, seja Alexandre seja Rangel, deveriam estar autorizados a falar apenas do futebol e dos quadros do Miró. Uma vez que não é assim, o que me chateia é conversa canhestra do STJ.

Agora já não é o plebeísmo da Relação com o adágio das cabras; agora é o STJ a não se dar ao trabalho de usar uma justificação sólida para o afastamento de Rangel, parecendo que, para quem é (opinião pública), bacalhau basta: já nem falo do 'risco real do não reconhecimento público da imparcialidade' do juiz Rangel (então a Justiça sacrifica ao 'reconhecimento público'?...); o pior de tudo é a própria justificação: o juiz Alexandre pode dizer o que quiser a propósito de um arguido, mesmo que em alusão indirecta, como toda a gente percebeu; aí, já não há problema; o juiz Rangel, como favoreceu Sócrates numa opinião e numa decisão, já corre o risco de ver afectada a sua imparcialidade...

Posso estar redondamente enganado, mas isto vai acabar mal. E o acabar mal é o arrastamento do caso por anos, sem que se chegue a um desfecho, a não ser na tal opinião pública, que há muito já condenou ou absolveu Sócrates. Pelo caminho, lama e descrédito, sujando tudo e todos.  E poderia ter sido diferente? Não pertenço a esse mundo, mas tenho a impressão de que poderia.

9 comentários:

victor sousa disse...

é tão evidente a cogitação, que eu espero viver para lhes ouvir as "justificações"

R. disse...

Será sinal de uma vida longa.

Jaime Santos disse...

Claro que poderia, se desde do princípio o processo não tivesse decorrido na praça pública. Moralmente, Sócrates, depois de reconhecer ter mentido, não tem perna para se segurar, pelo que quaisquer pretensões sobre um regresso à política (ou sequer ao circuito dos ditos notáveis) são pura ilusão. Assim, como diria o Diácono, não havia necessidade deste circo todo se a ideia é apenas desfazer a reputação do homem. Se se quisesse realmente fazer justiça, seria preciso investigar bem antes de eventualmente prender, se nunca procurar humilhar, e acusar e julgar rapidamente, condenando ou ilibando. Assim, se Sócrates for realmente culpado de algum crime, este foi o melhor favor que lhe fizeram, porque pode fazer-se de vítima e com toda a razão. Aliás, como penso que já disse, noutras jurisdições, o processo já teria sido mais que anulado por violação do princípio da legalidade processual (due process)...

R. disse...

Sem tirar nem pôr.
Em relação à mentira, já não me recordo. Lembro-me da omissão inicial do alegado empréstimo. No entanto, para um homem público, uma omissão é praticamente equivalente a uma mentira.

Jaime Santos disse...

Sócrates disse ao Expresso, se bem me recordo, que o dinheiro que lhe permitia viver em Paris era proveniente de um empréstimo da Caixa. Como já disse mais que uma vez, além de mentiroso, ele foi absolutamente néscio ao esconder a origem do dinheiro. Uma 'pessoa politicamente exposta' não pede empréstimos informais a amigos que tiveram relações de negócio com o Estado quando essa pessoa exercia altos cargos. À mulher de César não basta ser honesta, tem que o parecer. No limite, se Sócrates não conseguia arranjar o dinheiro por outras vias e precisava mesmo do capital, pedia o empréstimo recorrendo a uma letra de crédito e assumia isso de forma transparente (sujeitando-se à censura). Como isso não aconteceu, as autoridades francesas e portuguesas fizeram muito bem em investigar (só que estas últimas depois entornaram o caldo todo, para sermos bonzinhos). Sócrates não só se comprometeu a si, o que já é mau para um ex-PM, comprometeu todos aqueles que com ele trabalharam e/ou o defenderam, a começar por pessoas dos seus círculos íntimos (tenho imensa pena de Câncio, que considero uma grande jornalista e que viu a sua vida privada devassada, por exemplo).

sincera-mente disse...

Estou de acordo com as suas observações e preocupações.
Infelizmente, muita gente não tem andado bem no justiçal. Faltas de bom senso, ânsias de mediatismo, sobrejoelhismo, e outros ismos...
O processo Marquês parece não ter sido planeado da melhor forma. Terão começado pelo fim... Agora, devem estar à rasca para juntar tantas pecinhas no puzle.
Quanto às fugas de informação para os media, não consigo compreender porque continua tudo na mesma. Sinceramente, acho que o MP (refiro-me aos magistrados) não só não fornece as informações como se sentirá muito incomodado com tudo isto.
Sobre auto-denominar-se o meu amigo de socrateiro, concordo, já que o reconhece... Caramba, independentemente de vir ou não ser condenado na justiça, o homem está num lodaçal fétido. Só não vê quem não quer ver.

R. disse...

Jaime, de acordo quanto a esse tipo de justificações que, a serem verdadeiras, não fazem sentido, quanto a mim. Quanto às vítimas colaterais, não imputo necessariamente a culpa a Sócrates, mesmo que venha a ser culpado, mas à badalhoquice da imprensa.

Fernando, ia agora dar uma marretada no MP por causa do Madoff, quando vi o seu comentário, que prezo por muitas razões.

As fugas, se não teve o dedo do MP, teve o do juiz (já que o inspector tributário pediu ele próprio uma investigação às fugas, pois só podiam vir de um desses três).

Quanto ao 'socrateiro' estava a usar de ironia, pois nada do que escrevi até hoje me pode qualificar enquanto tal. E se o fosse, já me conhece para saber que o assumiria.
Se me perguntar se eu gostaria que Sócrates fosse ilibado, é claro que gostaria, Sócrates ou outro primeiro-ministro qualquer, pois acho catastrófico o país ter sido governado por um homem corrupto.
Se me perguntar, ainda, se tenho confiança na justiça, dir-lhe-ei que não tenho nenhuma, pois ainda não me esqueci do caso Casa Pia, e de como ela foi usada (ou deixou usar-se) para decapitar a liderança de Ferro Rodrigues, a mais à esquerda que o PS conheceu, ao mesmo tempo que as casos ligados ao PSD, como o BPN, se vão extinguir; ou ao CDS, como os submarinos, que nem sequer existem, havendo corruptores presos na Alemanha e corrompidos presos na Grécia. Perante isto, que confiança deveremos ter?

Quanto ao ver, o MP deve mostrar ao país a evidência da culpabilidade de um ex.PM e não deixar os cidadãos aos palpites. Foi o que fizeram os americanos no caso Madoff, ao contrário do que diz a Sr.PGR.

Jaime Santos disse...

Eu concordo com o Ricardo quanto ao desejo de ver Sócrates ilibado e exatamente pelas mesmas razões. Mal está o País quando um ex-PM, que ocupou o mais alto cargo executivo da nação, é considerado culpado de corrupção. Mas, se houver provas suficientes, espero que seja condenado, mesmo se considero que o processo está de tal maneira inquinado que já não se fará Justiça, mesmo que as ditas provas sejam à prova-de-bala. A Justiça não se mede só pelos resultados mas pelos meios que foram utilizados para aí chegar...

E Ricardo, tem razão, a culpa dos desmandos da imprensa é só dela. Mas Sócrates não é nenhum anjinho para não ter percebido (tem a experiência do processo Freeport, que diabo) que qualquer dúvida sobre o seu comportamento iria dar um motivo aos me(r)dia para o encharcarem a ele e aos seus de lama mais uma vez. Logo, faltou-lhe a devida prudência e isso também é censurável...

Finalmente, se defender Sócrates de algum modo contra os abusos do aparelho judicial ou dos me(r)dia é ser socrateiro, então eu sou socrateiro com todo o orgulho... Um homem pode ser moralmente repugnante e ser ainda assim inocente de qualquer crime... E é só isto que a Justiça julga e nada mais. Os julgamentos políticos e morais ficam com cada um...

R. disse...

Claro, se culpado, cadeia com ele. Não podemos andar constantemente a vociferar contra a ladroagem e depois, quando é a doer, encolhermo-nos. Mas o ponto, da minha parte, como creio que sabe, não é nem nunca foi esse.